quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

LOJA DA CULTURA

O Director Regional da Cultura, através da RTP-Açores, anunciou há dias a criação de diversas Lojas da Cultura, em algumas Ilhas da Região. A Ilha do Pico é uma das que vai beneficiar da instalação, muito em breve, de uma dessas instituição que, segundo a mesma comunicação, ficará instalada nas Lajes do Pico. Não foi indicada a localidade mas cremos que se trata da vila sede do concelho.
Segundo os técnicos trata-se do centro com maior vocação cultural da ilha. Afinal, uma prerrogativa que não é nova mas que lhe vem do século dezanove ou mesmo, mais de trás.
Primeiro foram os frades franciscanos que estimularam a cultura, ensinando a juventude que desejava adquirir os conhecimentos das letras e ciências. Com a extinção do convento, a aula de latim teve uma função muito meritória, preparando aqueles que desejavam seguir cursos universitários. A propósito, lê-se no Arquivo dos Açores (Vol. IX, págs. 54) a propósito da criação do Gabinete de Leitura das Lajes do Pico: “Como estivesse, então, em Coimbra, a cursar a Universidade, um distinto e talentoso lajense, o eventual Dr. João Paulino de Azevedo e Castro, hoje lente no Seminário de’Angra do Heroismo e sacerdote respeitado, pelas suas virtudes e erudição, secundou, poderosamente, os esforços literários dos seus conterrâneos, angariando dádivas de alguns centos de volumes, que para as Lajes do Pico foram logo remetidos.” E acrescenta: “Durante alguns anos manteve-se com regularidade este Gabinete de leitura, mas a falta de uma casa apropriada ao fim a que se destinava. Foi-lhe afrouxando a concorrência, até passar quase desaparecido”.
Igual Gabinete foi criado na Vila de São Roque, o qual teve também viva efémera.
Em sessão extraordinária de l de Maio de 1876 a Câmara Municipal, então presidida pelo negociante José Silveira Peixoto, “deliberou atribuir, por proposta do Presidente, ao Gabinete de Leitura Popular Lajense, por julgar ser uma instituição civilizadora, e que, possuindo à roda de 500 volumes, de muito pode servir à mocidade estudiosa da freguesia, principalmente quando for Lei do Estado, a reforma da instrução pública.”
Nos anos de 1881 e 1882 a Câmara deliberou conceder ao Gabinete o subsídio de 18$000, em cada um desses anos.
Ao Gabinete de Leitura, fundado por Manuel Joaquim de Azevedo e Castro, irmão do Dr. João Paulino, que viria a ser Bispo de Macau, sucedeu o Grémio Literário Lajense, fundado em 28 de Outubro de 1895, e onde foram recolhidos os livros do Gabinete.
O Grémio continuou, passando, na década de trinta do século findo, a denominar-se Sociedade Literária e Recreativa Lajense, a qual deixou de funcionar nos anos setenta por falta de sede.
Entretanto em Setembro de 1935 a Imprensa distrital anunciava a fundação da Biblioteca Popular Lajense, que recebeu uma parte do espólio literário do P. António Ávila, da Horta, e funcionou até à sua integração, em 1940, na Biblioteca Municipal. Interessante registar os nomes dos jovens que constituíam a Comissão organizadora da biblioteca: Raul Xavier, João José de Azevedo e Castro, Francisco António Rodrigues de Simas Melo Ferreira, Manuel Vitorino Nunes Júnior e E. S. Machado Ávila. Este o único vivo.
A Biblioteca Municipal, que recebeu também, o depósito da Biblioteca Gulbenkian, existente nesta vila, está em funcionando, em edifício próprio, mas tem-se dedicado ultimamente, com maior interesse, à juventude infantil .
Aplaudo às duas mãos a criação da Loja da Cultura, nesta Vila, onde não existe uma Livraria que permita aos interessados a aquisição, além de outros, principalmente de edições de autores açorianos. É um acto de valorização cultural, que muito dignifica a Direcção Regional da Cultura e, com certeza, vai prestar inestimável contributo para a formação cultural dos novos e mesmo velhos desta terra a qual, assim, vai poder continuar a manter a sua prestigiosa acção cultural.
É bom que o Governo Regional traga até nós iniciativas em todos os sectores - culturais, científicos, sociais e económicos, promovendo o desenvolvimento, como lhe cumpre, das terras que estão sob a sua jurisdição administrativa. Só assim a Região Autónoma dos Açores conseguirá o crescimento harmónico de todas as Ilhas, como um todo. Demais, foi esse o slogan que esteve na base da instituição da Autonomia.
Vila das Lajes,
Janeiro de 2008
Ermelindo Ávila

