sábado, 25 de abril de 2009

A "NOSSA CASA"

Notas do meu cantinho


Devido às minhas debilidades físicas pouco saio deste meu cantinho. Daí desconhecer uma boa parte do que vai acontecendo por este nosso burgo.

Há dias passei junto da “nossa casa”, aquela que foi construída pelos meus antepassados. Onde eles e a sua descendência sempre viveram e onde os meus irmãos e eu próprio nascemos. Nela vivi vinte e sete anos!...

Por razões que não interessa para aqui trazer, ela deixou de pertencer à Família há umas duas dezenas de anos.

Como disse, ali nasceu e viveu a minha ascendência materna, até, que eu saiba, aos meus trisavós, Pedro Pereira Madruga e Teresa Rosa Luísa de Jesus, naturais da freguesia Matriz da Santíssima Trindade, desta Vila e pais de meu bisavô Joaquim Maria dos Santos, nascido aos 13 de Setembro de 1790. No entanto o filho mais velho do casal - o Pe. João de Deus Madruga, - havia nascido a 26 de Dezembro de 1785. Foram pais de diversos filhos e, segundo o costume da época, um foi padre, um frade no Convento Franciscano desta Vila,e um formado em direito. Este foi secretário da Câmara e o Padre, cura da Matriz. Meu avô, Ermelindo dos Santos Madruga, ali criou os filhos. Igualmente meus pais. Todos nós, sete filhos, ali nascemos e fomos nela criados. Saí daquela secular casa, por imperativos da vida, com vinte e sete anos... Conheço, pois, todos os cantos e recantozinhos... Meus pais não tiveram uma filha, como desejavam, e nós uma irmãzinha, pois a que lhes nasceu o Senhor levou-a para Si. Sofremos bastante e talvez por isso à nossa Mãe - que também lá nasceu - dedicávamos o duplo sentimento de mãe e irmã...

Contava-me a minha bisavó paterna – falecida com quase um século, pois faltavam-lhe uns escassos meses para atingir a centúria – que, quando alguém adoecia, era a casa de senhor Joaquim Maria que iam buscar um púcaro (pequeno vaso de barro) de água doce para fazer chá, não do chinês mas das ervas medicinais que então cultivavam. É que, na casa dele, havia duas grandes talhas de barro onde era recolhida á agua da chuva, pois ainda não existiam as cisternas, que vieram mais tarde. Ainda conheci esses enormes vasos de barro.

Nela viveu também o filho Pe. João de Deus e a sua escrivaninha quase chegou aos meus dias...

No rés-do-chão ou loja, teve meu pai uma sapataria e eu próprio, mais tarde, nele instalei o serviço público que passei a exercer.

É uma casa com mais de três séculos de existência. Um verdadeiro património, senão pela contextura, pela antiguidade, desta Vila, dos poucos que ainda restam e que merecia, por isso mesmo, um tratamento adequado, com vista à sua conveniente preservação. Está situada a meio da rua principal do burgo e da respectiva varanda descobre-se um extenso panorama da vila, a norte e a sul.

Como disse, actualmente a casa, por motivos vários, não pertence à família. Dois dos meus irmãos estão noutras ilhas, três já partiram e os dois que aqui vivem, estão viúvos... Houve quem a adquiriu, a utilizou e, depois, a abandonou. Desconheço o motivo e ninguém até agora foi capaz de m’o explicar. E eu vivo, sofrendo a amargura de ver a casa dos meus antepassados, onde nasci, me criei e vivi feliz quase três dezenas de anos, com meus pais e meus irmãos, a desmoronar-se, a desaparecer...Devia ser considerada, pelo seu estilo e pela antiguidade, património urbano. Não há entidade alguma que lhe acuda, já que os actuais proprietários julgo que dela estão desinteressados?

Hoje resta-me a saudade, que não tem limites e me traz amargurado e triste.


Segunda-feira da Semana Santa de 2009.

Ermelindo dos Santos M. Ávila

sábado, 18 de abril de 2009

Milho e Trigo

Trigo e milho. Este para colher lá para o Outono. O trigo, porém. mais cedo e a sua colheita dá-se em pleno verão. Mas isso era em tempos passados. Se a “praga” o não atingia muito, era bom ano de colheita. Mesmo assim, ao amanhecer, interessante passar pelas searas e ver a maneira como rapazes e raparigas o vigiavam da praga.

Outrora, nesta época, era extasiante passar por esses campos, no lado Sul da Ilha, e apreciar os imensos terrenos cultivados de trigo ou de searas já em maturação e escutar as moças a espantar a bicharada. Aqui e ali eram colocados monos de trapos. E era a matraca a ensurdecer o espaço. Ou as cantigas das raparigas a procurar espantar a praga que procurava tomar conta da produção. Mas, nem por isso, os canários, principalmente , se afastavam e, se o faziam, voltavam dali a pouco. Por vezes uma tarefa difícil e ingrata.

Se bem que o trigo foi o primeiro cereal trazido para estas ilhas pelos que primeiro as habitaram, dado tratar-se de um cereal de fraca e melindrosa produção, apareceu mais tarde o milho, vindo da América do Norte. Foi ele que contribuiu para a completa e substancial alimentação dos ilhéus. Todavia, enquanto esse cereal não apareceu, valeu o inhame, que nem se sabe quando aqui foi introduzido, mas que já no século dezasseis era conhecido porque terrenos de inhames fizeram parte das heranças de alguns falecidos.

O trigo merecia um tratamento especial, principalmente nos anos em que os lavradores tinham a seu cargo o cumprimento das coroações do Divino Espírito Santo, nas domingas intermédias da Páscoa ao Pentecostes. Isso verificava-se não há muitos anos, principalmente no lugar das Terras, subúrbio desta vila

A colheita do trigo e a debulha, na eira, eram sempre dias especiais para a família. Das pastagens traziam-se quatro ou cinco animais de raça vacum, para andarem na eira a puxar o trilho, à volta do moirão. O jantar (hoje seria almoço) desse dia era melhorado. E a rapaziada da família divertia-se em cima da palha do trigo já dela separado. Depois era o “aventejar” e o ensacar, até à sua utilização no ano seguinte.

