sexta-feira, 31 de outubro de 2014

“IR AO NORTE”

A MINHA NOTA



Em anos passados não era agradável “ir ao Norte”. Tal expressão significava ser chamado a Tribunal, o que ninguém desejava. Demais, o Tribunal funcionava, normalmente, sem juiz de carreira. Os juízes substitutos e bem assim os delegados do Procurador da República, eram escolhidos pela Política vigente, o que nem sempre dava garantia de imparcialidade e justiça.
Mais tarde uma reforma judicial determinava que as funções de Juiz substituto fossem exercidas pelo conservador do registo predial ou, quando este funcionário não fosse efectivo, pelo conservador do registo civil.
O mesmo acontecia nos Julgados Municipais, nos quais os juízes “efectivos” eram, por inerência, os conservadores, e os subdelegados os notários.
O último dos Juízes substitutos, era o Presidente da Câmara, que, muitas vezes, se limitava a assegurar o funcionamento da instituição, mandando que os julgamentos finais “aguardassem a chegada do juiz proprietário”.
Extintos os julgados, concentrou-se todo o serviço judicial na comarca, o que não deixou de causar sérios prejuízos aos utentes, principalmente quando se tratava de inventários orfanológicos obrigatórios.
Era por isso que as pessoas do lado Sul da Ilha temiam “ir ao Norte”, onde estava a sede da comarca, tal como hoje acontece. Demais, o serviço judicial foi criado em S. Roque, não em razão da densidade populacional, mas porque o Sul não teve políticos que soubessem defender os seus direitos cívicos. Nesse aspecto o Norte foi mais bafejado e assim se mantém.
Também se ia ao Norte, no mês de Outubro, comprar castanhas, que ali abundavam. Ia-se e vinha-se, calcorreando veredas e atalhos, com pisos irregulares que dificultavam o caminhar. Um deles era o “caminho dos burros”. Descansava-se às “Mesas”, quase no fim do trajecto.
Mas hoje ninguém usa a expressão “ir ao Norte”, nem ninguém para lá vai a pé. O trânsito automóvel é bastante intenso, muito embora não haja transportes colectivos.
E há mesmo funcionários que se deslocam com rapidez de uma para a outra banda, consoante o emprego, percorrendo em meia hora a estrada que liga as duas sedes de concelho. E foi até para permitir a deslocação rápida entre o Sul e o Norte que a estrada se construiu.
Quando foi extinto o Julgado, na década de quarenta do século passado, os políticos que pontificaram em Lisboa, conseguiram que a estrada fosse imediatamente construída, retirando ao Sul o argumento da distância, uma vez que só existia uma ligação pela estrada litoral, da qual, a última fase – Lajes – Piedade - Prainha havia ficado concluída poucos anos antes. (Quase cinco séculos por ela se esperou! )
O engenheiro que veio estudar o traçado e elaborar o projecto, chamava à estrada transversal, a estrada política. Ele bem sabia o porquê dessa classificação...
Certo é que as populações do Sul têm de continuar a caminhar até ao Norte para dirimir seus direitos... À parte essa circunstância, as amizades intensificam-se e as relações sociais são exemplares.
E ainda bem que assim acontece. Como seria agradável que a população do Pico constituísse um todo harmónico e se respeitassem os direitos cívicos de cada núcleo populacional. Mas, afigura-se-me que isso está para tarde.
No Norte ou no Sul, no Leste ou no Oeste, nestes tempos que correm, em que a política é a parceira dominante, não falta quem dela se aproveite para manobrar e conseguir que os seus projectos ardilosamente preparados se executem...
Há sempre produtos mal usados que estragam o cozido...
Lajes do Pico,
15 de Outubro de 2014

