quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O NASCIMENTO DO MENINO


Maria estava para ser Mãe. O Menino nasceu quando estava em Belém. As estalagens estavam cheias daqueles que, descendentes da Casa de David, se tinham ido recensear, tal como José. E não havendo lugar nas hospedarias, recolheram-se numa casa de animais. O Menino aí nasceu e teve como berço a manjedoura que lá existia. E no meio desta pobreza e desconforto, Maria envolveu o Filho em panos. Era o enxoval que possuía.

No entanto, o Céu iluminou-se. Um coro de anjos entoou o “Gloria in excelsis Deo” e os pastores que andavam pelos montes a guardar os rebanhos, acordaram sobressaltados. Uma estrela lhes apareceu e lhes indicou o caminho até junto do Menino e Seus Pais.

E o dia do Nascimento do Menino, que era o Filho de Deus, hoje, decorridos 2011 anos, ainda se celebra.

Os templos católicos iluminam-se e revestem as melhores alfaias para festejar a histórica data e o mais assombroso acontecimento da Humanidade.

O Nascimento de Jesus é um facto histórico que se encontra narrado nos Evangelhos. Celebra-se no dia 25 de Dezembro. Não importa que seja a data exacta. Importa celebrar o festivo evento.

Diz Ariel Alvarez Valdês (1): Jesus Cristo não nasceu no dia 25 de Dezembro. Esta é uma data simbólica. Porém, não podia ter sido escolhido um dia melhor para festejar o seu Nascimento. E se alguma vez, com eventuais descobertas, se viesse a conhecer exactamente o dia em que Jesus nasceu, não faria sentido mudar a data. Deveria continuar a celebrar-se a 25 de Dezembro. Porquê? Porque aquilo que se pretendeu, ao fixar esse dia, mais do que evocar um facto histórico, foi transmitir uma excelente mensagem.

E escreve o mesmo douto articulista: Nenhuma outra celebração religiosa – nem sequer a Páscoa, que é a mais importante das festas cristãs tem a carga de ternura e recolhimento que o Natal encerra.(2)

Até ontem havia quem celebrasse o Natal das mais diversas e díspares maneiras. Eram os jantares de colegas e amigos, com a distribuição mútua de prendas; as reuniões familiares junto das esplendorosas árvores do Natal e as mais diversas ofertas distribuídas por um improvisado “Pai Natal” para uns ou o São Nicolau para outros. As casas enfeitavam-se, e nelas não faltavam as vistosas “árvores de Natal”; as ruas principais iluminavam-se; e até os concursos dos Presépios se faziam aqui e ali.

Havia quem, para celebrar o grande acontecimento, se lembrasse dos pobres e necessitados. Todavia, no presente ano e, com certeza, nos que se lhe vão seguir, talvez isso não aconteça. Mas importa que haja quem socorra não só esses pobres, como igualmente aqueles que agora são privados de algum rendimento do seu trabalho, para que, ao menos no dia de Natal, encontrem uma mesa onde o pão chegue para todos os familiares, principalmente os idosos e as crianças, pois, para estas, nem talvez um brinquedo haja, como era tradição.

*

Ao trazer aqui algo do que é, ainda hoje, a comemoração do Nascimento do Menino Jesus em Belém, recordo o Natal da minha adolescência e juventude, dezenas de anos são passados.

Dias antes eram as novenas, celebradas com esplendor litúrgico, já noite dentro, e com largo concurso de fiéis. Anteriormente, era a novena, incluída na Missa diária, ao amanhecer, para que os trabalhadores nela tomassem parte entes de seguirem para os seus trabalhos agrícolas. E muitos compareciam com as respectivas famílias.

Ainda tenho presente os cânticos entoados pela Capela, no antigo coreto da igreja de S. Francisco das Lajes, a servir de Matriz. O que encerrava a cerimónia tinha para nós um significado especial:

Ó Infante suavíssimo / Ó meu amado Jesus / Vinde alumiar minh’alma / Vinde dar ao mundo luz.