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O passado e o futuro...

Entrámos há poucos dias no novo ano e o mês de Janeiro, que é o primeiro, já vai correndo a mais de meio. É assim todos os anos mas parece que não nos conformamos com este rodar constante do tempo.
E é destarte que os anos vão decorrendo e aqueles que ontem nasceram amanhã serão os velhos desta geração. Todavia nem todos se apercebem desta realidade que não deixa de ser amarga para muitos, principalmente para aqueles que não se cansam de fazer projectos e raramente os cumprem integralmente.
Estamos já no ano de 2008. Não há muito que entrámos no novo Milénio e ele já vai um tanto para trás. Parece um paradoxo mas é uma realidade da qual não nos podemos afastar.
Este novo ano entrou, para muitos, principalmente para aqueles que, escolhidos pelo povo, governam os seus destinos e que projectam empreendimentos novos que, muitas vezes, não passam do papel. No entanto, e é uma realidade. sem tais planos não se constrói o futuro. E o futuro está sempre em renovação, porque os sistemas de vida vão-se alterando a todo o momento, tal como o homem que nasce, cresce, atinge o patamar da existência e depois inicia a decadência. E é assim que a humanidade se renova constantemente. Precisa, todavia, de ser constantemente revitalizada e amparada para não cair no colapso. E são as famílias que se constituem, se desenvolvem, se desagregam, com a saída dos filhos e, depois, desaparecem.
Mas o homem nem sempre atinge essa realidade. Esquece-se por vezes, como é o caso , como tantos outros, que hoje aqui se regista.

O Jairo chegou a casa bastante tarde. Ao contrário do que era normal, vinha atordoado e sem um fio enxuto da roupa que trazia no corpo. Respirava com dificuldade e notava-se que havia sofrido qualquer acidente. Ou seria dos negócios que não tinham corrido bem?. A esposa, aflita, interrogava-se… Todavia Jairo tinha dificuldade em falar e não se explicava. Sentara-se na primeira cadeira que encontrara e nada dizia apesar das insistência da esposa para que algo dissesse. O que lhe tinha acontecido? Jairo continuava cabisbaixo e mudo.
A esposa havia tudo preparado, com o maior desvelo, para o jantar que comemorava o aniversário do casamento. Admirava-se, pois. que Jairo não tivesse chegado. Ele era habitualmente pontual e, principalmente naquele dia, sabia que estavam sós e que era um dia especial para o casal que, todos os anos, o celebrava com muito entusiasmo.
Passado algum tempo que, para a esposa pareceram horas, Jairo falou. E explicou-se; Saíra do escritório à hora habitual e vinha de viagem para casa. O carro seguia na sua marcha habitual. Nada previa que alguma coisa de anormal pudesse acontecer. O dia decorrera normalmente. Demais, Jairo estava ansioso por chegar a casa e abraçar a esposa, naquele dia de especial significado para ambos.
Quando seguia na estrada encontrou alguns amigos que o fizeram parar e o convidaram a entrar num Café próximo para cavaquearem e tomarem um Whisky. Embora com alguma relutância, Jairo acedeu ao convite pois alguns deles não os via há bastante tempo. Abancaram nas mesas desertas e o empregado serviu-lhes o primeiro Whisky e a cavaqueira começou…. Depois veio o segundo, o terceiro e nem sabem quantos mais… A noção do tempo desapareceu e eles lá continuaram , sem saberem já o que diziam…