Ermelindo Ávila

OS “ MISTÉRIOS “

NOTAS DO MEU CANTINHO

Testemunhas permanentes das erupções vulcânicas de 1718 e 1720 que assolaram a Ilha do Pico, destruindo habitações e calcinando terrenos, eles ainda aí estão presentes, sem proveito algum que deles se tire, a não ser a “lenha” ou o aproveitamento de um ou outro espaço para empreendimento de utilidade pública.
É tempo de se olhar para os Mistérios da Ilha do Pico e de se lhes dar o aproveitamento necessário, para que passem a ser úteis à população picoense.
António Cordeiro ( História Insulana, 1716) traz a notícia de que “no ano de 1572, a 21 de Setembro tremeu a terra no «baixo da ilha por espaço de um terço de hora, e com tais estrondos, que pareciam grandes peças de artilharia disparadas, e logo em um lago, e por cinco bocas arrebentou tal fogo que dele , e por polme ardente correu uma ribeira por espaço de uma légua, até meter no mar do Norte, e no mesmo mar formou uma entrada nele de um tiro de arcabuz, aquele grande cais de pedraria abrazada (...) do qual se serve a Vila de São Roque , que dista dela uma légua (...)”
Silveira de Macedo, por seu lado, informa que “...a lava correu em ribeira para o mar, formando um grande cais que ainda se conserva; tendo devastado extensas planícies de terra e casas na freguesia de Nossa Senhora d’Ajuda da Prainha do Norte, onde ficou um extenso mistério, tendo sido destruída a igreja paroquial”.
Não fala Cordeiro, naturalmente, das outras erupções que assolaram a ilha, pois o seu trabalho é superiormente aprovado dois anos antes (1716).
E dessas outras erupções (1718 e 1720), ficaram os Mistérios de Santa Luzia, São João e Silveira.
Essas grandes extensões de terreno, cobertas de arborização selvagem, pouca utilidade têm. Estão, presentemente, a cargo dos Serviços Florestais que vão aproveitando os pinheiros plantados nas bermas das estradas que atravessam, cujo plantação daquela espécie arbórea se ficou a dever à antiga Junta Geral do ex-Distrito.
No Mistério da Prainha há um empreendimento de utilização local.
Junto do Mistério de Santa Luzia, nasceu o Aeroporto do Pico. Há também um parque com construções urbanas para utilização de Serviços Públicos. Antes, a Junta de Freguesia de S. João havia instalado, no mistério situado entre aquela freguesia e a Terra do Pão, e no local onde existiu a igreja paroquial subterrada pela lava, o parque denominado “São João Pequenino”. Ali colocou um pequeno monumento a recordar o primitivo templo. No mesmo Mistério foi construído o Aterro Sanitário da Ilha. Recentemente, foram instalados no Mistério da Silveira o Matadouro Industrial e a fábrica de lacticínios da Ilha – Lacto Pico.
Mas é pouco, muito puco mesmo, para as grandes extensões da ilha há quase três séculos abandonadas.
Aqui há anos uma empresa industrial iniciou, no Mistério da Silveira, a construção de um campo de golfe, que não chegou a concluir. Os terrenos, depois de revolvidos, lá ficaram e estão sem aproveitamento.
Mais do que uma vez referi, nas minhas crónicas, a necessidade da conclusão do campo de golfe. Continuo a pensar que se trata de uma estrutura indispensável ao desenvolvimento do turismo na ilha do Pico. Seria algo mais do que um campo de tiro que o Governo construíu no Mistério de Santa Luzia.
Para o campo de golfe não carece de adquirir terrenos porque eles já existem. Prepará-los não será tarefa de muita monta. Segundo julgo, os Serviços Florestais, que administram os mistérios, dispõem da maquinaria necessária para a execução das obras do campo. Construi-lo seria um serviço público prestado à população e, simultaneamente, um aproveitamento interessante daqueles terrenos.
Demais, é só ver aqueles que existem por esse mundo fora, e que a TV nos mostra quase diariamente, onde se realizam torneios desportivos que atraem os magnates da fortuna, pois o golfe é um desporto, principalmente daqueles que beneficiam do privilégio de serem os donos das fortunas mundiais. E, onde há um campo de golfe, lá estão eles, com seus “servidores”, a manejar calmamente o taco e a bola...
O turista não vem praticar qualquer desporto, e a maioria das vezes, nem se interessa pela vigia dos cetáceos, pois, vistos uma vez, não mais interessa.
O golfe é um desporto diferente, selectivo, e que os praticantes “viciados” não mais abandonam.
É preciso rentabilizar os mistérios da ilha do Pico. Nem todos os seus espaços, mas alguns podiam ser urbanizados e neles se promover a construção de edifícios para habitação, comércio ou indústria e outros até arroteados para utilização da agricultura.
A Ilha tomaria outro aspecto e seria mais atractiva, em vez de continuar a ser um espaço selvagem, sem utilidade, quase abandonado...
Não seria proveitoso para a economia da ilha, tomar a sério o aproveitamento dos mistérios e nesse aproveitamento considerar a conclusão do campo de golfe?
Lajes do Pico,
13 de Outubro de 2014

