sábado, 30 de novembro de 2013

AS BARCAS DO SAL

NOTAS DO MEU CANTINHO




Em chegando o verão, eram frequentes, no porto das Lajes, as barcas do sal. Naturalmente, antigos bacalhoeiros que, retirados da pesca na Terra Nova e/ou Gronelândia, eram utilizados pelos exploradores das salinas para transportar, “a lastro”, o sal para as ilhas dos Açores.
Normalmente, vinham uma ou duas barcas no verão. Traziam o sal a lastro e, no porto, os comerciantes forneciam as sacas onde o sal era enchido e transportado para terra. Um trabalho violento que levava alguns dias a executar.
Cada comerciante tinha, normalmente, uma loja devidamente preparada, onde o sal era armazenado e dali vendido às “quartas” e “meias quartas”, para uso culinário.
E grande era o consumo, não só no tempero dos pratos fortes – carnes ou peixes – mas, principalmente, para a conservação das carnes e toucinhos dos porcos e salga do peixe seco, utilizado durante o inverno.
Hoje, nada disso existe. Não se importa sal a granel até mesmo porque, nem se guardam as carnes e toucinhos dos porcos abatidos em Janeiro ou nos meses à volta, nem se salgam nas balsas de barro importadas da ilha de Santa Maria, os chicharros apanhados às toneladas no Limpo. Os frigoríficos e as arcas congeladoras vieram substituir esses ancestrais sistemas nada benéficos para a saúde.
Em anos passados, nos finais do século XIX - ano 1883- tivemos cá um oleiro – o Mestre José Joaquim Madeira – natural de Santa Maria, que aqui montou uma olaria onde fabricava diversos utensílios de barro. Mas o barro era importado daquela ilha pelo comerciante António Homem da Costa, que depois negociava as peças fabricadas. Mestre José Oleiro, como era conhecido, tinha oficina na loja da casa que pertencia a Tomé Silveira de Faria e hoje é propriedade de Manuel Gonçalves. O forno de cozer as peças de barro localizava-se no espaço onde o Mestre Manuel José Machado veio a implantar o barracão onde construía as canoas baleeiras.
Em todas as cozinhas, existiam as barças, as caboucas, os alguidares, os púcaros de barro para tirar a água dos talhões. O alumínio e, mais tarde, os utensílios em esmalte ou em esmaltado não eram por cá conhecidos. Os primeiros a serem utilizados vieram dos Estados Unidos, trazidos pelos emigrantes retornados. Uma novidade que causou assombro.
Em casa da minha avó, existiam dois grandes talhões em barro que serviam para guardar a água recolhida da chuva. Não havia ainda conhecimento das cisternas, mas somente dos poços de maré.
E dizia-me a minha bisavó paterna (morreu no ano em que faria cem anos) que, quando alguém adoecia, ia a casa do Sr. Joaquim Maria – o único que então possuía os grandes talhões com capacidade para receber mais de cinquenta litros de água, - pedir um púcaro de água para fazer chá ao doente... Outros tempos, dirá o leitor. Na verdade, eram tempos diferentes, difíceis, tristes para quem adoecia.
Até aos anos trinta do século passado, não havia médicos nesta ilha. O que aqui se fixou e cá viveu cerca de quarenta anos, o Dr. José Pinheiro Cardoso de Campos, veio para esta vila em 1928! Valiam os “curiosos” que utilizavam os remédios homeopáticos. Tive essa experiência...
(Uma das barcas do sal deixou cá ficar uma gatinha, simpática, de raça maltez, que foi recolhida por uma família e passou a chamar-lhe “Mijoana” – a barca tinha a denominação de Maria Joana – e se propagou, naturalmente. Toda a gente desejava ter um filhote da “Mijoana”, pela simpatia de que gozava...)
Com a saída do Mestre José Oleiro para S. Maria, deixou de haver a indústria do barro – utensílios e telha. Esta passou a vir da Graciosa e os outros utensílios de Santa Maria nos antigos iates, quer do Pico, quer de S. Miguel. Mas tudo isso “o vento levou”.
A vida modernizou-se e tornou-se imensamente mais difícil, provocando a separação das classes, com gravosa incidência para aquela que se classifica de pobre. Deixou quase de haver a “classe média” para aumentar, aflitivamente, a classe pobre. São os horrores da hora que passa!...
Dia de S. Martinho de 2013.
Ermelindo Ávila