Os trabalhos dos campos tinham o seu horário próprio, ao qual não se fugia, antes se cumpria com a devida atenção.

Era assim com o trigo e igualmente com a colheita do milho, embora esta fosse e seja mais trabalhosa e árdua.

Mas, quando tudo terminava e os cereais estavam recolhidos, os lavradores alegravam-se, pois tinham a casa cheia, ou garantido o sustento da família durante o ano.

Tudo tinha o seu tempo próprio. Normalmente regulavam-se pelas luas e não saiam daí. Era o tempo da sementeira do trigo e do milho e as respectivas colheitas, como era igualmente dos inhames ou cocos e das batatas, branca ou inglesa e da batata doce, também de duas qualidades: rocha ,a mais abundante, de 4 meses e a branca, de 6 meses.

O terreno junto da casa de habitação, ou horta, era destinado aos primores hortícolas. Ninguém comprava ou vendia couves ou nabos, alhos ou cebolas, alfaces ou tomates. Se um vizinho não tinha outro lhe dava, enquanto a horta produzisse. Cultivava-se o açaflor que substituía o colorau.

Hoje tudo é diferente. Vão proliferando os super mercados e os hipers, e os campos estão-se a encher de vegetação selvagem., Não levará muito,e os arvoredos passarão a zonas protegidas para obrigar às importações dos países dominadores da economia mundial.

E, se não houver divisas disponíveis, que se aperte o cinco...

Vila das Lajes, 13 de Abril de 2009

Ermelindo Ávila.

(crónica para o programa da RDP-Açores, Manhãs de Sábado)

domingo, 12 de abril de 2009

Um incidente Pascal

NOTAS DO MEU CANTINHO

Haviam passado uma dezena e meia de anos, desde que a cidade optara pelo jacobinismo, um tanto desenfreado e atrevido. Mesmo assim, na Procissão do Senhor dos Passos os antigos jacobinos envergavam os trajes morganáticos e por cima os lustrosos bolandraus roxos para poderem levar o andor e as insígnias alusivas à Paixão do Senhor. Havia quem lhes chamasse os fariseus da “nova Paixão”.
Na Catedral a Quaresma era preparada com grande rigor litúrgico. Durante as Domingas, após a Missa das nove horas (Missa de Tércia?) o Cónego Teologal subia o púlpito volante, colocado um tanto centro da catedral, para fazer a conferência quaresmal. Tinha uma voz quase afónica o que provocava a saída de uma parte da assistência. No entanto ele mantinha-se sempre e falava para as poucas pessoas que rodeavam o púlpito.
A liturgia pascal era celebrada na Sé com o máximo rigor. Principiava no domingo de ramos e continuava a semana toda. Notáveis as Matinas da quinta-feira e sexta-feira santas. O templo enchia-se para escutar a grande e erudita capela dirigida por distinto Maestro.
Tais cerimónias, ricas de significado, eram normalmente presididas pelo Prelado, acompanhado da corte dos Cónegos, embora cada vez mais limitada pois não eram substituídos os que o Senhor chamara a Si. Para certos cargos eram destinados os seminaristas que melhor conheciam a liturgia complicada da Semana Santa.
Na Sexta-feira Santa um dos momentos solenes era o da adoração do Senhor Crucificado. Toda a assistência ia junto do altar beijar o Senhor, a principiar pelo Presidente e acólitos. Bispo e Cónegos iam em meias, envoltos em capa preta, só usada naquele momento.
Em certa ocasião um dos acólitos, ou fâmulo foi chamado para tirar os sapatos ao Bispo, que se encontrava sentado na cadeira episcopal. E o acólito, que já conhecia de perto o Prelado, e sabia que ele era pessoa de fácil trato, rindo por vezes das aventuras do fâmulo, respondeu, já junto do Bispo, que não lhe tirava os sapatos porque tinham “cholé”. O dito provocou o riso do Bispo que parecia não mais se calar. Mas o incidente não ficou por aí. O Jorge, era o seu nome, ao descalçar os sapatos, foi dizendo: “ Numa festa da Páscoa nem sequer temos umas amêndoas para consolar o bico.” Desta feita o Bispo nada respondeu. As cerimónias continuaram sem que os assistentes se apercebessem do que se tinha passado, pois, no tempo, a capela mor ficava no fundo e um tanto escura, não deixando perceber o que por lá ia ocorrendo.
No Domingo de Páscoa o Jorge foi chamado ao superior da casa. Não ficou, naturalmente, satisfeito, pois lembrava-se do que se passara com os sapatos episcopais...
Ao chegar ao gabinete diz-lhe o Superior: “Uns levam a trabalhar um ano inteiro e nada recebem. Outros, porque caíram nas boas graças são presenteados pelo Senhor Bispo”. E entrega-lhe um pacote com alguns quilos de amêndoas. O nosso Jorge não o manifestou perante o ríspido superior, mas ficou radiante e, nesse ano não faltaram amêndoas para festejar a Páscoa com os colegas; Páscoa que nunca mais foi esquecida!
E neste recordar, algo saudoso, de um acontecimento verídico, deixo aqui a todos os leitores, os meus votos de
Boa e Santa Páscoa.

