sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

O ano litúrgico

Notas do meu cantinho


A igreja católica organiza os anos litúrgicos de harmonia com os anos civis. E essa norma só traz vantagens, pois evita o atropelamento das diversas actividades. Talvez melhor se diga: Os Serviços Públicos têm necessidade de organizar os seus horários em conformidade com os da Igreja Católica, principalmente numa nação que, embora oficialmente laica, tem de respeitar, para corresponder à maioria dos seus povos, os tempos especiais do ano civil. Se assim não fosse, mal iria a Nação.
O calendário litúrgico divide o ano em tempos diversos. A principiar no mês de Janeiro, celebrada a Epifania, após o Natal, no corrente ano, logo no dia 2 de Fevereiro, dá-se início à época carnavalesca, com a quinta-feira de Amigos. Na semana seguinte são celebradas as Amigas e, depois, os Compadres e as Comadres, e chega logo o domingo do Carnaval. É um tempo de balbúrdia que antecede a Quaresma.
Antigamente o Carnaval era celebrado com festanças várias: máscaras e danças carnavalescas. Durante as quatro semanas do Entrudo as pessoas reuniam-se nas casas mais amplas de famílias, vizinhos ou amigos, para verem “passar” durante o serão os mascarados, que mais não eram do que indivíduos imitando pessoas ou acontecimentos grotescos ocorridos durante o ano. Nem sempre eram hilariantes...
Na quarta-feira de Cinzas a Igreja dá início à Quaresma. O Catecismo da Igreja Católica (n.º 1438) prescreve: “Os tempos e os dias de penitência no decorrer do Ano litúrgico, tempo da Quaresma, e em cada sexta-feira em memória do Senhor, são momentos fortes da prática penitencial da Igreja.”
Antigamente a paróquia era distribuída em quartéis semanais para que os fiéis pudessem cumprir o preceito pascal. Esse era um dia especial para a respectiva família que, vindo tarde da igreja, passava o dia em quase descanso, só fazendo o indispensável serviço doméstico.
Durante o tempo de Quaresma realizavam-se diversas procissões: No primeiro domingo era a procissão do Senhor das Preces, no terceiro, a Procissão do Senhor dos Passos e no seguinte a de Penitência. Nesta procissão saíam várias imagens, duas delas num único andor – creio Santa Delfina e São Eliseu- razão pela qual era conhecida pela Procissão dos Bem-Casados.
A chamada “Semana Santa” era vivida de maneira especial, com jejuns e trabalhos leves. Quase toda a gente tomava parte nas cerimónias: Na quinta-feira santa, a missa solene de manhã e a cerimónia do Lava-pés à tarde. Nesse dia o Santíssimo ficava exposto no trono até ao dia seguinte e era adorado durante o dia e noite pelos irmãos da Irmandade do Santíssimo. Na 6ª.feira tinha lugar a cerimónia do Senhor Morto e no Sábado, ao meio dia, “rompia” festivamente o Aleluia ou comemoração da Ressurreição do Senhor. No Domingo seguinte era realizada a Procissão do Santíssimo e, de seguida, Missa Solene. Na segunda-feira havia a celebração da Missa e a procissão para a distribuição de Nosso Senhor aos Enfermos. Afinal, uma grande semana, pelo que era conhecida como “semana dos nove dias”.
No corrente ano o Domingo de Páscoa ocorre no dia 10 de Abril e o Espírito Santo a 29 de Maio.
No verão a Silveira realiza as suas festas principais: Santo Cristo no primeiro domingo de Julho, Mãe de Deus a 15 de Agosto e a 24 a festa do orago, S. Bartolomeu. Anos houve em que se celebravam as festas de Santa Teresinha e de Nossa Senhora de Fátima no mês de Setembro.
Se bem recordo foi na Silveira que se realizou a primeira festa de Nossa Senhora de Fátima, na ilha do Pico, cuja imagem foi adquirida com o produto de um peditório efectuado na ilha por um individuo conhecido por João Iria, dali natural.
E refiro a Silveira porque era a instância de veraneio dos lajenses, o que já hoje não acontece, e as primeiras frutas da época eram levadas para arrematação nos arraiais das festividades.
Só um pormenor: as cores litúrgicas alteraram-se com o Concílio. Presentemente não se utiliza a cor preta, que foi substituída pela roxa. Esta é obrigatoriamente utilizada na Quaresma, na Semana Santa e no Advento. O branco nas festas de Nossa Senhora e dos Santos e o vermelho no Espírito Santo e nas comemorações dos santos mártires.
       Lajes do Pico, Jan.2017.