Ermelindo Ávila

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

“LOTEAMENTO DA MARÉ”

NOTAS DO MEU CANTINHO


Na edição de 09 do corrente do semanário “ DEVER”, foi publicada a notícia da sessão da Assembleia Municipal, realizada no dia 30 de Setembro e nela se alude o Loteamento da Maré.
No mesmo texto se anuncia que “Após a aprovação por parte da Assembleia Municipal, seguir-se-á um período de apreciação e discussão pública sobre o mesmo”
Ao que julgo, trata-se do “Serrado de São Pedro”, onde está instalado há anos o “Parque de Campismo” e onde devia ter sido construído o edifício para a Escola Secundária, arredado da Vila, incompreensivelmente !...

O terreno é vasto e o loteamento vai permitir, concerteza, um aproveitamento racional do mesmo. Mas, nada se refere ao bairro anexo, onde se encontra a mais antiga igreja-ermida da ilha do Pico.
Na frente da ermida há um arruamento que se desenvolve para Norte e Sul. Em 1883, era a Rua de São Pedro, assim se denominava, onde viviam trinta e nove pessoas, em nove habitações. Hoje é muito diminuto o número de pessoas que lá residem e, mesmo assim, só no lado Norte e em habitações bem conservadas. As casas do lado Sul estão em ruínas, menos aquela onde funciona a Rádio Montanha, junto da ermida.
O estreito arruamento ainda lá existe e deve ser conservado como fazendo parte do património da vila.
Trata-se da zona mais antiga do burgo, aquela que se “desenvolveu” junto da pequena igreja e onde, naturalmente, habitou Frei Pedro Gigante, capelão dos povoadores e primeiro pároco da ilha.
Um pouco além, para Leste, existia a rua da Barra, que ficava a Norte da antiga “casa da escola”, depois oficina do Mestre António Fonseca, e que desapareceu com a construção do actual edifício da Escola Secundária. Não possuía habitações essa ruela e, pelo centro, corria uma grota que escoava as águas das ruas da vila e que ia vazar na lagoa da Maré.
Toda aquela zona foi completamente alterada com a construção da rua da Ladeira ou Rua Arantes e Oliveira, já que outro nome não lhe foi atribuído...
Ainda existe um troço empedrado, com “calçada à romana”, da antiga Ladeira da Vila. Nele ainda se descobriam, aqui e ali, os sulcos deixados pelos carros de bois que ali, diariamente, transitavam. O mesmo se verifica no que restou da antiga calçada da Maré, por fora da actual muralha de suporte da nova rua.
Num pequeno espaço, junto da habitação que pertenceu aos pais do P. Manuel Vieira Feliciano e que, depois, foi de Manuel Ermelindo dos Santos, existe um poço de maré que servia a população que habitava na Ladeira. O “bocal” que o protegia, está destruído. Importa restaurá-lo. É que os poços de maré são marcos históricos da vivência dos habitantes das Lajes. Ainda existem três ou quatro que não podem, nem devem ser abandonados. O da “Rochinha”, hoje incorporado na urbanização do antigo Juncal, devia ter uma placa: “Poço do contrabando”. (Já contei a história e não vou repeti-la). Faz parte da história lajense. Pois se ainda existe, a chegar ao “Meio da Vila”, como era conhecido o actual Largo General Lacerda Machado, a antiga “Rua do Poço”, hoje Rua Pe. Manuel José Lopes!...
A zona de São Pedro não pode nem deve desaparecer. Foi a primeira habitada, muito embora Fernão Alvares, primeiro homem que aportou à ilha, se tivesse ficado pela Ribeira da Burra e que, primitivamente, era conhecida pela Ribeira de Fernão Alvares. Uma história também já aqui narrada.
O chamado “Loteamento da Maré” não é fácil. Há que respeitar a tradição histórica da zona e conservar o que ainda existe.
As velhas casas da rua de S. Pedro, hoje em ruínas, devem ser restauradas e conservadas, dando-lhes a aplicação mais conveniente.
Que nada mais se construa na avoenga vila, como alguns a tratam, mas que ao menos se conserve aquilo que faz parte e dá continuidade à sua história de quase seis séculos.