Abril de 2009
Ermelindo Ávila

terça-feira, 7 de abril de 2009

Bela-mente


Depois de um curto interregno, cá estamos de novo, nestas “Manhãs de Sábado”, a assinalar o final da Quaresma. Entramos na Semana Santa ou semana dos nove dias como por cá se dizia antigamente.
Na minha juventude já muito distante, era a Quaresma, mas principalmente a Semana Santa um tempo de silêncio e de recolhimento. Mas hoje tudo isso passou e os domingos e dias semanais são sempre iguais aos do ano que decorre. A lembrar a Quaresma, a Procissão do Senhor dos Passos em alguma Paróquia. E pouco mais.
A Semana Santa decorre quase sem que a maioria das populações por ela de ou se lembre, a não ser a compra dos folares, amêndoas e outros doces para o dia de Páscoa, porque sempre é um dia lembrado.
Como tudo vai ficando diferente.
Para distinguir as Domingas quaresmais, havia um slogan – não me foi possível saber a origem – que dizia: Ana, Bagana, Rabeca, Susana, Lázaro, Ramos, na Páscoa estamos. E assim era classificada cada um dos domingos que antecediam a Páscoa.
Depois, apareceu o “Bela-mente”. Um jogo simples e que interessava quase toda a gente. No principio da Quaresma escolhia-se um parceiro e combinava-se o prémio em jogo: uma certa quantidade de amêndoas, não muitas... E aquele que primeiro desse o “Bela-mente” em cada dia, e por uma só vez, contava um ponto. Quem mais pontos tivesse no sábado de aleluia, era o vencedor e recebia as amêndoas combinadas. Tão simples como isso.
Por vezes não deixavam de ser hilariantes as situações que cada parceiro tomava para conseguir ser o primeiro a dar o sinal combinado do jogo.
Pelo que vejo à minha volta, já nem esse jogo se pratica.
Mudam-se os hábitos e costumes e tais atitudes têm reflexos até nas próprias festividades.
Sábado de Aleluia era um dia especial para a rapaziada.
Aqueles jovens que não iam às cerimónias do dia ficavam por casa preparando o pião e a fieira, para iniciarem o jogo do pião logo que os sinos da Igreja Paroquial anunciassem, em repique festivo, a Ressurreição do Senhor. Mas também esse jogo já não é possível nas ruas do burgo, porque foram
transformadas em calçada de piso difícil.
Tudo vai passando e amanhã pior será com a anunciada partilha da diocese, uma medida que, a concretizar-se vai abalar as estruturas eclesiásticas destas ilhas Mas isso não é assunto para esta crónica.
E por aqui fico com estas notas muito simples deixando a todos os organizadores do Programa, seus colaboradores e radiouvintes, sinceros e cordiais cumprimentos de Boas Festas Pascais.

Sábado de Ramos,
4 de Abril de 2009
MANHÃS DE SÁBADO (RDP-Açores)

Ermelindo Ávila

sábado, 4 de abril de 2009

MEU CANTINHO

NOTAS DO MEU CANTINHO

Era o título de uma secção que o Fundador e antigo Director deste Semanário utilizava semanalmente, quando tratava de assunto algo especial.
Não foi para plagiar o título que o adoptei recentemente nestas minhas crónicas mas para recordar Alguém a quem devo um montão de deferências e amizade sem limites.
Foi O DEVER a minha escola jornalística, como a de tantos outros que, depois, foram excelentes jornalistas, escritores e poetas, porque a todos o seu Director acolhia com simpatia e disponibilidade.
Lembro-me do meu primeiro escrito. Uma pequena notícia da Festa de São Tomás de Aquino, que, ao tempo, constituía o maior acontecimento cultural de Angra, naqueles recuados anos trinta. Enviei-a ao Pe. Xavier Madruga com algum receio. Respondeu-me na mala a seguir, indicando-me algumas deficiências que tinha corrigido e informando-me que o artigo seguia para S. Jorge, (o Padre Madruga já estava a paroquiar na Candelária do Pico), para ser publicado. E assim aconteceu. (Guardo o jornal com muito cuidado). Estávamos em 1932. Já se passaram quase setenta e sete (77) anos! Mas o imprevisto aconteceu. Quando o jornal chegou a Angra e um dos professores, que era referido na crónica, veio junto de mim agradecer as referências elogiosas que, no escrito, fazia à sua Pessoa. Fiquei seriamente confundido e se houvesse ali, onde me encontrava, um buraco, com certeza me tinha afundado nele... Depois foi um continuar sem mais parar. E ainda hoje, bem ou mal, aqui estou.
O Jornal, que foi considerado o melhor Semanário Português da década de quarenta, por personalidade distinta do jornalismo, tinha secções várias, quase todas elas da autoria e responsabilidade do Director. O “artigo de fundo” ocupava normalmente as colunas centrais da primeiras página. As “Crónicas da Guerra” de tendência notória dos Aliados – o Director não suportava o nazismo - causavam furor a Hitler, que chagava a enviar-lhe mensagens diabólicas através da Emissora alemã. Embora a censura portuguesa proibisse a audição daquela emissora, havia quem escutasse o programa em língua portuguesa e dele desse conhecimento ao Pe. Madruga que dava gargalhadas a bandeiras despregadas.
Nos contactos que havia tido na sua viagem pela Europa, a quando do Congresso Eucarístico de Budapeste, havia tomado conhecimento do estado de verdadeira ebulição bélica em que já se encontrava a Europa e isso deu-lhe um conhecimento bastante real da situação e das tendências do Sucessor de Edimburgo, permitindo-lhe que aqui, à distancia, fosse analisando com grande profundidade o desenrolar da nefasta II Grande Guerra Mundial. A colecção de “O Dever” aí está para o confirmar.
Quando na Calheta de São Jorge, o Jornal inseria quinzenalmente uma crónica - “Correio das Ilhas” – que mais não era senão um verdadeiro suplemento dedicado às Lajes do Pico, onde eram dadas as notícias e os acontecimentos aqui ocorridos, principalmente depois do encerramento do antigo jornal “As Lages”, em 1920.
Se porque transferiu “O Dever” os respectivos serviços – Redacção, Administração e Oficinas” – para esta Vila? O P. Xavier Madruga havia sido colocado na freguesia da Candelária, desta ilha. O jornal ficara em S. Jorge, à conta do Administrador, Pe. José Joaquim de Matos. No entanto, por sistemática perseguição do censor, na Calheta, o Pe. Madruga conseguira que o jornal ficasse sujeito ao Censor da Horta, um distrito diferente, o que não deixava de levantar certas dificuldades.
Entretanto faleceu o Padre Matos e assumiu a administração do jornal o colaborador e distinto jornalista, Samuel da Silveira Amorim. Mas era uma situação precária e foi assim que o Pe. Xavier Madruga, como director e proprietário do jornal, pediu a sua transferência para as Lajes, onde já então residia na situação de “Manente”. E “O Dever” para cá foi transferido, com a respectiva Tipografia – embora ficasse na Calheta a parte tipográfica destinada à secção de trabalhos, a cargo de um Senhor, cunhado do Padre J. J. Matos, que já a explorava desde anos passados.
“O Dever” apareceu pela primeira vez, na vila das Lajes, em 3 de Setembro de 1938. Era o número 983 do ano de XXII. O Jornal havia sido fundado em 2 de Junho de 1917. Vai atingir em Junho 92 anos. (A “Crença”, de Vila Franca do Campo é o Semanário mais antigo, pois foi fundado em Dezembro de 1915. Nenhum outro jornal –não contando com o “Açoriano Oriental”, “Diário dos Açores,” e “A União” atingiram tão provecta idade. “Telegrafo”, da Horta, também chegou aos 100 anos mas desapareceu pouco depois...)
Disso podem e devem orgulhar-se os picoenses. Nele está feita a história da Ilha e particularmente desta vila e seu concelho, nos últimos setenta anos. E não refiro as lutas travadas e a defesa intransigente dos diversos problemas picoenses.
Este recordar não é mais do que uma homenagem sincera ao Homem que, fechado nos últimos anos, no seu pequeno quarto de trabalho lutou e defendeu a Igreja e a Pátria que sempre serviu, o Padre João Vieira XAVIER MADRUGA.
Vila das Lajes,
29 de Março de 2009
Ermelindo Ávila