Esperávamos, ansiosamente, a Missa do Galo, à meia noite. Toda a gente corria para a Igreja. Não havia iluminação pública. Utilizavam-se no percurso os candeeiros as velas de estearina e, mais tarde a petróleo. O templo também era iluminado com candeeiros (lamparinas) a petróleo e, depois, com candeeiros incandescentes, quando estes apareceram.

O Presépio estava “escondido” com uma cortina, e só era desvendado quando o celebrante entoava o Gloria in excelsis Deo! As campainhas tocavam e os sinos repicavam, anunciando a Boa Nova. Não se batiam palmas mas havia um desusado sussurro na assistência, principalmente entre as crianças, a levantar as cabecinhas, no desejo de melhor verem o Presépio e a gruta onde se encontrava a manjedoira com o Menino reclinado e, junto, Seus Pais. Embeveciam-nos também o repuxo de água que, saindo de algures, caía no pequeno “lago”. Tudo eram surpresas e motivos de alegria.

As prendas do Menino Jesus, de mistura com figos passados, alguns deles das próprias figueiras da horta, eram bem singelas mas encantavam as crianças. Todavia, só apareciam quando eles acordavam no dia de Natal e as procuravam debaixo do travesseiro ou em sítios mais recônditos. Fosse o que fosse, eram essas modestas prendas motivo de grandes alegrias e enorme prazer para a miudagem.

Depois, tudo se modificou. Apareceram as árvores de Natal, enfeitadas e iluminadas (quando apareceu a electricidade) e nelas as prendas destinadas não só aos miúdos da casa como, igualmente, aos adultos. Uma maneira mais magnificente de celebrar o Natal. E, em algumas habitações, de mais elevados rendimentos, surgia o “Pai Natal” a substituir o Menino Jesus que, antes, era quem deixava as prendas ... Uma maneira paganizada de celebrar o Nascimento do Redentor...

_______________

1)Ariel Alvarez Valdês, in Revista “Bíblica”, ano 57/Nº337. Tradução de Lopes Morgado.

2) ibidem

Vila das Lajes,

25 Novº.2011

Ermelindo Ávila

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

OS ANTIGOS BOLIEIROS

O Caetano e o José das Cruzes eram duas figuras típicas que, no primeiro quartel do século passado, percorriam, diariamente, a estrada que vai das Lajes à Madalena, ou vice-versa.

Conduziam o carro da mala, como era conhecido. Um carro de bestas que fazia o transporte da mala do correio e de passageiros entre as duas vila, principalmente, aqueles que viajavam até à ilha do Faial.

As mulas, já envelhecidas e cansadas, faziam o trajecto, pausadamente, havendo ocasiões em que os passageiros eram forçados a sair dos seus lugares para subirem a pé as ladeiras do percurso. E esses tradicionais transportes não tinham espaço para muitos passageiros. Nem uma dúzia sequer. É por isso que andavam sempre lotados. Raramente, alguns dos passageiros que neles transitavam, ficavam pelas freguesias do percurso, o que permitia a outros ocuparem os lugares então vazios.

Os boleeiros ou cocheiros não tinham grandes pressas. Deixavam os animais seguir o seu caminho, vagarosamente, pois sabiam que deles não podiam exigir mais.

Enquanto uma parelha ficava no final do percurso, a descansar, outra tomava o lugar. E assim, alternadamente.

Os carros eram pouco cómodos. Deviam ter iniciado a carreira quando a estrada Madalena -Lajes ficou completa. E as pontes da Ribeira do Meio tem as datas de 1877 e 1879. Os acentos estavam gastos de tantos anos de uso e não ofereciam nenhum conforto aos utentes.