Vila das Lajes do Pico
14 de Outubro de 2014

Ermelindo Ávila 

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

D. ARQUIMÍNIO RODRIGUES DA COSTA,BISPO EMÉRITO DE MACAU

NOTAS DO MEU CANTINHO

D. ARQUIMÍNIO RODRIGUES DA COSTA
BISPO EMÉRITO DE MACAU

No dia 6 do corrente celebrou o 65º aniversário da ordenação sacerdotal, o Bispo Emérito de Macau, D. Arquimínio Rodrigues da Costa.
Nascido na freguesia de S. Mateus, desta ilha, em 8 de Julho de 1924, ingressou no Seminário de Macau em 8 de Dezembro de 1938. Segundo me informou, quando há anos o encontrei em Macau, Mons. Manuel Teixeira, professor do Seminário e Historiador, D. Arquimínio foi o aluno mais inteligente e dedicado que lhe passou nas aulas.
Ordenado sacerdote, depois de um curso brilhante, foi nomeado professor de diversas disciplinas nos dois seminários –maior e menor – e Prefeito de estudos do Seminário Menor, sendo, depois, nomeado reitor do Seminário, em 15 de Fevereiro de 1955, em cujo cargo está pouco tempo, pois no ano seguinte, vem de licença graciosa aos Açores, mais propriamente à terra natal, a Ilha do Pico, e daqui segue para a Universidade Gregoriana, em Roma, onde faz, brilhantemente, o Curso de Direito.