História da Baleação na Ilha do Pico

• INTRODUÇÃO
• Há vinte anos, Novembro de 1987, o oficial baleeiro Manuel Macedo Portugal de Brum, calava a última baleia, no porto das Lajes do Pico.
• Era o terminar, imposto pelos acordos internacionais celebrados entre as diversas nações europeias e aos quais Portugal quis ser fiel cumpridor, de uma actividade marítima e industrial que, durante um século, muito havia contribuído para o equilíbrio económico de tantas famílias lajenses.
• Os lajenses e a grande maioria dos picoenses perdiam uma das maiores fontes de receita e, consequentemente, entre eles se estabelecia uma crise angustiosa, que não mais seria recuperada.
• O porto das Lajes deixou de ter uma actividade influente na economia local e na própria sociedade.
• Viveram-se anos de angústia, a emigração intensificou-se e foi o refúgio para muitos jovens lajenses. A vila ficou quase deserta. Uma lástima como diz o povo na sua linguagem popular mas cheia de conceitos filosóficos.
• E, pior ainda: não mais a população lajense conseguiu criar outra actividade que fosse uma substituta positiva da caça da Baleia. Infelizmente!
• E até a nova e moderna actividade da “vigia de baleias e golfinhos” não tem ainda os desejados reflexos na economia local, pois está restrita a meia dúzia de empresários que a explora sem necessidade de utilizar muitos marinheiros.

• A CAÇA À BALEIA
• A caça à baleia não nasceu nos Açores. Chegou a estas ilhas por intermédio das baleeiras americanas (embora com bandeira inglesa) que nos séculos XVIII e XIX navegavam ao largo dos Açores em busca do cachalote. Segundo o picoense Dr. José Serpa, no seu opúsculo “A indústria piscatória nas ilhas Fayal e Pico”, publicado em 1768, “(…) Em 1767 andavam nestes mares 70 navios e agora este ano (1768) já cruzam em frente das ilhas, 200 embarcações pequenas d’um mastro só e tiraram muito azeite e algum âmbar.” (Ávila, 1988a).
• New Bedford, no Estado de Massachussets nos Estados Unidos, foi o berço principal desta actividade, armando numerosas escunas que se dedicavam à caça ao cachalote.
• Por volta de 1850, João Paulino Laureano Narciso da Silveira construiu na vila das Lajes as primeiras casas de recolha de canoas e equipamento das pescas. Terá então armado um brigue e iniciou a actividade, mas não teve sucesso na empresa. A falência provocou-lhe a morte prematura, em 1866 (Ávila, 1988b).
• Notícias há de que em 1861, no porto da Horta existiriam 10 embarcações de 3 mastros, mas o negócio não parece ter dado grandes resultados, uma vez que cedo se extinguiu (Ávila, 1988b). Era precisamente neste porto da Horta que as baleeiras americanas faziam “aguada”, descansavam as tripulações e recrutavam tripulantes entre a população local e da ilha do Pico, situada mesmo em frente. Foi nestas baleeiras americanas que a “salto” para fugirem à tropa e também na mira de melhores condições de vida, embarcaram os primeiros picoenses. Alguns destes emigrantes regressaram à terra natal anos mais tarde, aqui tendo introduzido a arte da caça à baleia.
• Um dos principais responsáveis por tal, foi o Capitão Anselmo da Silveira, natural da Calheta de Nesquim, o qual embarcou para a baleia numa escuna americana cerca de 1851 e chegou inclusive a ser piloto de baleeira, tendo baleado em quase todos os mares do mundo (Atlântico, Índico, Pacífico, Árctico e Antárctico).
• Em 28 de Abril de 1876 foi assinado entre George Oliver e Samuel Dabney, por um lado (ambos cidadãos americanos residentes no Faial, onde o último era cônsul americano na cidade da Horta) e o Capitão Anselmo da Silveira, por outro, um contrato em que se constituía uma empresa baleeira com sede na freguesia da Calheta de Nesquim, no concelho das Lajes do Pico. Neste contrato, os sócios americanos comprometiam-se a fornecer uma canoa devidamente apetrechada para a caça à baleia (linhas, velas e restante palamenta), assumindo o sócio Anselmo da Silveira o comando da canoa, comprometendo-se ainda “a provê-la de um trancador e tripulantes devidamente habilitados e a não desprezar qualquer ocasião oportuna que se oferecer para apanhar baleias” (segundo o contrato original). Devia ainda o Capitão Anselmo fornecer uma embarcação de pesca local, devidamente tripulada, para ajudar na faina. Ficou ainda estabelecido que, deduzidas as despesas, o produto da safra seria repartido em duas metades, uma para os armadores e os restantes 50% para as “companhas”, divididos em 43 quinhões: 18 para o oficial, 6 para o trancador, 3 para cada um dos remadores e 7 para o barco de apoio (o contrato encontra-se arquivado no “Museu dos Baleeiros”, nas Lajes do Pico) (Melo, 1983).