A noite foi correndo e o grupo não se dispunha a abandonar a sala. Tornou-se necessário que o proprietário os convidasse a sair, o que, aliás, não foi fácil… Eles lá seguiram, ocupando os diversos carros que os aguardavam. No entanto, o inverosímil estava para acontecer.
Quando seguiam a grande velocidade, um veículo, viajando em sentido contrário, bateu de frente no carro de Jairo. Este e os restantes ocupantes do carro foram projectados a grande distância, felizmente sem sofrerem quaisquer ferimentos. (Um quase milagre!…) Entretanto, chegou a Polícia que tomou conta da ocorrência. Os sinistrados viram-se em palpos de aranha
para saírem daquela dramática situação, até que apareceu um auto, por acaso de um amigo, que os conduziu ao hospital, onde o médico de serviço os examinou. O álcool ainda não tinha desaparecido… Receberam o tratamento adequado e, passado algum tempo, já quase em estado normal, regressaram a suas casas. E foi assim que Jairo chegou. O relógio público já havia batido as primeiras horas da madrugada. E ele ali estava, ainda atordoado, junto da esposa a desculpar-se como podia. A esposa nada disse. Ficou calada, sofrendo intimamente a situação bastante arreliante. Era uma senhora possuidora de excelentes qualidades morais. Soube desculpar o marido e nunca mais se falou naquela noite trágica. Tudo voltou à normalidade.
Quantos casos acontecem no dia-a-dia da época actual!… Quantos Jairos não haverá por aí, vítimas de amigos da ocasião!…Todavia, e infelizmente, não se encontram muitas esposas como a de Jairo…
Este caso não seria caminho aberto para a desunião? Quantas acontecem por razões, as mais fúteis!…
Infelizmente é o que se verifica nos caminhos da vida actual.

