segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O MUNDO EM CRISE

São assustadores os momentos que vivemos. A crise financeira que, ao que se julga, principiou nos Estados Unidos, atingiu a Europa, e está a produzir os efeitos mais nefastos. Até aqueles que haviam amealhado grandes fortunas, dum momento para o outro, perderam milhões. Eles, porém e como vulgarmente se diz, não ficam “descalços”. No entanto a crise não deixa de reflectir-se, sobretudo, nos mais pobres e necessitados. E é ver o que se está a passar... Os créditos foram congelados (dizem que é por poucos dias...) os géneros sobem, os combustíveis, e a electricidade igualmente.
Para aqueles que têm compromissos a solver, a vida tornou-se um pesadelo.
As empresas construtoras vêem diminuir os empreendimentos públicos pela recessão dos orçamentos do Estado, da Região e das Autarquias. Daí surge, naturalmente, o desemprego dos trabalhadores da construção civil e não só. E o pior ainda, é que não encontram novas colocações.
Afinal tudo caminha para uma crise sem solução aparente, que teve início na Banca e se propaga vertiginosamente, para o Comércio e Indústria, para os empreendimentos públicos e para as próprias pessoas. E que vai ser de certas famílias, sem as habitações, sem os empregos , sem garantias de trabalho certo?!
Infelizmente, não é nova a crise, embora se apresente com contornos diferentes. Ciclicamente, elas acontecem. E as suas consequências são sempre as mais devastadoras.
Em 1930 uma crise financeira atingiu diversos estabelecimentos bancários dos Açores (para só a estas ilhas me reportar) e as falências sucederam-se, levando atrás de si outras actividades e economias familiares. Quem disso se não recorda? Houve quem viesse, anos decorridos, tomar a posição desses bancos e caixas mas os depositantes só receberam uma parte dos seus depósitos, ( 75% ?) depois de estarem anos vários sem receber quaisquer rendimentos ou juros. Famílias houve que ficaram seriamente atingidas pela crise e sem a totalidade dos seus depósitos, que eram fruto das suas economias domésticas, conseguidas à custa de muito trabalho e de grandes sacrifícios. Até emigrantes retornados ficaram quase na pobreza porque perderam uma boa parte das suas economias. Salvaram-se aqueles que, ao chegar, empregaram o seu dinheiro na aquisição de propriedades imobiliárias: pastagens e terrenos de semeadura. Outros tiveram de regressar às terras de origem para refazerem o seu património, e alguns por cá ficaram quase na miséria.
O falecido escritor picoense, Dias de Melo, no seu belo romance Pedras Negras, dá-nos, com grande realismo, uma panorâmica, do que foi a crise após a guerra 1914-1918. É a falência do Banco Nossa Senhora da Vida e a decadência de Francisco Marroco, o “Senhor Americano”, ao qual “tudo se desfez e perdeu: a alegria, a fortuna, o sonho, a vida que sonhara para os filhos”. E quantos Franciscos Marrocos não houve por essas ilhas?! Este capítulo de Pedras Negras é bastante realista e doloroso... Irá repetir-se?
Verdade é que os bancos desapareçam quase totalmente. Outros vieram mais tarde tomar-lhes a posição e desenvolver o negócio. É ver os que estão fixados por todos os “cantos” destas ilhas. Mas não são já pertença dos açorianos... Em trinta anos fizeram-se fortunas extraordinárias e talvez escandalosas. A esses milionários do século chegará a crise? Creio que a maior crise se vai reflectir naqueles que, iludidos com as facilidades de crédito - empréstimos a médio e longo prazo com baixos juros – vão sentir o “aperto”. E é pena. Foram esses que contribuíram para o desenvolvimento económico da Região, movimentando os fundos bancários, construindo novas habitações, criando novas empresas comerciais e industriais, reorganizando a economia com bases que pareciam sólidas, e proporcionando à Banca negócios avantajados que lhes permitiu alargar o crédito a novos empreendimentos e auferir proventos avantajados.
Não sou nem financeiro nem economista. Todavia a minha experiência de longos anos ensina-me que o momento actual pode ser uma repetição do que aconteceu na década de trinta do Século passado, cerca de oitenta anos decorridos. E como a experiência nos ensina que a história repete-se, julgo que a geração actual tem à sua frente um gravíssimo problema que só será resolvido com muito critério e sacrifícios de não poucos. E estes, normalmente, reflectem-se, como sempre, mais intensamente, nas classes remediadas e pobres.
Que me engane eu!
Vila das Lajes.
14 de Outubro de 08
Ermelindo Ávila

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

UMA LOTA ORIGINAL!...