       Ermelindo Ávila

A PRIMEIRA VISITA DA VIRGEM PEREGRINA

NOTAS DO MEU CANTINHO


         Foi, na realidade, um verdadeiro acontecimento histórico a primeira Viagem da Virgem Peregrina de Fátima à Diocese de Angra e Ilhas dos Açores.
         Quem compulsar a Imprensa dessa época poderá ficar com uma ideia, aliás sucinta, do que foi a visita da Virgem de Fátima na sua Imagem Peregrina. O jornal local “O Dever” dedicou-lhe uma minuciosa e extensa reportagem, pois tratou-se, na realidade, de autêntico acontecimento histórico que não mais se repetiu nas visitas posteriores.
         A Imagem Peregrina percorreu todas as ilhas e a maioria das Paróquias e a todas não foi, porque os meios de comunicação eram ainda bastante limitados. Não havia transportes aéreos e a passagem de uma para outra ilha quase se fez somente no antigo iate “Ribeirense” que, para o efeito, se transformou condignamente.
         A ilha do Pico foi visitada nos dias 27 a 29 de Junho de 1948, quase setenta anos são decorridos. Nesse ano não se realizou a festa de São Pedro.
         Acompanhou a Veneranda Imagem o Bispo da Diocese, D. Guilherme Augusto, a Comissão Diocesana, e também a Comissão Nacional.
          A Imagem peregrina chegou a esta Vila na tarde do dia 28 de Junho e recolheu à Igreja do Convento de S. Francisco. Ao anoitecer, realizou-se uma grandiosa procissão de velas, presidida pelo Bispo de Angra. Era quase meia-noite, quando regressou a São Francisco. O Bispo, aflito com sede (era um diabético), abandonou a procissão e correu para a Igreja a fim de beber alguma água, pois, daí a minutos quebraria o jejum e já não poderia celebrar no dia seguinte. Mas, felizmente, tudo correu pelo melhor (o Concílio Vaticano II ainda não estava em vigor…).
         Durante a noite, numerosos fiéis estiveram em vigília na Igreja a acompanhar a Veneranda Imagem. Entretanto os membros das Comissões foram recebidos em diversas habitações lajenses, onde pernoitaram. (Na nossa casa ficaram os meus antigos condiscípulos, Dr. Moreira Candelária e Pe. Artur Medeiros Paiva).
         A Vila encontrava-se toda engalanada, como jamais foi possível fazer. Em frente da Matriz em construção, a Câmara Municipal, de que era Presidente ao tempo o professor João Pereira Maciel, mandou erguer um monumental altar coberto, para a realização da Missa Campal que, celebrada por Dom Guilherme, teve início no começo do dia. No Largo, uma multidão de pessoas vindas das diversas freguesias do concelho, assistiu à celebração. A Veneranda Imagem chegou ao altar vinda em procissão e acompanhada de centenas ou milhares de devotos.
          Celebrada a Missa, Dom Guilherme usou da palavra para recordar a memória do antigo ouvidor, P. José Vieira Soares, falecido poucos meses antes e que, se fosse vivo, completaria naquele dia (29 de Junho) setenta anos de idade. Sobre a fala de Dom Guilherme escreve “O Dever”: O Venerando Prelado não podia deixar debandar aquela gente, que a maior parte de tão longe viera, sem uma palavra: e falou-lhes... Saudou a todos, e a todos louvou pelos esforços, canseiras, sacrifícios que hão despendido, naqueles dias abençoados. Louvou, ainda, os lajenses pelas ornamentações da sua Vila, lindamente preparada para receber a Virgem. A todos pediu que vivessem sempre a fé daquela hora, velassem pela educação dos seus filhos e fossem fiéis ao chamamento da graça.
          A seguir o P. Filipe Madruga, que estava a exercer as funções de Pároco da Matriz das Lajes, em nome da Paróquia, colocou na Veneranda Imagem um cordão de ouro com crucifixo no qual estava gravado: Lajes do Pico, Açores.
         Antes de sair das Lajes D. Guilherme permitiu que a Veneranda imagem da Virgem descesse ao Porto, cujas embarcações estavam todas engalanadas, velas subidas, arpões em guarda de honra. Linda a homenagem dos baleeiros!
         Na viagem para a Madalena a fim de seguir para o Faial, a Imagem Peregrina tomou lugar num pequeno trono armado num carro – andor. Foi-me permitido e a outros acompanhar a Senhora. Quando passávamos na Terra do Pão, o carro fez um desvio para a terra e fez com que um ferro colocado numa das casas, creio para suporte de um candeeiro, me atingisse e levasse ao chão da carrinha. Felizmente sem quaisquer consequências, graças à Senhora!
          A Veneranda Imagem da Virgem Peregrina já voltou à Ilha do Pico (e consequentemente aos Açores) outras duas vezes mas, infelizmente, nenhuma outra se revestiu do entusiasmo e esplendor da primeira visita. Ignoro a razão desse afrouxamento.

Lajes do Pico,
1 de Fervº de 2017.
Ermelindo Ávila