Vila das Lajes
Janº 2008
Ermelindo Ávila

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Uma prenda do Menino Jesus

Fazia-se tarde. Zebedeu perdera-se pelas ruas a admirar os lindos brinquedos expostos nas montras dos grandes espaços comerciais, para a época do Natal. E havia-os de todos os preços, desde os mais baratuchos até aos de milhares de euros.Via-os e passava à frente. Os cobres que juntara no mealheiro durante o ano nem chegavam para comprar um simples pião, que lá os havia…
Voltou a casa, pesaroso, com a certeza de que naquele ano, o Pai Natal não chegaria à sua porta. Mas, mesmo assim, não se revoltara. Tinha um pressentimento de que alguma coisa de bom lhe havia de acontecer.
No dia seguinte e nos outros, logo que saia da escola, deambulava pelas lojas de brinquedos na intenção de descobrir algum que estivesse dentro do seu magro “orçamento”. Nada, porém…Parece que os preços subiam dia após dia.
A, mãe, que o esperava, estranhava a demora, pois ele era sempre pontual em chegar a casa logo que terminavam as aulas do Ensino Básico, que Zebedeu frequentava. E procurou saber o que se passava.
Um dia, perto da hora de terminar as aulas, saiu de casa e foi até perto do edifício escolar. Pôs-se em posição de não ser vista pelos alunos, à saída. E foi acompanhando ao longe o caminhar do filho, até que este se encaminhou para a zona dos mercados de brinquedos e por aí ficou. Estava descoberta a razão da demora do Zebedeu em chegar a casa. Voltou pressurosa, mas triste, sem que o filho de nada soubesse.
Em casa a mãe não deixou de pensar continuamente no caso. O filho desejava um brinquedo pelo Natal. Ela, viúva, só dispunha de uma magra pensão de invalidez, que mal dava para o “prato” e para os remédios que tomava diariamente. Para vestir valiam-lhe as dádivas dos benfeitores, que bem conheciam as suas necessidades materiais…Que fazer, pois?
O filho era uma criança invulgar: inteligente, dava boa conta das aulas. Conhecia as carências da mãe e nada exigia, sujeitando-se àquilo que, bom ou mau, ela lhe preparava. Na escola fazia os seus deveres com diligência e captava a simpatia da Mestra. Os próprios colegas, vivendo em melhores condições económicas, não raro lhe ofereciam uma esferográfica, um lápis, ou um caderno de papel, que aceitava com certa humildade e com gratidão. E eles não eram assim para todos os colegas. O Zebedeu gozava de uma estima de excepção, entre todos os que o conheciam.
Foi-se aproximando o Natal. Naquele ano a Mestra anunciou que iriam fazer uma festa para celebrar o Nascimento do Menino Jesus. Era o tempo em que não existia o Pai Natal e o Deus Menino era a figura principal da solenidade…(Hoje seria algo diferente, com o agnosticismo reinante…)
Alvitrou que os meninos, cujos pais o pudessem fazer, contribuíssem com alguma prenda para os outros que as não podiam comprar. Todos aceitaram a sugestão da Senhora Professora.
No dia destinado à festa, na sala de aula, foi colocado um bonito pinheiro para servir de “Arvore de Natal”. Decoraram-na com lâmpadas coloridas e com algumas séries que davam luz intermitente. Não faltaram bonecos e outros motivos natalícios. Todos os meninos – poucos faltaram…- levaram suas prendas para a Arvore, e alguns levaram mesmo duas…Para a Senhora Professora foi levada uma especial, preparada por alguns pais.
Decorreu a festa com muita alegria, à mistura com um lanche de bolos e guloseimas que a Mestra havia preparado. Durante a semana anterior foram ensaiados diversos cânticos próprios da quadra festiva, para que o ambiente fosse o mais agradável para todos e resulta-se num verdadeiro louvor ao Menino nascido em Belém.
Chegou o momento ansiosamente esperado por todos. Um dos alunos foi vestido de “São Nicolau”, como é já tradicional, e apareceu na sala para distribuir as prendas. Um silêncio e uma ansiedade pairava naqueles pequenos corações. Principiou a chamada…Apareceu a primeira prenda para o mais novinho, o Filipe. Outros foram seguindo, até que um leu: Zebedeu! Era um cavalo de boa estatura, com arreios e montado num pequeno estrado de rodas. Foi um delírio. Depois, seguiram-se outros até que, de novo, alguém leu no rótulo: Zebedeu! E, dali até ao fim, várias vezes apareceu o nome do nosso felizardo.
Os pais de outros alunos, sabendo da situação do Zebedeu e do desejo de ter uma prenda do Natal, foram pródigos em dar aos filhos prendas para o companheiro: brinquedos, roupas, livros e até uma caixa de bombons. A mãe, que estava presente, só chorava e o filho não tinha palavras para agradecer aos companheiros a quem abraçava fraternalmente e com muita ternura. Na noite de Natal, mãe e filho foram à “Missa do Galo” agradecer ao Menino Jesus tantas Graças. Para o Zebedeu foi o Natal mais feliz da sua vida.
Vila das Lajes, 2007-12-04
Ermelindo Ávila