Voltando a Macau, depois de concluído o curso universitário, é novamente nomeado Reitor e professor de várias disciplina.
Aquando do Concílio Vaticano II, substitui o Bispo da Diocese, D. Paulo Tavares, como Governador do Bispado, passando, em 1968, a reitor do Seminário Maior de Hong Kong.
Com o falecimento de D. Paulo, é eleito Vigário Capitular de Macau. A seguir vem aos Açores celebrar as Bodas de Prata sacerdotais e, no regresso, é nomeado Bispo de Macau, a 21 de Janeiro de 1976.
Dom Arquimínio continua a ocupar o seu pequeno quarto no Seminário,
O P. Tomás Bettencourt Cardoso, que teve o grande mérito de recolher, ao longo da sua estada na Diocese Macaense, como professor do Ensino Secundário, os textos de todos os Bispos açorianos que governaram aquela Diocese, durante o Século XX, escreve no que se refere a D. Arquimínio: “Padre - Bispo. Quando foi eleito, uma empregada do Seminário de S. José, passou a chamar-lhe Sanfou Chi Cau (Sanfou padre, Chi Cau –bispo)” .
É que ele não modificou em nada o seu modus vivendi. Continuou a residir no Seminário, aqui ao lado, num quarto modesto, como este em que me encontro. Em metros lineares,4 por 4.”
A propósito da promoção a Bispo de Macau, escreveu Dom José da Costa Nunes, já então cardeal da Santa Igreja :
A Diocese de Macau acaba de ser provida de Chefe na pessoa do Pe. Arquimínio. Acertadíssima nomeação. O nomeado não é do mesmo parecer. Deve estar aterrado com o sucedido, mas dentro de pouco conformar-se-á. Sem dúvida levará a efeito uma obra de valor, mas, possivelmente, ficará na História como último Prelado do Padroado do Oriente. -J. C. Nunes (23.01.1976)”
E ficou, de facto, na História.
Em 1983, vem de férias aos Açores e preside à Sagração da Igreja Matriz das Lajes do Pico. Depois volta a Macau.
Entretanto, em 10 de Junho de 1984, é agraciado com o grau de Grande Oficial da Ordem de Benemerência, pelo residente da República Portuguesa.
Em 13 de Setembro de 1986, a Universidade da Ásia Oriental de Macau confere-lhe o titulo de Doutor “Honoris Causa” em Filosofia; em 7 de Novembro de 1988 o Presidente da República Portuguesa condecora-o com o grau de Grã-Cruz da Ordem de Mérito.
A Santa Sé havia já aceitado o pedido de resignação do Senhor D. Arquimínio de Bispo de Macau, sendo substituído pelo bispo Coadjutor D. Domingos Lam.
D. Arquimínio Rodrigues da Costa regressa ao Pico, após a resignação, mas não deixa de voltar algumas vezes ao oriente a presidir a Conferências Episcopais, por solicitação e insistência dos Bispos respectivos.
Enquanto a saúde lhe permitiu, D. Arquimínio prestou as mais relevantes ajudas ao clero do Pico, confessando, pregando, celebrando e até servindo de organista quando o titular faltava. Por delegação do Bispo da Diocese administrou o crisma em diversas paróquias e por alguns anos.
Em Junho de 2012, a Assembleia Regional dos Açores atribui-lhe a Insígnia autonómica de reconhecimento. Nesse mesmo ano, no dia 6 de Agosto, Festa do Bom Jesus, é descerrado um busto, em sua homenagem, no adro da Igreja do Santuário um busto, oferecido pela Junta de Freguesia de São Mateus.
Mas, a doença chegou. Hoje é um enfermo, um santo enfermo, retido no leito da sua casa de São Mateus e entregue aos cuidados e carinhos familiares. Mesmo assim o clero do Pico não deixa de o visitar e assistir, e foi com sentimento e brilho que, no dia 6 celebrou com D. Arquimínio, os 65 anos de vida sacerdotal do notável e benemérito Homem do Pico e da Igreja.
Tive sempre por D. Arquimínio um respeito muito sincero e uma veneração muito elevada e sei e senti que ele me dispensava com muito carinho a sua benevolente amizade.
Justas, pois, as palavras respeitosas que aqui deixo a recordar uma vida tão operosa e benéfica como foi a do ilustre Bispo Picoense. Um Bispo de que o Pico muito se orgulha. O Última de uma geração que, durante o século XX, andou pelas terras do Oriente, em Macau, Timor, Goa: o Bispo Dom João Paulino de Azevedo e Castro, o Cardeal D. José da Costa Nunes, o Bispo Dom Jaime Garcia Goulart, o Patriarca Dom José Vieira Alvernaz, e o Bispo D. Arquimínio R. Costa, de facto o último, como vaticinou D. José da Costa Nunes.
Mas, durante o século passado, dois bispos micaelenses também andaram pelo oriente; o Bispo Dom Paulo Tavares, Bispo de Macau, onde faleceu, a 14 de Junho de 1973 e D. Manuel de Medeiros Guerreiro, primeiro Bispo de Miliapor e, depois, em Nampula - Moçambique, vindo a falecer à sua terra natal, a Lagoa.
_________

As notas biográficas aqui referidas foram recolhidas, com a devida vénia, do livro: Texos de D. Arquimínio Rodrigues da Costa, Macau, 1999, coordenação do Pe. Tomás Bettencourt Cardoso,

Lajes do Pico, 6 de Outubro de 2914.

Ermelindo Ávila

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

ANO NOVO...