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

S.tª CATARINA DE ALEXANDRIA

NOTAS DO MEU CANTINHO


A Igreja Católica celebra, no dia 25 de Novembro, a festa de Santa Catarina de Alexandria.
Pouco se sabe da data do nascimento desta Virgem e Mártir. Apenas que está sepultada no monte Sinai. Nasceu e viveu no século IV da era cristã, na cidade de Alexandria, no Egipto, quando era imperador Maximino, ou Maximino II, que foi imperador romano entre 308 e 313. Feroz perseguidor do cristianismo, foi combatido por Licínio e desapareceu em Tarso.
Consta que Catarina, pertencia à alta sociedade, era muito inteligente, tinha um rosto de muita beleza e uma alma santa, e que, pela arte da retórica venceu os cinquenta melhores filósofos do Império de Maximino que este lhe enviara para a demover da sua fé. Porque Catarina não se deixou vencer e discutiu com Maximino pondo a descoberto a falsidade dos ídolos que aquele adorava, o terrível imperador não lhe tolerou a afronta e mandou-a descarnar viva numa roda de navalhas.
A devoção a Santa Catarina, para uns padroeira dos filósofos, para outros protectora do juízo de cada indivíduo, é muito antiga, por aqui.
Há uma lenda, que corre neste lado Sul do Pico, e que está recolhida pela Dra. Angela Furtado Brum, no seu livro Açores, Lendas e Outras Histórias, na qual se diz que S. Catarina aparecia amiudadas vezes na Ponta do Mistério – hoje conhecida realmente por Ponta de S.ta Catarina – e que era trazida para a Igreja Matriz das Lajes, quando alguém encontrava a Imagem. Mas acontecia que, no dia seguinte, a imagem voltava ao seu local preferido na Ponta do Mistério. E tantas vezes isso aconteceu que resolveram construir a ermida que se encontra no chamado “Monte de Santa Catarina”, desta vila. Todavia, foi necessário que se abrisse uma pequena janela, junto ao altar onde se colocava a Imagem, para que, dali se pudesse ver a Ponta situada no Mistério. O certo é que a imagem não mais voltou a sair da sua ermida. Isto diz a lenda.
A ermida tem bastantes séculos de existência.
No livro da “Arca das três chaves” da Matriz das Lajes, encontra-se exarada, com data de 13 de Agosto de 1744, a sentença do Bispo de Angra, D. Frei Valério do Sacramento (que governou a Diocese entre 1738 e 1757), na qual estão mencionadas as confrarias da paróquia, e os saldos das respectivas contas. A confraria de Santa Catarina acusou 11$320. Na paróquia existiam as confrarias do Santíssimo Sacramento, do Rosário, do Senhor Jesus, de Santa Rita, das Almas, de S. Caetano, de S. Sebastião, de Santa Catarina, de S. Pedro, e dos Remédios. As últimas quatro pertenciam às ermidas existentes tendo já desaparecido a dos Remédios, que ficava situada no centro da Vila, no local onde hoje é a biblioteca e o auditório municipais.
Mais recentemente, o Governador Santa Rita, no seu relatório de 23 de Dezembro de 1864, refere que a ermida de Santa Catarina tinha um património de 1$585.
Silveira de Macedo, (História das Quatro Ilhas, Vol. III) ao descrever as ermidas da Paróquia, refere que “existem porém (...) e a ermida de Santa Catarina situada numa vistosa colina...”
A ermida passou, litigiosamente, a mãos particulares, o que deu origem a um processo judicial, todavia, com o falecimento do último proprietário dos terrenos, voltou à posse e administração da Igreja. De realçar que nunca deixou de estar aberta ao culto e ser centro de grande devoção.
A antiga imagem de Santa Catarina foi, há muitos anos, substituída pela actual e consta que vendida a um antiquário, em Lisboa.
Recordo que, no dia de festa, o antigo “proprietário” embandeirava, exteriormente, a ermida e adro, e, na véspera, ao anoitecer, iluminava a escadaria, que dá acesso à ermida, com rocas de pinho, o que, realmente, dava à colina um aspecto festivo.