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Obras e Obras

O Governo Regional e os Municípios anunciaram os Planos para o ano corrente, a executar na Ilha do Pico.
Quem se der ao trabalho de ler esses exaustivos programas fica ao corrente das intenções dos gestores regionais e municipais. Com tais documentos pretendem dar satisfação às reivindicações das populações, feitas desde longa data e que só agora, no final dos mandatos, parece que vão ser realizadas. Todavia, fico-me na dúvida de que tais projectos venham a ser concretizados, pois faz-se saber que os Serviços Públicos estão quase “insolventes” e que a maior parte das receitas vão ser encaminhadas para satisfazer os encargos com as dívidas contraídas nos estabelecimentos bancários. Mas, a dar como certo que os programas serão postos em execução, julgo que somente deverão ser iniciados os processos de empreitadas uma vez que, dada a burocracia a que estão sujeitos, nem para o fim do ano estarão concluídos.
A Secretaria do Ambiente traz em execução a empreitada de construção do molhe de defesa da Vila, uma obra que tem merecido o aplauso dos lajenses, mas ele só beneficiará a parte Norte deixando a descoberto a zona Sul, com a agravante de continuar sujeita aos ciclones e “enchentes” do mar do Sul. Além disso, não se vê que a ligação provisória do muro do Caneiro ao molhe em execução ou conclusão, seja considerada, muito embora se saiba, pelo que por aí constou, que está nas intenções da Secretaria manter essa ligação, necessitando apenas da elaboração e aprovação do projecto respectivo. Mas, isso dizia-se há um ano. Decorridos mais de doze meses, pergunta-se: Em que situação se encontra tal projecto?
Não se trata somente de uma obra complementar. Trata-se de um pequeno molhe que vai permitir, como já se verifica, a formação de uma bacia capaz de receber embarcações de avantajado calado e a segurança daquelas outras que permaneçam anualmente na bacia interior.
Foi pena que o projecto não tivesse o aceleramento desejado, permitindo que a empresa empreiteira tomasse a responsabilidade da construção como “obras a mais”, se é que a actual legislação contempla essa modalidade.
Importa, no entanto, prosseguir com as obras de defesa da Vila. A segurança dos seus habitantes exige que o Governo tenha isso em consideração prioritária. Parar na execução da defesa da Vila é contribuir para o mal estar da população que há muito vem reclamando, com toda a justiça, que se lhe dê um mínimo de condições para “dormir descansada”.
É indispensável assegurar a defesa dos edifícios que se situam na parte Sul da Vila. Se tal se vier a realizar, dar-se-á tranquilidade às pessoas que nela habitam e, sobretudo, a necessária segurança ao edifício da Escola Preparatória e Secundária, que merece ser garantida, evitando-se que a veleidade de alguns que, ao que consta, por acaso não residem na área urbana (chamemos-lhe assim), pretendem que o edifício seja abandonado e se construa um novo imóvel longe da Vila, provocando nela seu completo despovoamento. Já por diversas vezes manifestei a minha discordância pelo facto de se pretender, sem qualquer razão plausível, abandonar um edifício que foi inicialmente construído pela Câmara Municipal e que, - adaptando-se o da Ponta da Ilha para a instalação do curso preparatório, - pela diminuição da frequência de alunos, ficará com espaço suficiente para dar resposta às exigências do ensino actual.
Quando resolve a Câmara Municipal a situação dos terrenos destinados a um campo de golfe? Não será tempo demasiado esperar que a empresa, antiga concessionária, se resolva a abandonar a detenção da posse daqueles terrenos que, aliás, são propriedade municipal e que, ao que constou, lhe foram cedidos a título precário e sem qualquer retribuição? Com o impasse que se verifica, ficarão o concelho e a ilha privados de usufruir um complexo de vital importância para o desenvolvimento do turismo, indústria que, parece, vai ser o sustentáculo da economia picoense, e não só, num futuro muito próximo.
A Vila das Lajes tem de ser olhada com carinho e respeito. Há zonas abandonadas e em degradação, que necessitam ser recuperadas, e outras que podem ser ocupadas por edificações, evitando-se a fuga dos casais para as periferias.
E só mais esta pergunta, aliás inofensiva: Porque não incorporar na parte urbana a zona do ramal, que já foi denominado “Eng.º. Arantes e Oliveira”, (cuja placa toponímica desapareceu) sem que nenhuma investigação se houvesse realizado) proporcionando-se a construção de edifícios para habitação e, vamos lá, se se “teimar” na construção de um novo edifício escolar, implantá-lo naquela zona?
Vila Baleeira, Jan.º de 2008
Ermelindo Ávila

