Em
chegando o verão, eram frequentes, no porto das Lajes, as barcas do
sal. Naturalmente, antigos bacalhoeiros que, retirados da pesca na
Terra Nova e/ou Gronelândia, eram utilizados pelos exploradores das
salinas para transportar, “a lastro”, o sal para as ilhas dos
Açores.
Normalmente, vinham
uma ou duas barcas no verão. Traziam o sal a lastro e, no porto, os
comerciantes forneciam as sacas onde o sal era enchido e transportado
para terra. Um trabalho violento que levava alguns dias a executar.
Cada comerciante
tinha, normalmente, uma loja devidamente preparada, onde o sal era
armazenado e dali vendido às “quartas” e “meias quartas”,
para uso culinário.
E grande era o
consumo, não só no tempero dos pratos fortes – carnes ou peixes
– mas, principalmente, para a conservação das carnes e toucinhos
dos porcos e salga do peixe seco, utilizado durante o inverno.
Hoje, nada disso
existe. Não se importa sal a granel até mesmo porque, nem se
guardam as carnes e toucinhos dos porcos abatidos em Janeiro ou nos
meses à volta, nem se salgam nas balsas de barro importadas da ilha
de Santa Maria, os chicharros apanhados às toneladas no Limpo. Os
frigoríficos e as arcas congeladoras vieram substituir esses
ancestrais sistemas nada benéficos para a saúde.
Em anos passados,
nos finais do século XIX - ano 1883- tivemos cá um oleiro – o
Mestre José Joaquim Madeira – natural de Santa Maria, que aqui
montou uma olaria onde fabricava diversos utensílios de barro. Mas o
barro era importado daquela ilha pelo comerciante António Homem da
Costa, que depois negociava as peças fabricadas. Mestre José
Oleiro, como era conhecido, tinha oficina na loja da casa que
pertencia a Tomé Silveira de Faria e hoje é propriedade de Manuel
Gonçalves. O forno de cozer as peças de barro localizava-se no
espaço onde o Mestre Manuel José Machado veio a implantar o
barracão onde construía as canoas baleeiras.
Em todas as
cozinhas, existiam as barças,
as caboucas, os
alguidares, os
púcaros de barro para tirar a água dos
talhões. O alumínio
e, mais tarde, os utensílios em esmalte ou em esmaltado não eram
por cá conhecidos. Os primeiros a serem utilizados vieram dos
Estados Unidos, trazidos pelos emigrantes retornados. Uma novidade
que causou assombro.
Em casa da minha
avó, existiam dois grandes talhões em barro que serviam para
guardar a água recolhida da chuva. Não havia ainda conhecimento das
cisternas, mas somente dos poços de maré.
E dizia-me a minha
bisavó paterna (morreu no ano em que faria cem anos) que, quando
alguém adoecia, ia a casa do Sr. Joaquim Maria – o único que
então possuía os grandes talhões com capacidade para receber mais
de cinquenta litros de água, - pedir um púcaro de água para fazer
chá ao doente... Outros tempos, dirá o leitor. Na verdade, eram
tempos diferentes, difíceis, tristes para quem adoecia.
Até aos anos trinta
do século passado, não havia médicos nesta ilha. O que aqui se
fixou e cá viveu cerca de quarenta anos, o Dr. José Pinheiro
Cardoso de Campos, veio para esta vila em 1928! Valiam os “curiosos”
que utilizavam os remédios homeopáticos. Tive essa experiência...
(Uma das barcas do
sal deixou cá ficar uma gatinha, simpática, de raça maltez, que
foi recolhida por uma família e passou a chamar-lhe “Mijoana” –
a barca tinha a denominação de Maria Joana – e se propagou,
naturalmente. Toda a gente desejava ter um filhote da “Mijoana”,
pela simpatia de que gozava...)
Com a saída do
Mestre José Oleiro para S. Maria, deixou de haver a indústria do
barro – utensílios e telha. Esta passou a vir da Graciosa e os
outros utensílios de Santa Maria nos antigos iates, quer do Pico,
quer de S. Miguel. Mas tudo isso “o vento levou”.
A vida
modernizou-se e tornou-se imensamente mais difícil, provocando a
separação das classes, com gravosa incidência para aquela que se
classifica de pobre. Deixou quase de haver a “classe média” para
aumentar, aflitivamente, a classe pobre. São
os horrores da hora que passa!...
Dia de S. Martinho de 2013.
Ermelindo Ávila