• Existem no entanto indícios que terá sido na freguesia de São João, no concelho das Lajes do Pico, que se terá instalado a primeira armação baleeira, com sede em terra. Segundo artigo publicado em “O Dever”, de 19-11-1982, dedicado à memória do professor João Maciel, por Manuel Alexandre Madruga, na freguesia de São João existiram duas companhias baleeiras fundadas em 1875, a de Raimundo Lemos e F. Matias, e a dos Maciéis (irmãos Francisco, João e Manuel Maciel), equipadas com instalações para a arrecadação das canoas e respectiva palamenta, bem como os apetrechos necessários ao derretimento das baleias (fornalhas e caldeiras). Em 28 de Agosto de 1893, um violento ciclone destruiu as instalações, terminando com a actividade baleeira nesta freguesia. Assim, a empresa baleeira do Capitão Anselmo não foi a primeira companhia a estabelecer-se no Pico, mas terá sido a primeira a formar-se com estatutos bem definidos.

• As primeiras canoas baleeiras, com os respectivos apetrechos e os caldeiros de extracção do óleo, foram inicialmente importadas dos Estados Unidos. Francisco José Machado, o “Experiente”, construiu nas Lajes do Pico a primeira canoa baleeira, registada com o nome de “São José”. Mestre Machado Oliveira, construiu no seu estaleiro da Aguada, nas Ribeiras, a primeira lancha a motor existente no concelho – a ”Maria” – tendo-se também dedicado por largos anos à construção de canoas baleeiras, bem como Mestre António dos Santos Fonseca que, nas Lajes do Pico, construiu a sua primeira canoa – a “Leader” – em 1929. O primeiro trabalho de fôlego deste mestre foi a lancha a motor “Margarida”.

• As canoas construídas nestes pequenos estaleiros, eram sensivelmente maiores e mais elegantes que a típica canoa baleeira americana. Segundo Mestre Manuel Alves Machado, “os primeiros botes que vieram “d’América”, mediam cerca de 23 q 24 pés (entre os 7,0 e os 7,3 metros) de comprimento. A largura do bote americano é sensivelmente igual à do nosso bote, mas como o seu comprimento é menor, dá a ilusão de ser mais larga (Ávila, 1977). As canoas picoenses actuais variam entre os 10 e os 12 metros de comprimento, têm 1,9 metros de “boca” (largura) e 0,7 metros de “pontal” (altura máxima da embarcação, da quilha até à borda).

• Em 1897, estavam já registadas na Delegação Marítima do Pico, situada em São Roque, 27 canoas baleeiras, 16 das quais sedeadas nas Lajes do Pico e pertenciam a treze companhias ou sociedades, constituídas na sua maioria pelos próprios baleeiros. Em 1904, as sociedades irregulares existentes foram transformadas em sociedades civis, sendo os respectivos capitais sociais representados pelos imóveis (as “casas dos botes”), canoas e respectiva palamenta, bem como outros apetrechos que já possuíam. Todavia, em 1918, essas velhas “companhias” foram transformadas em sociedades por quotas, nos termos da “Lei das Sociedades por Quotas” de 11 de Abril de 1901, tendo então ficado legalizadas seis armações no porto das Lajes do Pico: União Lajense, Lda., Felicidade Lajense, Lda., Nova Sociedade Lajense, Lda., Estrela Lajense, Lda., Venturosa Lajense, Lda., e Lealdade Lajense, Lda. Em 26 de Janeiro de 1951 foi constituída a sociedade por quotas Joaquim José Machado, Lda., com sede nas Lajes do Pico, que já existia sob forma irregular, em nome de Joaquim José Machado e que sempre exerceu a actividade da caça à baleia.
• No porto das Ribeiras foram legalizadas as seguintes armações: Sociedade Nova Ribeirense, Lda., Sociedade União Ribeirense, Lda., e Sociedade Baleeira das Ribeiras.
• Quanto às armações do Cais do Pico, em São Roque, depois de diversas transformações, uniram-se numa única sociedade, por escritura de 29 de Agosto de 1942, sob a designação de Armações Baleeiras Reunidas, Lda., em que estavam englobadas as antigas armações Companhia Velha Baleeira, Lda., Armação Baleeira Livramento, Lda., e Armação Baleeira Atlântida, pertencendo esta unicamente a José Cristiano de Sousa.
• O primeiro regulamento da pesca de cetáceos foi aprovado por decreto de 15 de Janeiro de 1904, sendo alterado mais tarde pela lei nº 1562, de 10 de Março de 1924, a que se seguiu o respectivo regulamento que determinou a reorganização das sociedades existentes. Assim, em 1929, por imposição do regulamento provisório aprovado pelo decreto nº 11011 que regulamentou a lei nº 1562, as antigas armações foram reorganizadas por escrituras públicas lavradas nos cartórios da Madalena e de São Roque. Por exigências do novo regulamento da pesca da baleia, aprovado pelo decreto nº 39657, foram estabelecidas em 1955 as controversas “zonas de baleação”, em que se procedeu à divisão do mar em “zonas”, as quais foram atribuídas às armações baleeiras de cada porto, tornando impeditiva a deslocação das canoas para fora da zona respectiva. O problema levantado dos baleeiros consistia (entre muitos outros), no que se deveria fazer quando uma baleia que tivesses sido arpoada em determinada “zona”, fugisse para outra…
• A tal desenvolvimento chegou a indústria baleeira na ilha do Pico e na vila das Lajes do Pico, em particular, que nela se contavam 21 botes em actividade no início deste século (Melo, 1983) e, em 1935, nela se empregavam 231 homens, distribuídos por 27 canoas e 9 lanchas motorizadas: 117 baleeiros em 13 canoas e 5 lanchas na vila das Lajes, 74 homens em 9 canoas e 2 lanchas nas Ribeiras, e 40 marinheiros em 5 canoas e 2 lanchas na Calheta de Nesquim. Fora destes números, estão os “vigias” e outros baleeiros que nem sempre tinham lugar nas canoas. Era uma marinhagem efectiva de cerca de 250 homens numa população que não ultrapassava os 8000 indivíduos! Nesse mesmo ano, as armações das Lajes caçaram 99 baleias no valor aproximado de 5000 euros (Ávila, 1987).
• O período florescente da caça da baleia foi a década de quarenta do século passado. A segunda Guerra Mundial utilizava o óleo de baleia, ou cachalote, para substituto do petróleo, difícil de obter nessa época, e oferecia preços elevados pelo quilograma de óleo. A Europa era a grande consumidora. No ano de 1941 o valor bruto do óleo obtido dos cachalotes caçados foi de 2.360€, no porto das Lajes. Já no ano de 1946 o rendimento subiu para 8.460€, proveniente do óleo extraído de 82 cachalotes apanhados pelas armações do porto das Lajes, do que resultou uma soldada ou quinhão a cada marinheiro de 560€. E, decorridos sessenta anos, quanto não valeria a mesma soldada? De referir ainda que o correspondente imposto arrecadado pela Câmara Municipal foi de 750€ e que o orçamento camarário não atingiu nesse ano os 1.500€!... (Ávila, 1988).
• Todo esse óleo era extraído em caldeiros a fogo directo – os “traióis”, na gíria baleeira – que existiam numa plataforma construída à entrada do porto da vila das Lajes – o “Caneiro” – pois a fábrica das Lajes, a S.I.B.I.L., só em 1947 recebeu autorização para laborar. Já em 1935 tinha havido uma tentativa das armações baleeiras para a instalação de uma fábrica no porto das Lajes, mas o alvará foi concedido a uma armação que então existia na cidade da Horta, tendo a fábrica sido construída em Porto Pim. Por razões familiares, uma vez que os proprietários da fábrica eram irmãos e parentes de alguns dos gerentes das chamadas “Companhias da Ribeira do Meio” – Lealdade Lajense, Venturosa Lajense, Estrela Lajense e Joaquim José Machado – estas armações associaram-se à armação da Horta para a instalação da fábrica em Porto Pim.
• Em 1956, o valor do óleo exportado pelo porto das Lajes atingiu os 6000 euros, produto de 251 toneladas de óleo industrializado pela fábrica da S.I.B.I.L. que nesse ano iniciou a laboração. Em 1969 foram arpoados no Pico 162, de um total de 263 cachalotes caçados no Arquipélago, num valor superior a 38.500€ e, no ano seguinte, as armações do Sul do Pico apanharam 82 cachalotes, os quais produziram 213.084 kg de óleo, que a 6$60/kg (o equivalente a cerca de 0,033€/kg) atingiu um valor na ordem dos 7.000€.
• A emigração provocada pelo Vulcão dos Capelinhos, a par da dificuldade da venda do óleo nos mercados internacionais a preços rentáveis, em virtude não só da descoberta de produtos sintéticos alternativos, como também da pressão de movimentos ecologistas (Fundação Cousteau, Greenpeace, I.F.A.W – International Fund for Animal Welfare), e ainda do lançamento da pesca do atum e indústria de conservas com resultados promissores, constituíram no seu conjunto um rude golpe para a actividade baleeira, que, em especial na década de 1980, entrou em acentuado declínio. Em artigo publicado em “O Dever” a 17 de Setembro de 1982, Ermelindo Ávila refere que “(…) em virtude das dificuldades em vender o óleo de baleia, na fábrica do Cais do Pico se encontram armazenadas 1.000 toneladas de óleo, com um valor aproximado de 250.000€.”
• Em 1986, a Comissão Baleeira Internacional decidiu estabelecer uma moratória por cinco anos, período durante o qual esteve proibida toda a caça à baleia (excepto para os esquimós do Alasca, para os habitantes da ilha de Vancouver no Canadá e ainda para os naturais da ilha de Java, os quais gozaram de um estatuto especial). No entanto, esta moratória não foi de imediato seguida por todos os países, nomeadamente pelo Japão, Noruega e ex-U.R.S.S, os quais só em 1998 assinaram este acordo.