No entanto, já em 1920 existiam na Madalena carros de aluguer pertencentes a Manuel Garcia da Costa, Manuel Francisco da Silva e José da Silva Telheiros. Estes deviam ser carros de bestas como eram conhecidos, pois, além desses, havia dois automóveis pertencentes, respectivamente, a António Moniz Furtado de Simas e Estevam Garcia da Costa.

Nos princípios dos anos vinte do século passado, fundaram-se as empresas de camionagem Cristiano, Lda. e Empresa União Automobilística Madalense. Esta teve pouca duração e o respectivo património foi incorporado na Cristiano, Lda. que hoje se mantém e explora a actividade em toda a ilha.

As lanchas do canal faziam duas viagens, uma de manhã e outra ao meio dia. As camionetas, respeitando aquele horário, partiam das Lajes às quatro horas da madrugada para “apanharem” a lancha e regressavam, depois de ela chegar ao porto da Madalena, no princípio da tarde. O movimento de passageiros, de diminuto que era, não aconselhava outros horários, como actualmente.

Era sempre uma festa quando, no início, as camionetas chegavam às Lajes, meia tarde, vindas da Madalena, transportando alguma carga, mala do correio e passageiros. Um dos primeiros condutores foi Flamínio d’Oliveira Frayão, da Horta, que aqui fixou residência com a esposa e filhos e foi um dos introdutores do futebol, nesta Vila, em 1924. É mesmo um dos subscritores dos primeiros e únicos estatutos do Clube Desportivo Lajense (Alvará de 28-4-1924). A primeira bola de futebol que existiu nas Lajes foi por ele trazida da Horta.

Simpáticos, atenciosos e serviçais eram, e são, os condutores das camionetas do Pico. Podia lembrar o Manuel Prudêncio, o Luís Caetano das Neves, o Manuel Fernandes, o Emílio Azevedo e outros mais, como igualmente, os respectivos ajudantes, como o José Luís e o António de São João. Durante estes anos todos a lista seria avantajada. No canal foi o Caetano e o histórico Gilberto.

O Caetano, que foi um dos bolieiros dos carros de bestas, ficou pela Madalena e dedicou-se a fazer “mandaletes” entre os portos do Pico e Faial nas lanchas do Canal. E quando já não podia fazer as viagens, era vê-lo sempre no cais, já envelhecido e alquebrado, à chegada das lanchas...para tomar o cabo e receber algumas moedas de antigos “fregueses”. Causava pena vê-lo por ali, já sem quase ninguém que lhe prestasse atenção.

O José das Cruzes desapareceu cedo e pouco o conheci. E outros mais houve, bons serviçais que se distinguiam pela sua seriedade e honestidade.

Por esta Ilha além, outras figuras houve que ficaram esquecidas para sempre e que, no entanto, nos seus tempos, tiveram alguma projecção nas sociedades onde viveram. Recordo o Manuel Joaquim (Búzio), o João da Joaquina e outros mais que faziam o percurso a pé, às segundas e quintas-feiras, da Piedade à Lajes, conduzindo a mala do correio para todas as freguesias e lugares, onde existiam postos do correio a cargo de comerciantes idóneos. É pena que assim aconteça e que esses servidores hajam passado ao esquecimento das gerações que se lhes seguiram. A todos presto a minha singela homenagem.


Vila das Lajes,

15-11-2011

Ermelindo Ávila

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Nossa Senhora da Conceição

A devoção a Nossa Senhora da Conceição é uma das mais antigas do calendário litúrgico português. E, naturalmente, alicerçada nessa devoção, são as inúmeras capelas ou ermidas dedicadas à Mãe de Deus sob o título de Nossa Senhora da Conceição, mesmo muitos anos antes de ser proclamado o dogma que definiu a Virgem como concebida sem mácula.

Nesta Ilha do Pico, a história regista um facto curioso. Narra Frei Diogo das Chagas, em seu “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”, que a ermida de Nossa Senhora da Conceição, junto da qual se fundou o convento dos franciscanos, em 1641, (a cuja ordem pertencia o Autor) pertencente a uma Mor (ou Maria) Pereira, a qual deixou em testamento que, “se os frades de São Francisco quisessem fazer convento junto daquela ermida, lhe deixava doada a fábrica e foros”.