A MINHA NOTA



Dois meses mais e o ano de 2014 estará no fim. Há cem anos a Nação vivia períodos atribulados, provocados pela abolição da Monarquia, que vinha de quase oito séculos, e pelo periclitante sistema republicano implantado cinco anos antes.
O regime parlamentarista, então estabelecido, era instável. Os governos sucediam-se, constantemente, e as revoluções eram quase uma prática diária. O sistema financeiro atravessava períodos graves que, aliás, já vinham da Monarquia.
Em 18 de Agosto de 1911, era aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, a nova Constituição que não evitou a instabilidade governativa e as escaramuças entre os partidos. E até, - pasmai!...- dentro dos próprios partidos!...
A Assembleia funcionava em contínuos sobressaltos e até em lutas agressivas entre os próprios deputados. Nem faltou o assassinato do Presidente da República Sidónio Pais, em 14 de Dezembro de 1918, e do qual Egas Moniz havia de dizer: “Homem cheio de virtudes e extraordinárias qualidades que um desvario messiânico perdeu”.
E foi nesta atribulada situação que surgiu a ditadura militar inteiramente entregue nas mãos dos militares, com um comando de baixo para cima, na expressão de um jornalista francês. (José Hermano Saraiva, in “HISTÓRIA concisa DE PORTUGAL”)
*
Parece que o País voltou aos primeiros anos da República. Não há, felizmente, revoluções armadas mas as manifestações de rua são contínuas. Os governos, apoiados nos partidos vencedores, não conseguem manter a estabilidade normal de um sistema democrático que foi a esperança dos portugueses.
As reformas implantadas são desastrosas e só estabelecem o pânico e empobrecimento da Nação. Dá-se o encerramento de estabelecimentos comerciais e industriais. Encerram-se serviços. Cresce o custo de vida. Consequentemente, surge um desemprego assustador. A juventude mais afoita emigra para qualquer parte onde encontre trabalho. Aqui há dias, a comunicação social trouxe a público o caso de uma licenciada numa Universidade que trabalhava em serviço de limpeza por não encontrar outro meio de vida para prover o seu sustento !...
Encerram as escolas, por falta de frequência. Centralizam-se os serviços judiciais, daí resultando a situação anárquica em que se encontra a Justiça, a dar fé pelo que os noticiários diariamente nos informam... Fecham-se os serviços de saúde, obrigando os doentes a procurar alívios em estabelecimentos situados a dezenas ou centenas de quilómetros de distância. Além disso aumentam-se as taxas moderadoras e diminuem-se os reembolsos aos doentes. Encerram-se os bancos e provoca-se a bancarrota com o “desaparecimento” das economias familiares. De tudo resulta a confusão económica que só provoca a fome e a miséria.
Há “buracos” por toda a parte e o país não consegue encontrar solução para os seus múltiplos problemas financeiros, sociais e económicos que atrofiam a vida dos portugueses.
Aparece uma Troika que, não conhecendo embora o País, impõe ao governo medidas desastrosas e asfixiantes como garantia do financiamento para que Portugal pudesse saldar o deficit internacional. Uma situação dramática com reflexos perniciosos em todos os sectores das vidas pública e particular.
E é nesta situação dramática que Portugal vai entrar em 2015 !...