A cultura baleeira
A actividade baleeira dominou o quotidiano da vila das Lajes do Pico durante praticamente todo o Século 20. Os baleeiros eram simultaneamente os sapateiros, os ferreiros, os serralheiros, os carpinteiros, os agricultores, os próprios pescadores, os construtores navais e até os funcionários do Estado. Quando o “vigia” do alto do monte da “Terra da Forca” dava o sinal com o búzio (mais tarde com um foguete – a “bomba”), colocava a bandeira preta (baleia à vista), branca (botes fora, de outros portos) ou preta e branca (baleia à vista e botes fora), fazia fumos com lenhas verdes e estendia o pano branco a indicar a direcção por onde seguiam os cachalotes (todo este último processo é anterior à introdução do rádio para as comunicações entre a lancha e a vigia), toda a gente abandonava os seus trabalhos e corria para as “Casas dos Botes”, onde ajudavam a arriar os botes para os quais saltavam os baleeiros. No “Caneiro”, as mulheres passavam para o interior das canoas os cestos e sacos com comida para os maridos ou parentes.
A vila toda se movimentava. Mesmo aqueles que não arriavam, corriam para o porto para ver sair os botes e as lanchas. Chegava-se inclusive a fazer apostas sobre quem sairia primeiro, quem apanharia mais baleias…
Mesmo que houvesse festa, tudo se deixava para arriar à baleia, quando o “vigia” – o homem que estava no seu posto logo que rompia a manhã, de binóculo assestado para o horizonte, sendo de supor que, num raio de 30 milhas nada lhe escapasse – desse o sinal. Conta Raul Brandão em “As Ilhas Desconhecidas” que “nas Lajes, (…) saía o enterro de um baleeiro morto no mar quando do Alto da Forca anunciaram o bicho. (…) e logo a marcha compassada parou e mudaram instantaneamente de atitude: ficou só o padre com o latim engasgado e o caixão no meio da rua, e os outros (…) levaram o sacristão de abalada, até à praia.Baleia!... Baleia!...” Afinal, o morto podia esperar, mas baleias não!
Não havia domingo ou feriado, com duas únicas excepções: o domingo do Espírito Santo e o da Festa de Nossa Senhora de Lourdes, a padroeira dos baleeiros lajenses.
A economia doméstica girava toda à volta da “soldada” ou quinhão que o baleeiro recebia no final do ano. O merceeiro fornecia os géneros durante todo o ano para receber o seu crédito somente quando se faziam as “contas da baleia”. O mesmo acontecia com o sapateiro, com o estabelecimento de fazendas, com o ferreiro, etc.
Os miúdos brincavam “às baleias”, fazendo um arremedo de bote com canas. Levavam tardes e tardes na perseguição de outros – os “cardumes” – percorrendo em animadas correrias as ruas e canadas da vila.
Quando não aparecia baleia, ficavam os baleeiros junto das “Casas dos Botes”, os da vila (“Companhias de Baixo”) nas banquetas dos armazéns ou na entrada do muro do “Caneiro”, os da Ribeira do Meio (“Companhias de Cima”) nos “balcões da Emília”, que davam acesso aos respectivos armazéns. Discutiam as contas das gerências, que roubavam sempre os baleeiros em soldadas “mortas”, recordavam com os mais minuciosos pormenores diversas arreadas, baleias trancadas em condições arriscadas, ventos, dias tempestuosos, um não acabar de histórias (Ávila, n.publ.).