E regista o motivo da construção da ermida, naquele lugar.

Mais tarde o convento foi ampliado. Ainda hoje é bem visível a diferença das duas construções, pois a segunda é de cantaria mais rica. No seguimento do convento foi construída, no lado Norte, a actual Igreja também dedicada a Nossa Senhora da Conceição.

A propósito desta, diz Silveira de Macedo, (História das Quatro Ilhas que Formam o Distrito da Horta – Vol. I Pág. 206) que a igreja foi dedicada em 1768 (no entanto) “só em 1804 é que conseguiram ultimá-la (...)ficando um dos belos templos da ilha pelo primor da escultura dos retábulos e perfeição do dourado, possuindo já os ornamentos necessários, vasos sagrados, uma lâmpada de prata, coroas e resplendores em todas as imagens, o que tudo foi pasto das chamas de um voraz incêndio que em Fevereiro de 1830 reduziu a cinzas a igreja com suas imagens e alfaias, podendo apenas salvar-se o convento.

A igreja foi restaurada pelo Pe. Francisco Salles, último guardião do convento, com as esmolas que chegaram de toda a parte mas, interiormente, só foi possível construir um pequeno altar onde colocaram três pequenas imagens; Nossa Senhora da Conceição, São Francisco e S. Benedito, que haviam pertencido a um dos extintos conventos da Horta. (Essas imagens, segundo me é dado saber, encontram-se no Museu de Arte Sacra daquela cidade).

Parece que o actual retábulo da Capela Mor veio do antigo convento da Glória, que existiu na Horta, onde hoje se encontra o Mercado Municipal.

A primitiva ermida, aquela que foi doada aos franciscanos por Mor Pereira, não foi destruída. Ficou junto do edifício do convento e, depois deste ter sido ocupado pelo Estado (por Decreto assinado por Dom Pedro de Bragança, em 17 de Maio de 1832) e entregue à Câmara Municipal, em 3 de Janeiro de 1840, serviu de arquivo da Repartição de Finanças, ali instalada, até que, na década de quarenta, do século passado, aquando das obras de restauro do convento, foi demolida. Ninguém pensou em conservá-la. Foi pena.

Na mesma Igreja, que serviu de paroquial enquanto as obras da nova Matriz não ficaram concluídas, e muitos anos decorreram, pois estiveram suspensas desde 1904 a 1967, no altar mor, além da Imagem de Nossa Senhora da Conceição, foram colocadas, a imagem de Santo António, adquirida pela antiga Irmandade, por volta de 1915, e a de Santa Teresinha, oferecida em 1927 por Francisca Angélica Ávila em cumprimento de um voto.

A capela mor e o respectivo retábulo foram pintados e dourados na década de trinta, pelo mestre Virgínio Belém. É dele também o desenho da pintura da abóbada da capela mor.

No altar lateral do lado esquerdo, foi colocada uma Imagem Senhor Jesus Crucificado, oferta da Companhia Baleeira Venturosa que, em 1927, custeou igualmente a construção do retábulo altar, obra esta do artista faialense António Contente. Neste altar ficaram também as antigas imagens de São José e de Nossa Senhora do Rosário, que haviam pertencido à Velha Matriz. Mais tarde o altar foi também dourado pelo Mestre Virgílio Belém, a expensas da mesma Sociedade Venturosa.

O altar do lado direito, com um modesto retábulo construído pelo Mestre Carpinteiro António Feliciano, era pintado a gesso, o qual era coberto com chapas de cortiça, a imitar uma gruta, nas festas de Nossa Senhora de Lourdes. Possui, actualmente, um retábulo, obra dos Mestres Rodrigues Quaresma, e foi dourado pelo Mestre Manuel Madruga. Nele encontram-se as imagens do Coração de Jesus, oferta de João Joaquim Brum da Silveira e as de Nossa Senhora e Sua Prima Santa Isabel (Visitação); imagens que, segundo a tradição, pertenceram à antiga Igreja da Misericórdia. São de uma beleza artística invulgar.