Lajes do Pico,
Outubro de 2014
Ermelindo Ávila


A ERMIDA DAS TERRAS

NOTAS DO MEU CANTINHO




Vai caminhando para meio século de existência a Ermida do Imaculado Coração de Maria, vulgarmente conhecida por ERMIDA DAS TERRAS.
Como qualquer outro evento também tem a sua história. Há muito que representava uma necessidade flagrante, pois o lugar das Terras, subúrbio da vila das Lajes, constitui um núcleo habitacional com mais de duas centenas de habitantes.
Apesar da distância que a separa da sede da Paróquia, o povo das Terras foi sempre o primeiro a estar presente nos actos religiosos que se realizavam na Matriz, como ainda hoje acontece com as solenidades litúrgicas mais relevantes. Daí a necessidade da construção de uma ermida onde pudessem realizar os acto de culto. Foi em 3 de Abril de l970 que o então Ouvidor das Lajes (no tempo ainda existiam em funcionamento as três seculares ouvidorias do Pico...) procedeu à Bênção solene da nova ermida, por comissão do Bispo da Diocese, D. Manuel Afonso de Carvalho. Quase meio século é decorrido.
O primeiro casamento realizado na Ermida, construída em terreno doado por Luiza Silveira Furtado, foi celebrado em 31 de Outubro de 1970.
Os nubentes foram Manuel Moniz Cardoso Soares, natural daquele lugar e Maria Luiza Silveira, neta da doadora do terreno, onde foi implantada a ermida. É natural de Santa Bárbara mas, felizmente ambos encontram-se vivos e residem no lugar das Terras.
O primeiro baptizado, celebrado naquela ermida, no dia 3 de Agosto de l975, foi de um filho de José Adelino dos Santos Fagundes e de Maria de Fátima Simas Fagundes, natural da vizinha freguesia das Ribeiras e residentes também nas Terras. Recebeu o nome de Marco Aurélio.
É tradição realizar-se num dos domingos de Setembro a festa da titular, Imaculado Coração de Maria. Uma festa largamente concorrida e em cujo arraial aparecem normalmente muitos habitantes da vila.
Há imensas ofertas para arrematação a favor da ermida, sobressaindo as de batata-doce, um tubérculo originário da América e por cá muito apreciado.
No presente ano, a festa da titular da ermida das Terras, uma das mais esbeltas da ilha e com capacidade razoável para a população do lugar, vai realizar-se, com o mesmo entusiasmo e respeito de sempre, no dia 12 do corrente mês.
Creio que, em anterior nota já fiz referência circunstanciada ao lugar das Terras da antiga freguesia e paróquia da Santíssima Trindade, hoje somente das Lajes do Pico, ao modus vivendi do seu laborioso povo. Volto ao tema, sempre aliciante e oportuno, pois trata-se de um núcleo populacional em contínuo progresso. Excelentes moradias e uma vida social muito diferente daquela que se conhecia aqui há cinco ou seis dezenas de anos.
Perdeu a escola primária, por motivos demográficos, mas o respectivo edifício, construído de raiz, está entregue ao grupo do Corpo Nacional de Escuteiros, que lhe dá boa aplicação.
No centro do lugar, formando um núcleo importante de urbanização, conjuntamente com a ermida, foi construído um grandioso e óptimo edifício para sede da Sociedade Recreativa Alegria no Campo que tem fins recreativos, culturais e sociais. Ali convivem as pessoas do lugar, realizam as suas festas familiares e é no vasto salão, um dos mais amplos e esbeltos da ilha do Pico, onde são servidos, de cinco em cinco anos, os jantares do Espírito Santo, durante as chamadas “Domingas”, no seguimento de uma tradição que é quase única na ilha e que as famílias vêm mantendo, embora com sacrifício, mas com entusiasmo e respeito. Mas, normalmente, ali se servem as “Sopas do Espírito Santo” por motivos votivos dos residentes ou dos emigrantes que, para cumprir promessas, voltam à terra-mãe.
Como atrás referi, as habitações, na generalidade, foram modernizadas. Desapareceram os tradicionais carros de bois e quase todas, senão todas, as habitações possuem veículos motorizados como, afinal, está acontecendo em quase toda a ilha.
Um lugar pacífico onde não se conhecem causas dirimentes judiciais.
Localmente, não existe comércio de qualquer espécie. Mas as Terras tem uma Lavoura desenvolvida, que permite às suas laboriosas gentes um viver desafogado e feliz, dos melhores da ilha.
E por aqui fico, com uma saudação amiga e fraterna, ao povo das Terras como é conhecido.

Vila das Lajes do Pico,
Outº, de 2014
Ermelindo Ávila.