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

CEREAIS E OUTROS GÉNEROS

Escreve Vitorino Magalhães Godinho em A Economia dos Descobrimentos Henriquinos, citado por Ernesto Veiga Oliveira e Benjamim Pereira, in Tecnologia Tradicional Agrícola dos Açores que o trigo foi a primeira grande cultura de cereais destas Ilhas, trazido pelos povoadores. Carreiro da Costa, (Boletim da Comissão Reguladora dos cereais do Arquipélago dos Açores. nºs. 31/32,) na rubrica “Rebuscos e Respigos”, diz, por seu lado, que: “O trigo, como se sabe, foi uma das primeiras culturas dos Açores, especialmente na ilha de S, Miguel, e aquela que foi objecto de maior exportação durante os primeiros tempos da vida agrícola insular”.
Na “História Insulana”, a pág. 213, o seu autor, P. António Cordeiro, informa: “Das terras lavradias (da ilha de São Miguel) não só se ocupam em trigo as mais delas, mas também em linho, e tanto, que ainda vai para as outras ilhas. Para o Brasil e para Portugal…”.
Em 1585 na Ilha de São Miguel houve grande produção de trigo de tal modo que um tal Pedro Anes, do Pico, morador na Ribeirinha, comprou a Luiz Gago, avô de Rui Gago da Câmara, oito moios de trigo por dezasseis quintais de pastel, que valia então o quintal a dois tostões somente”. (“Arquivo dos Açores”, Vol. XII, citando “Saudades da Terra” – de Gaspar Frutuoso, L.º 4º, Capº 51.) E ainda de Gaspar Frutuoso: “Este Pedro, do Pico. deu por uns sapatos brancos (que valiam naquele tempo trinta reis) para um seu criado seis alqueires de trigo.” Era uma abundância tal que o trigo, parece, não tinha valor.
Ainda a propósito do trigo, por Lei de 12 de Setembro de 1561, Dom Sebastião estabelecia as regras a que deviam obedecer as medidas de pão nas ilhas dos Açores. Por essa Lei somente passava a haver medidas de alqueire, meio alqueire e quarta de alqueire.
Depois apareceu nos Açores o milho, vindo dos Estados Unidos da América. Os historiadores não são precisos na data da entrada do milho nas ilhas. Carreiro da Costa, um dos mais distintos investigadores e historiógrafos açorianos do século XX, no estudo “Esboço Histórico dos Açores”, citando o Pe. Maldonado, recorda que o ano de 1647 foi um ano de tremenda fome, “em razão da esterilidade dos frutos comestíveis” e pela pouca ou quase nenhuma cultura dos milhos grossos que naqueles tempos se não usava senão por curiosidade.
Numa estatística de produção agrícola de 1702 (“Arquivo dos Açores”, Vol. X, pág. 297, verifica-se que o milho dela não consta, mas somente o trigo, a cevada, o vinho e o linho. Nessa estatística consta que o Pico produziu mil moios de trigo e vinte mil pipas de vinho, esta a maior produção dos Açores. No entanto, vinte e dois anos decorridos, o dizimeiro informava a Câmara Municipal das Lajes que tinha cinquenta moios de milho armazenado nesta Vila e nas Ribeiras, para exportação.
Interessante, pois, a deliberação municipal de 11 de Dezembro de 1847: “A Câmara, atendendo à grave falta de milho que se dá não só neste concelho, mas em toda a ilha, e bem assim a falta de batatas e a carestia dos trigos e igualmente a que das Ilhas mais próximas não deixam exportar milho, deliberou que desde ora em diante digo desde já ficava proibida exportação de milho tanto de dízimo como de particulares para fora do concelho tanto por mar como por terra sob pena de serem apreendidos na forma da lei e castigados os exportadores e condutores cada um com uma multa de dois mil reis.”