A Imagem de Nossa Senhora da Conceição foi adquirida em 1906 com esmolas angariadas em várias ilhas dos Açores pela jovem Rita Carolina. Trata-se de uma escultura de rara beleza, obra dum artista continental, que é também o autor de idênticas imagens existentes na Igreja da Conceição de Angra e na Matriz de Santa Cruz das Flores.

A Igreja de Nossa Senhora da Conceição ficou muito danificada com sismo de 1998. Foi a seguir completamente restaurada e os três altares convenientemente pintados e dourados. No entanto, dela foi retirado o coreto que havia sido construído quando os serviços da Matriz foram nela instalados em 1904.

O púlpito, que antigamente era constituído por um simples gradeamento, no qual se colocava uma coberta da cor litúrgica da celebração do dia, foi construído aquando da construção do altar do Senhor Jesus, pelos operários do Mestre Contente. Está agora também devidamente pintado e dourado.

Na ala lateral do lado leste da igreja franciscana está instalado um pequeno museu missionário. Se estivesse no corpo da igreja, ou mesmo, para início, no coro alto, podia receber alguns valores que pertenceram aos Bispos e Missionários picoenses, uma vez que o primeiro Bispo Missionário, Dom João Paulino, era natural desta vila, em cujo cemitério se encontra a capela - mausoléu com os seus restos mortais.

Não seria caso único, pois isso acontece por esse País fora !


Vila das Lajes,

3 de Dezº. de 2011

Ermelindo Ávila

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

LATOEIROS, FERREIROS E TANOEIROS


Tanoeiros, ferreiros e funileiros eram duas artes exploradas por artífices habilidosos e que produziam diversos recipientes indispensáveis ao serviço doméstico e a outros serviços.

Nas Lajes, conheci os antigos tanoeiros José Alves e irmão Tomé Alves e, na Ribeira do Meio, o “Tabuão” e o Manuel de Brum.

Como latoeiros, conheci o Arnaldo Silva que aprendeu o ofício com o Mestre Ventura, da Horta, o Alberto Lemos, cujo pai antes de emigrar para a América também se dedicava ao ofício, ficando a família conhecida pela “Latoeiro”, e o Maciel, que da Horta veio quando a esposa D. Lídia Maciel foi colocada como professora primária na escola da Ribeira do Meio e aqui montou oficina de funileiro, como se dizia. Era um hábil artista. O último deles foi o Francisco Adelino da Silva que, deixando a oficina, ingressou na fábrica de Conservas, onde passou a exercer a profissão e foi um distinto artista.

Os tanoeiros, trabalhando com madeira de cedro, - hoje seria impossível ... – faziam os potes para a água, e os baldes para a tirar dos poços de maré e das cisternas, as canecas para trazer o leite das vacas, e, ainda, os socalcos para os socos para os tamancos que os homens, geralmente, usavam, quando em descanso, as celhas para os diversos usos domésticos, etc.

O ofício de ferreiro deve ter sido o primeiro exercido na Ilha. Segundo Frei Diogo das Chagas,(1) em 1506, os homens bons e mais oficiais da Câmara fizeram Postura para trazerem o ferreiro Gonçalo Anes para ilha, o qual foi contratado por quatro anos, recebendo dois moios de trigo e uma “casa tamanha como a casa da Câmara”. E foi esse artista que fez os pregos, as trancas, as fechaduras das casas que se iam construindo e, naturalmente, os utensílios para a Lavoura.