A ÁGUA

NOTAS DO MEU CANTINHO



A água foi sempre um elemento vital para o homem.
Quando os povoadores aqui aportaram, meteram-se por terra dentro à procura de poços de água. Só a encontraram nos poços das ribeiras. Daí, Fernão Alvares Evangelho, quando ficou abandonado na ilha, caminhou por entre montes e valados e descobriu a ribeira que havia de ficar denominada “ribeira de Fernão Alvares”, até que mais tarde foi designada por “ribeira da burra”, ali ao saínte da vila, e no princípio da Ribeira do Meio.
Confirmando esta tradição, conservou sempre o nome de Ribeira de Fernando Alvares a que, desde algumas dezenas de anos, estupidamente se chama da burra fazendo-se desaparecer da toponímia local uma expressão que representava apreciável vestígio histórico e veneração em memória do primeiro povoador, fundador da vila.” (1)
Como a ilha é falha de água nativa, colhiam-na das árvores, praticando um sulco em volta do tronco, com certa obliquidade relativamente ao eixo e no ponto mais baixo, com uma folha de árvore, improvisavam uma bica, por onde a água da chuva corria em cabaças e tinas.(...) As quartas de água, as bilhas, cântaros e infusas, foram substituídas pelos potes, canecas e canequinhas de cedro, ainda em uso...”(2) Isso hoje não seria possível, pela inexplicável proibição do uso do cedro que continua a abundar na ilha...
A partir de certa época, apareceram os oleiros a utilizar o barro, importado de Santa Maria.
Mais tarde, todas ou quase todas as habitações passaram a ter cisternas onde era recolhida a água para uso doméstico. Se construídas no campo eram providas com eirado. Algumas tinham os eirados com elevação ao centro. Daí serem conhecidos como “tanques de burra”. A maioria era junto das habitações e recebia a água que caía nos telhados.
Mas a carestia da água foi sempre um sério problema até meados do século passado. Utilizava-se nas cozinhas a água salobra extraída dos poços que, entretanto, se foram abrindo. Na vila das Lajes, quase todas as casas de moradia tinham poços de maré, como eram conhecidos. Havia-os, e ainda existem alguns poços públicos: na Maré, junto da ermida de S. Pedro e na Rochinha, junto ao actual Jardim da Baleia, na Pesqueira. Mas o mais procurado era o poço da Ribeira do Meio donde se extraía, com certas marés, água bebível que até servia para a lavagem de roupas. O mesmo acontecia com a água que brotava do muro da Mouraria.
Na vila das Lajes ainda existe uma rua vulgarmente conhecida por “Rua do Poço”. Mas o poço desapareceu “milagrosamente”, absorvido por uma construção efectuada no século XIX... Ficou a denominação...
Em outros lugares, como nas Terras, quase até às pastagens, utilizava-se a água que ficava nas ribeiras, quando estas corriam, depois de grandes chuvadas.
Depois veio-se a descobrir algumas fontes, nas zonas altas, que passaram a ser aproveitadas para uso culinário, e das quais ficou, junto à costa da Silveira, a Fonte, cuja análise laboratorial indica ter composição medicinal. A do Lendroal, que existia num terreno baldio adquirido, em leilão, por um particular, veio a ser expropriada pelo Município, nos anos sessenta, para ser utilizada na rede pública domiciliária que, entretanto, foi instalada.
No interessante trabalho As Lavadeiras, Suas Lidas e Maluqueiras a sua autora informa quais eram os locais, neste lado Sul da Ilha, que as populações utilizavam para a lavagem de roupas:
...a freguesia das Ribeiras, assim chamada por ser notório grande número de ribeiras ali existentes... Nas Lajes, recordo-me da Mouraria... Próximo do Portinho, durante a maré baixa, também corre um torno de água doce. Na Maré, ao lado do poço, havia uma pia que era outro local de lavar. Na Ribeira do Meio havia o poço de água salobra com uma área de lavar ao lado. Ainda lá existe. Na Silveira havia a Fonte ...e muito próximo o pólo do Rego. (3)
O Poço da Aguada, junto da casa do Beleza, na Silveira, ainda existe. E tantos outros poços, por esse Pico fora, cuja água servia, igualmente, para a lavagem de roupas.
Nos primeiros tempos do povoamento, recolhia-se, como atrás se indica, transcrevendo Lacerda Machado, a água da chuva. Ainda conheci grandes talhões de barro onde ela era armazenada somente para ser utilizada em casos de doença, como me dizia minha bisavó: Quando queríamos fazer um chá de ervas para algum doente, íamos a casa do Sr. Joaquim Maria, pois ela tinha grandes talhões onde guardava a água da chuva. Ainda conheci dois desses talhões.
Felizmente que tudo se modificou na década de sessenta do século passado. Estudos preliminares permitiram abrir furos artesianos, de dezenas de metros de profundidade, e colher a água que passou a ser distribuída pelas redes subterrâneas, entretanto instaladas. E hoje todas as habitações da ilha, salvo erro, dispõem de água canalizada, própria para consumo.

___________
1) Machado, D.S. Lacerda Machado, na “História do Concelho
das Lages”. 1936, pag.s 79/80
2) Ibidem
3) Simões, Maria Fernanda, “As Lavadeiras, Suas Lidas e Maluqueiras” E.U.A. 2008, pág.13-14

Lajes do Pico, 30-09-2014

Ermelindo Ávila