A ÚLTIMA BALEIA
Em Agosto de 1987, foi arpoado nas Lajes o terceiro (e possivelmente o último) cachalote nos mares dos Açores, um macho de 16 metros. A controvérsia gerada pela captura destes 3 cachalotes e a publicidade daí decorrente, foi a solução encontrada pelos baleeiros lajenses para combaterem o esquecimento a que tinham sido remetidos desde 1983. Com efeito, desde esse ano que as armações baleeiras das Lajes vinham reclamando do Governo Regional uma solução para a caça à baleia, parada desde essa altura por ocasião do encerramento da fábrica da baleia da S.I.B.I.L. nas Lajes, consequência dos entraves levantados pela comunidade internacional, restringindo a venda do óleo bem como a exportação de objectos de artesanato em dente e osso de baleia. Cansados de esperar, a 22 de Agosto de 1987 (dois dias antes de se iniciarem os festejos da “Semana dos Baleeiros”) a “bomba” tornou-se a ouvir w os baleeiros lajenses fizeram-se ao mar, tendo arpoado nesse dia o primeiro cachalote desde 1983, numa iniciativa que foi desde o início apoiada pela Câmara Municipal das Lajes. Desde logo, o coro de protesto foi enorme: “Amigos da Terra”, “Greenpeace”, “Os Verdes”, “I.F.A.W.”, e muitas outras organizações.
Por intermédio do seu porta-voz, Prof. Moniz Bettencourt, os baleeiros afirmaram em reunião efectuada nas Lajes com o então deputado europeu Professor Doutor Vasco Garcia, “(…) fizemos isto porque desde 1983 até hoje, ninguém se preocupou com o facto de haver muita gente prejudicada. (…) Se quiserem acabar com a caça à baleia nas Lajes do Pico sem nos darem justa contrapartida, só o conseguirão por cima dos nossos cadáveres.” (Açoriano Oriental, 5 de Setembro de 1987).
Parece que não foi necessário chegar a medidas tão drásticas. A caça à baleia parou, não por não ser uma actividade rentável (só os dentes, a preços actuais, rondariam facilmente os cerca de 12.500€ e os ossos cerca de 7.500€), ou por haver dificuldades na colocação do óleo, espermacete e âmbar nos mercados internacionais, mas por uma razão bem mais prosaica e natural: a dureza e o esforço da caça, bem como o seu elevado risco, afastaram os mais jovens, e os baleeiros, velhos e poucos, não tiveram quem assegurasse o continuar desta arte secular.
Assim, e neste caso particular, não foram os cachalotes, mas sim os baleeiros que se extinguiram! Deixo para trás outras considerações e fico-me pela realidade actual.

O MUSEU DOS BALEEIROS E O FUTURO
• Em 16 de Fevereiro de 1969, em artigo publicado na Imprensa açoriana, escrevia: “E quando a actividade fosse apenas histórica notícia, dísticos descritivos serviriam para elucidar os visitantes, das designações e utilidades dos diversos apetrechos e palamenta, porque então o MUSEU BALEEIRO seria, realmente uma atracção turística. Não valeria a pena pensar-se a sério no Museu, antes que tantos valores artesanais se percam ou vão enriquecer os museus doutras Terras?” E acrescentava, a terminar: “Salvemos enquanto é tempo, o nosso património histórico”.
• Felizmente, desta feita, não me enganei. O Museu aí está. Dizem que é o Museu mais visitado de Portugal.
• Como, igualmente, acertei num escrito que, conjuntamente com o meu neto, Doutor Sérgio Ávila, foi publicado na revista “Insulana” em 1995, do qual transcrevo o último parágrafo:
• “Conjugando a existência do “Museu dos Baleeiros” com a projectada recuperação da fábrica da baleia nas Lajes e com a já tradicional “Semana dos Baleeiros”, pensamos que é possível efectuar nas Lajes a reconversão da extinta actividade baleeira num programa coerente de observação de cetáceos, a efectuar em pequenos semi-rígidos. A observação de cachalotes, golfinhos e outros cetáceos (…) no seu meio natural, poderia ser complementada em terra com visitas guiadas ao Museu e à Fábrica da Baleia, constituindo um aproveitamento ecológico de um recurso natural que nos passa diariamente à porta, podendo ser ainda um pólo relevante para o desenvolvimento turístico da ilha do Pico.”
• O Museu está em pleno funcionamento. A Fábrica da baleia, S.I.B.I.L., está recuperada e nela, segundo projecto do Município, deverá ser instalado o “Centro de Artes e de Ciências do Mar”.
• Esperamos que o futuro seja melhor que o presente.



• Lajes do Pico 24-03-2007

• Ermelindo Ávila

A minha nota - Dois esquecidos

Nas buscas que tenho por hábito (ou vício...) fazer sobre vultos e factos históricos desta Ilha, embora esse trabalho nada represente no panorama literário dos Açores, deparei-me com duas personalidades picoenses, falecidas na primeira metade do século passado e que foram vultos notáveis das ciências e das letras.
Vale a pena trazê-los a estas insípidas Notas .
1) António da Costa Torres, nasceu em S. Roque do Pico a 17 de Maio de 1896. Fez o curso do Liceu, na Horta e, no Liceu Passos Manuel em Lisboa. Depois foi professor das Escolas Móveis. Licenciou-se em Farmácia na Universidade de Coimbra e em 1922 ingressou no Quadro Farmacêutico Permanente do Exército. Foi promovido a Tenente Coronel dois meses antes de falecer, em 31 de Maio de 1954.
Como jornalista colaborou em diversos jornais e publicou as seguintes obras: História da Deontologia e Legislação Farmacêutica em Portugal, Questões Farmacêuticas, Breve notícia de Tomé Pires, Tomé Pires da intimidade, A Farmácia dos Lusíadas , Camilo Castelo Branco e as Boticas de Eusébio Macário e Traços a Giz. Tomou parte em diversos Congressos, era sócio de diversas colectividades e foi sócio-fundador da Sociedade de Língua Portuguesa.