Vila das Lajes do Pico,
16 de Novembro de 2013

Ermelindo Ávila 

sábado, 16 de novembro de 2013

MONTES E VALES

A MINHA NOTA

O Caminho do Vitorino, recentemente inaugurado na encosta leste da ilha do Pico veio permitir uma ligação fácil e cómoda aos terrenos incultos e à rede de estradas e caminhos florestais, em boa hora construídos na ilha do Pico.
Essa rede de comunicações favorece a exploração de muitos terrenos e o seu melhor aproveitamento, proporcionando o aumento substancial da produção leiteira, uma das maiores riquezas da ilha.
Segundo informa o Dr. Manuel Alexandre Madruga, “Os primeiros balbucios industriais da freguesia de S. João devem remontar à época do povoamento. Supomos, no entanto, que só a partir da altura em que se verificaram as erupções vulcânicas (1718-1720) a indústria propriamente dita terá dado os primeiros passos ainda que hesitantes.”
E depois, acrescenta: A indústria do queijo, originária da própria freguesia, pois foi ali que se fabricou o primeiro queijo do Pico, deve ter-se desenvolvido paralelamente à tecelagem por serem ambas produto das actividade pastoril tão do gosto daquele povo”.(1)
Realmente o “queijo do Pico” criou fama em todo o Arquipélago e não só. Tanto assim que , num estudo promovido pelo antigo Ministério da Agricultura, refere-se que: ”No Pico, particularmente nas freguesias das Lagens e Ribeiras, fabrica-se também um tipo sui generis de queijo mole, conhecido por isso sob a designação de queijo do Pico, com formato de 10 centímetros de diâmetro e 3 de altura, com cerca de meio quilograma, o qual lembra o Camembert no paladar. Produto exclusivo da indústria doméstica, largamente utilizado e muito apreciado em todas as ilhas, susceptível de maior consumo, este queijo é comprado em fresco pelos negociantes da freguesia de S. João, que lhe fazem a cura e o exportam sobretudo para o Faial, Terceira e S. Miguel.”. E um pouco à frente informa: “no Pico há 12 (fábricas), uma na freguesia da Criação Velha, no concelho da Madalena e 11 no concelho das Lajens. Todas preparam manteiga e queijo.”(2)
Na Horta foi criada a Comissão de Fomento dos Lacticínios do Distrito da Horta, pelo decreto nº 158 586, de 10-7-1930. Foi o caos. O fabrico do queijo do Pico deixou de ser produto doméstico para só ser possível em estabelecimentos licenciados. E a fiscalização não mais deixou de “andar em cima dele”
Mais tarde, veio o decreto nº 19.669 de 30 de Abril de 1931, (era Ministro da Agricultura o Coronel Henrique Linhares de Lima) que, embora estabelecesse que “À indústria caseira da Ilha do Pico é permitido o fabrico de queijo, tipo Pico (S. João),” essa actividade doméstica não conseguiu desenvolver-se .
Já mais recentemente, veio do Governo Regional, o DLR/SRAP/ 96/32, estabelecer as normas sobre a denominação de “Queijo do Pico”. Daí surgiram as queijarias, uma dúzia, por toda a ilha, que mais atrofiaram a actividade. Valeu a firma MARTINS & REBELLO que a tempo chegou aqui e instalou a fábrica da Silveira com abrangência em toda a ilha, permitindo, ou até mesmo estimulando o desenvolvimento da produção leiteira. Mas um dia aquela firma desapareceu. As instalações também já não existem.
Surgiu, depois, a Lacto Pico que construiu a nova fábrica do Mistério da Silveira. Mas também ela tem andado sob “mar bravo”. (Votos faço para que se mantenha e até prospere.)
A Ilha do Pico , além da possibilidade de desenvolvimento da sua actividade agro-pecuária, pode e deve explorar o potencial dos seus montes e vales, os vários cabeços e as diversas lagoas que se escondem no seu interior, além das diversas e variadas espécies botânicas, que não só a faia (Myrica faya, ait) ou do zimbro ou cedro das ilhas (Juniperus Oxycedrus,L.) e de outras.
Estão construídos os caminhos de acesso. Falta a mão de obra e talvez o estimulo governamental (?) para que a ilha desenvolva o seu potencial económico, que não apenas nos lacticínios.

_____

1)-Madruga, Manuel Alexandre – A Freguesia de S. João da Ilha do Pico na Tradição Oral dos Seus Habitantes, 1957.
2)-A Agricultura no Distrito da Horta (Subsídios para o seu estudo) – Separata do Boletim do Ministério da Agricultura, Ano XIII, Nos. 1 a 4, - III série.