Mas esta não foi a única deliberação municipal sobre o milho que, após a sua introdução, passou a base da alimentação dos picoenses e da maioria dos açorianos. O trigo baixou a segundo plano, não apenas pelos cuidados que exigia a sua plantação, como pela exigência da vigilância provocada pela passarada – a praga como o povo lhe chamava – que exigia permanência de uma pessoa, durante o dia na época da maturação.
Em 17 de Maio de 1876, António Joaquim da Rosa, da cidade de Angra, pedia licença à Câmara para remover para a Ilha Terceira 30.000 litros de milho, por não achar comprador e achar ele (milho) a arruinar-se. O requerimento veio por intermédio do Governador para ser informado. Parte do milho havia sido recebido em pagamento de dívidas. Foram ouvidas a Câmara e Juntas de Paróquia por escrito. Foram todas de parecer que se podiam exportar os 30.000 litros de milho. Mesmo assim, a produção de trigo ainda se mantinha com algum volume, muito embora a Câmara, em sessão de 13 de Maio de 1880, considerando que a produção de trigo seria de 39.833 litros, necessitava importar até à próxima colheita, 85.6447 litros, pois poderia existir no concelho 440.568 litros de milho, pelo que deveria faltar, pelos seus cálculos, 353.978 litros.
E já agora registo aqui a introdução do inhame, uma dos produtos base da alimentação da população picoense. Em documentos notariais já em 1752 se fazia referência a dois pedaços de terra da Candelária de inhames e vinha. (F. S. Lacerda Machado, “Os Capitães Mores das Lages", pág. 44) muito embora Carreio da Costa, em apontamento no Boletim da C.R.C.A.A. (Vol.4 pág.99) refira que a cultura do inhame nos Açores deve datar do século XVII.
E ainda mais uma referência à batata doce que deve ter sido introduzida na Ilha Terceira nos fins do século XVI e na Graciosa, Pico e Faial no terceiro quartel do século XIX. No entanto, em 1849 Thomas Anglin, de S. Miguel, importou dos Estados Unidos da América cinco novas variedades de batata doce.
Hoje seria tarefa quase inútil a importação destes géneros para sementeira local. (Note-se que digo sementeira e não consumo…) Basta ver como estão os nossos campos, praticamente abandonados, sem que haja braços disponíveis para os trabalhar.
Até meados do século XIX todos os terrenos eram cultivados. Quase nem havia lenhas, nas partes baixas da ilha, para queimar. Uma tia avó dizia-me que, quando moça, ia com outras companheiras à serra juntar lenha para queimar nas cozinhas. As lenhas vieram descendo e, com a emigração do princípio do século XX , muitos terrenos foram abandonados e as faias, os incensos, e outros arvoredos tomaram conta deles. No conflito mundial de 1939-45, dada a dificuldade de importação de cereais, moveu-se uma campanha para a arroteia e limpeza das terras, chegando a Junta Geral do Distrito, organismo que tinha a seu cargo os serviços agrícolas, a dar prémios a quem procedesse a tais trabalhos.
As encostas desta vila, desde os quintais junto às residências, até ao alto, produziam muito milho e trigo. Havia em todas as chamadas “ladeiras”, o “serrado do trigo”. E pelas terras baixas abundavam, na época própria, as searas do mesmo cereal que, quando amadurecido, contrastando com o verde viçoso dos milharais, ofereciam um espectáculo interessante. Além dos cantares dos “vigias” para espantar a passarada, principalmente os canários que então abundavam, porque o pardal ainda cá não tinha chegado…
Hoje a vegetação selvagem quase invade as residências que lhe ficam vizinhas. E é pena que isso aconteça, pois provoca a necessidade da importação do trigo, que voltou a substituir quase o milho na alimentação dos povos.

Vila das Lajes.
Jan.º de 2008
Ermelindo Ávila