Lacerda Machado, comentando o facto, escreve: Hoje,(1936) pela emigração desordenada e pela importação das ferramentas de fabrico mecânico, o ofício de ferreiro está quase extinto, havendo apenas um as Lajes. Ainda me lembro de quem passava na “Ladeira dos Ferreiros”,na Silveira, hoje silenciosa, tinha a impressão de se aproximar de um arsenal, pelo ruído intenso dos alhos em sete oficinas (lojas de ferreiro), quase consecutivas. (2)

Com o desenvolvimento da actividade baleeira, as oficinas de ferreiro aumentaram. Lembro os diversos artistas com oficinas montadas: além dos mestres Constâncias, na Silveira, – uma geração de artistas, durante mais de um século, que terminou no dia 22 de Setembro passado, com o falecimento do mestre António Constância, - na Vila existiram as oficinas de Manuel Inácio Fagundes e de Manuel António Macedo e nas terras o Tobias da Rosa Soares, e o Francisco Rosa. Mas outros mais houve em quase todas as freguesias da Ilha. Recordo Manuel Jorge do Nascimento, de S. Roque do Pico, exímio artista, que se distinguiu, particularmente, na execução de peças várias para as traineiras da pesca do atum, quando esta actividade teve o seu auge, na década de quarenta /cinquenta.

No tempos antigos, não eram importados utensílios de cozinha. Valiam aqueles que eram feitos pelos funileiros em folha de Flandres (lata). E nisso eram bastante hábeis. Tachos, vasilhas para água ou leite, canecos, enfim, um sem número de utensílios. Nos últimos tempos apareceu a folha de zinco e com ela faziam os latoeiros os grandes recipientes para guardar o milho do ano. Mas uma nota a registar. Na época das matanças de porcos, reservava-se quase sempre uma parte da linguiça para mandar aos filhos, parentes ou amigos imigrados nos Estados Unidos. Os latoeiros faziam uns pequenos recipientes em folha de Flandres – latas lhe chamavam – onde se arrumava uma porção de linguiça, que depois era coberta com banha, e voltavam ao latoeiro para soldar a tampa. Um carpinteiro encaixava a lata numa grade de madeira e assim seguia o destino. Parece que algumas ficavam pelo caminho... Em troca vinham as “sacas com roupas e calçado”. E que apreciadas eram! Os avisos amarelos dos correios eram, ansiosamente esperados por toda ou quase toda a gente. Afinal, um meio de sobrevivência para muitas famílias sem recursos monetários.

Os ferreiros ou serralheiros, como também eram conhecidos, fabricavam, além dos arpões e lanças e outros utensílios para a indústria baleeira, as diversas ferramentas da lavoura, alviões e foices e outros mais, como as sachadeiras ou “caliveiras”, uma cópia daquelas que eram trazidas dos E.U., e os fogões de lenha, executados com arte, para as cozinhas, utilizando como modelos igualmente os que os emigrantes retornados traziam.

A oficina do mestre Manuel António Macedo encontra-se incorporada no Museu dos Baleeiros, tal como a deixou o seu proprietário.

Interessante era ver, na Primavera, e quando o trânsito se fazia pela rua Direita da Vila, pois a estrada Lajes-Piedade andava em papéis nas gavetas dos gabinetes ministeriais, grupos de moças da Almagreira e Silveira passar em ranchos, com as canecas à cabeça ou a tiracolo, com o leite tirado das vacas que pastavam nas Terras da Queimada ou outras, do lado Sul.

Raramente, esse leite era entregue na fábrica de lacticínios. A quase totalidade ficava em casa do lavrador e com ele se fabricava o autêntico, saboroso e especial “queijo do Pico”, quer para uso de casa quer para venda. E quão procurado era o nosso antigo queijo!

Tudo mudou. As actividades artesanais, digamos, desapareceram. Quase tudo se importa. Melhor ou pior?

____________

1) Frei Diogo das Chagas, “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”, 19089, pág- 518

2) F. S. Lacerda Machado,”História do Concelho das Lages” 1936, pág.113


Vila das Lajes,

22 de Nov. de 2011.

Ermelindo Ávila