Lajes do Pico,
4-11-2013

Ermelindo Ávila

domingo, 3 de novembro de 2013

NOVEMBRO

NOTAS DO MEU CANTINHO



Mês de Novembro... Mês das Almas... Mês das colheitas e desfolhadas... Mês do Pão por Deus e das castanhas... Um mês diferente.
Recordamos, sentidamente, aqueles que partiram num dia triste e inesquecível. É o mês dos defuntos, diz o povo, na saudade imensa e dolorosa, como aliás é sempre a saudade, daqueles que o Senhor já chamou a Si. E são tantos... Milhares, milhões... E os que cá ficaram, aguardam também a hora da partida... Mas que hora?! Boa? Triste e incerta do que será a outra vida? Só os Santos partem alegres e felizes para o Além, a juntar-se ao Pai, que serviram, dedicadamente, durante a vida terrena... Os outros, os que por cá andam ainda, vivem numa incerteza medonha daquilo que os espera, embora confiantes no Pai de Misericórdia – Deus.
Mas o mês de Novembro é também o mês das colheitas daquilo que, na Primavera ou no Verão, se semeou para a subsistência do homem.
O Verão, porém, foi-se, sorrateiramente, deixando as pessoas envoltas nas penumbras de um inverno que se aproxima e que, por vezes,é traiçoeiro.
Hoje as colheitas são bastante raras. Os campos estão quase abandonados e só aqui e ali se encontram os serrados de milho, que o trigo há muito deixou de ser cultivado. Mesmo assim, ainda há quem o semeie para colher na época do Outono. E o Outono é agora, nestes meses que os últimos são do ano.
Que alegres eram as noites do Outono (Outubro, Novembro e Dezembro), em anos passados! Faziam-se as colheitas e depois eram as desfolhadas, sempre animadas. Reuniam-se famílias, vizinhos e conhecidos e os serões decorriam em fraterna confraternização. E, mais alegres quando chegava a descoberta da massaroca vermelha ou milho rei. Os gritinhos das moças, os abraços que o “premiado” distribuía por todos os presentes, os ditos jocosos, mas inofensivos, que um ou outro deixava “escapar”, tudo servia para alegrar o serão “condimentado” com a aguardente e os figos passados das figueiras da horta. E eram tantas! Hoje, praticamente desapareceram como, aliás, outras fruteiras que nas época próprias constituíam o regalo de miúdos e graúdos.
Na realidade, poucas são as quintas que ainda existem ou são convenientemente tratadas. A mão-de-obra é cara e torna-se, por isso, inacessível aos proprietários, que não podem cuidar dos seus prédios com “as suas próprias mãos” porque a idade lhes levou as forças para o trabalho... E não são poucos. A decrepitude da vida vão chegando. O inverno é traiçoeiro e, por vezes, “faz das suas”. E é em Novembro que a estação é mais fria e chuvosa e mais atinge os campos e as pessoas.
Apesar de tudo, era no primeiro de Novembro – dia de Todos os Santos – que se comiam as castanhas e dava-se o “Pão por Deus”, uma tradição que desapareceu como entenderam deixar de considerar feriado esse dia. Afinal dois dias que a Igreja celebrava com solenes rituais que tinham a assistência de muitos fiéis: o primeiro dia, Dia de Todos os Santos e feriado nacional; o segundo dia dedicado aos fiéis defuntos e às visitas aos cemitérios. Mas todo o mês dedica-o a Igreja aos que nos deixaram e um dia partiram para sempre!
Os nossos, que o Senhor chamou, são recordados com mais ternura e sentimento. Para eles são as nossas preces especiais, de conjunto com a nossa saudade. E quantos esperam por uma prece nossa para aliviar seus padecimentos?!
Esqueçamos nossos males e recordemos, com sentido de fé, de esperança e de caridade, esses que nos deixaram um dia para não mais regressar, mas que esperamos encontrar na Glória do Pai.
Novembro é o mês dos crisântemos. Colhamos uma dessas flores, qualquer que seja a sua cor, e guardemo-la no recôndito do nosso lar, junto da “imagem” daqueles nossos que nos antecederam na caminhada para a Eternidade.

Lajes do Pico,
Outubro de 2013.
Ermelindo Ávila