2) Raul da Costa Torres, irmão do anterior, nasceu igualmente em S. Roque do Pico a 1 de Novembro de 1885.
Depois de fazer o curso secundário em Ponta Delgada e, depois de fazer o curso de preparatórios na Escola Politécnica, ingressou na Escola do Exército onde fez o curso de infantaria, sendo promovido a alferes em 1910. Em 1921 licenciou-se em Filosofia e História na Universidade de Lisboa e em 1923 fez o curso da Escola Normal Superior passando a exercer o magistério secundário. Foi professor da Escola Normal Superior da Universidade de Lisboa e, em 1930 foi nomeado vogal do Conselho Superior da Instrução Pública e da Comissão de Modificação dos Programas.
Em 1923 publicou: Localização do Ensino Secundário numa Reforma Geral do Ensino. Em 1933, Filosofia da Religião. Problema Epistomológico; em 1943, A Arquitectura dos Descobrimentos e o Renascimento Ibérico; em 1953, Tratado de Lógica; e, no ano de 1954, um ano antes do seu falecimento, Notas e Comentários sobre Lógica.
Dois picoenses de distinta craveira intelectual que, em terras estranhas, souberam enaltecer e prestigiar, pelo seu valor cultural esta Ilha onde nasceram e fizeram a sua infância e adolescência.
Gratamente aqui os recordo, pois fazem parte da plêiade notável dos Filhos da Ilha do Pico.
(Para a organização deste pequeno trabalho, servi-me, com a devida vénia, da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, edição de 1947.)

Vila das Lajes,
14 de Março de 2009-
Ermelindo Avila

Faleceu o João Azevedo


Não posso deixar de o recordar nestas notas. Sinto que é um dever quase fraterno. Fazíamos anos no mesmo dia e éramos do mesmo ano... Ele porém, com o seu sorriso um tanto trocista, dizia-me sempre que era mais velho do que eu uma hora! Que assim fosse. Talvez por isso partiu mais cedo .
O João era inteligente e tinha uma cultura razoável, embora poucos dele fizessem caso. Era muito interessado pela sua freguesia. Mas, neste particular, a freguesia era Santa Bárbara...
Estudamos na mesma instituição embora fosse eu um ano mais adiantado. Fez propedêutica e o primeiro ano de filosofia o qual teve de abandonar, por lhe haver aparecido uns sintomas de doença grave, da qual veio a curar-se mais tarde.
Com falecimento da Mãe e, depois do Pai, valia-lhe uma tia, que o acarinhava como filho. E foi aí que veio a terminar seus dias, entregue aos cuidados de casal amigo.
Andou pelas Lajes num escritório particular e, depois, estabeleceu-se em Santa Bárbara com um estabelecimento comercial, onde não faltava um pequeno compartimento onde se reuniam os seus amigos, todas as tardes e serões para um jogo de cartas. E, apesar de ter encerrado o estabelecimento há anos, aquele espaço conservou-se aberto e iluminado até há bem poucos meses, segundo me informaram.
Como disse, o João Azevedo foi um interessado pela sua terra. Fez parte da Junta de Freguesia das Ribeiras, que tinha e tem a sua sede em Santa Bárbara, a parte mais antiga da freguesia.
Em certa ocasião correu a notícia de que a sede da freguesia seria transferida para Santa Cruz. O João e os companheiros da Junta de Freguesia, - mestre António da Silva Azevedo, presidente, Manuel Joaquim da Costa e Silveira, secretário e o João Azevedo, tesoureiro – ficaram aflitos e sem saberem o que fazer. Vieram até à vila e aqui encontraram a solução: construir. no adro da igreja, uma sede para a Junta, aproveitando uma pequena casa que, creio, era antiga copeira do Espírito Santo, que estava abandonada.
João era amigo do Presidente da Junta Geral da época e conseguiu um subsídio para as obras. A casa ergueu-se e nela foi instalada a Junta. Estava afastado o fantasma da mudança de sede.
Mas a Junta mais fez: Construiu uma pequena capela no Cemitério Paroquial e uma capela para o Divino Espírito Santo, mesmo em frente da sede da Junta. E ela ainda lá está. Nunca se falou no João Azevedo, mas ele andava sempre por detrás do activo Presidente, o Mestre António do Arrife, como era conhecido.
João Azevedo esteve também na fundação da Filarmónica de Santa Bárbara, embora fosse o tio materno, o comendador António Porto, quem financiasse a aquisição do instrumental. Com o desentendimento entre a Sociedade que havia sido constituída com o nome de Ferreira Porto e o próprio comendador, João, colocando-se naturalmente ao lado do tio, sofreu com o incidente, que muito o penalizou. E julgo que nunca mais se interessou pelas iniciativas locais.
O João Azevedo era um solitário. Depois do falecimento dos tios, que o amparavam, foi-se isolando e deixou de ser aquele homem calmo e dedicado que sempre fora, pelas coisas da freguesia.
Sofreu com o falecimento do irmão, Engenheiro Técnico Agrário que, depois do curso, ficou pelo continente como técnico da Federação dos Vinhos, salvo erro, vivendo na mesma pensão onde se hospedou no primeiro dia que ali chegou e onde veio a falecer solteiro, há dois ou três anos. O João visitou-o nos últimos tempos, mas sofreu quando lhe deram conhecimento do falecimento.
Há meses recolheu-se a casa. Nunca mais nos encontrámos. Senti o seu falecimento como amigo velho, desde os recuados tempos da adolescência, há cerca de oitenta anos.
Devia-lhe estas duas palavras de amizade e sentimento.
Que o Senhor o haja recebido em Sua Glória !

Vila das Lajes,
15 de Março de 2009
Ermelindo Ávila