Num dos meses do Verão foram inauguradas as obras realizadas no porto interior (lagoa) da vila das Lajes e, conjuntamente, a muralha (parte) de defesa a cortina da Vila. Aplaudimos os trabalhos realizados mas nunca deixamos de referir que tais obras, principalmente a muralha, ficavam incompletas, pois é indispensável dar-lhe continuidade para Sul, até ao Calhau Grosso, ao menos, para que a Vila fique resguardada dos temporais de Sul, Sudoeste e Oeste, bastante frequentes.
Não se completou o troço de muralha entre o muro do Caneiro e a muralha de defesa ora construída, dizem que por falta de projecto que, entretanto, estava a ser elaborado...
O porto interior ou lagoa, não foi aquilo que estava inicialmente projectado: amarrações para setenta embarcações que ficaram reduzidas a cinquenta. Mas nem assim, pois a prancha central foi modificada, retirando-se-lhe as guardas transversais afim de serem amarrados os barcos de vigia de baleias, e neles puderem embarcar os visitantes...
Nem o fundo do agora porto interior, nem mesmo o do porto exterior agora “criado”, foram devidamente regularizados, obrigando as embarcações a desvios na entrada, que não deixa por isso de ser perigosa.
Já aqui deixámos o nosso agrado pelas obras realizadas, mas antes de se conhecerem algumas das mazelas que posteriormente
vieram a ser detectadas. Todavia, porque logo vieram ao conhecimento público, não posso nem devo deixar de aqui registar o meu reparo.
Não há sinais de se vir a construir definitivamente o troço de muralha que a Empresa Empreiteira lançou para a circulação dos seus veículos, durante as obras, e que lá se encontra ainda embora obstruído a evitar que os veículos e as pessoas atinjam o molhe exterior.
No início do muro de acesso ao cais, antigo caneiro, foi construída, pela Câmara Municipal, há cerca de trinta anos uma casa
para Lota, que sempre funcionou a contento quer dos pescadores quer dos compradores pois reunia as condições de higiene e laboração. E até no Inverno era utilizado pelos pescadores e outros parceiros, para as tardes de lazer...
Com as obras do chamado “porto de recreio”, ou “marina”, como alguns dizem, houve que destruir o edifício da Lota. Os respectivos serviços e pessoal foram transferidos ou incorporados nos serviços da Madalena, onde é já prática corrente concentrar tudo o que existia nesta Vila, naturalmente para lhe dar maior grandeza...
A vila das Lajes foi privada do serviço de lota ou, melhor dizendo, da possibilidade de adquirir peixe no seu porto, onde ainda existem mais de duas dezenas de embarcações de pesca local.
E a propósito: ainda me recordo das grandes pescarias de chicharro que se faziam no “limpo”, zona da baía das Lajes onde aquela espécie se concentrava em grandes cardumes. Esse pescado era tratado no areal que existia na Lagoa antes da construção da nova muralha (1936). Depois de tratado era vendido ou seco para a troca de géneros ou uso no Inverno. Outros tempos, dirão...
Agora o pescado é concentrado na actual Lota (a de Santa Cruz das Ribeiras também deixou de existir ?) e, depois de cumpridas as formalidades legais, posto à disposição dos vendilhões que, geralmente, se desembaraçam do pescado antes de chegarem às Lajes.
E neste vai-e-vem o peixe que resta, percorreu 70 quilómetros”!...
Além dos lajenses serem privados de ter peixe fresco, como estavam habituados desde que a ilha é povoada de gente. Ficam sujeitos a adquirir peixe congelado, que não é nem será nunca da qualidade do fresco.
Está anunciada, para 13 do corrente mês, a inauguração da nova peixaria na Vila das Lajes: um contentor, pintado de fresco, instalado ao lado do edifício da escola do primeiro ciclo, para funcionar das 7,30H às 11,30H de cada dia, naturalmente com o pescado da véspera ou congelado. Não será?
Não deixa de ser um tanto frustrante a situação. Ou serei apenas o único que neste imbróglio não tem razão?
Julgo que a Vila das Lajes merecia melhor tratamento, pelo seu passado histórico, pelos seus honestos e dignos pescadores que ainda os há e de excelente qualidade profissional e pelas suas gentes em geral, nada inferiores aos seus vizinhos.
Isto, entenda-se, sem deixar de realçar as obras realizadas no porto.
Custa escrever crónicas deste teor mas também é difícil suportar tanto atropelo aos direitos e à dignidade pessoal e profissional dum povo digno e laborioso como é e sempre foi o da MINHA TERRA.
É por esse meu povo, porque a ele pertenço, e só pela defesa dos seus direitos legítimos, que ainda aqui estou.
Vila das Lajes,
11 de Outubro de 2008
Ermelindo Ávila

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

FÉ E SENTIDO

Nos recenseamentos da população, ordinariamente realizados de dez em dez anos, os inquiridos tinham de responder (ainda terão?) qual a religião que professavam. A grande maioria dos portugueses declarava ser católica, embora alguns esclarecessem que não eram praticantes.
Raros eram os casamentos civis, e a ninguém era proibido fazê-los. Quase todos os jovens optavam pelo casamento católico. Além do mais, uma tradição de longos séculos e que ninguém contestava, embora tivesse liberdade para o fazer.
Todavia, mais de um século decorrido, algo era bem diferente. Quem examinava os roteiro paroquiais raramente encontrava um freguês que não tivesse cumprido os preceitos da Igreja Católica. E podemos mesmo acrescentar que, v.g., no ano de 1878 – há precisamente cento e trinta anos, a população da freguesia da Santíssima Trindade, Ilha do Pico, era constituída por 1141 indivíduos do sexo masculino, 1575 do sexo feminino e 541 eram de idades inferiores a sete anos. No total, 3257 indivíduos. Curioso referir que, nesse ano, estavam ausentes ou emigrados, vinte e sete maridos.
Todos os que estavam na idade canónica de cumprirem os preceitos pascais o haviam feito sem qualquer excepção.
Este pequeno preâmbulo vem a propósito do livro “Entre o Culto e o Sentido – Fé professada, calculada e vivida em meio urbano” que o Professor da Universidade dos Açores, Doutor Octávio H. Ribeiro de Medeiros acaba de publicar.
Na “Introdução” escreve o Autor: “Em Portugal a percentagem de católicos é agora de 89,9% - 9,4 milhões de pessoas. Contudo, segundo o Recenseamento da Prática Dominical de 2001, o numero total de praticantes não chegou aos 2 milhões de fiéis.”
Para esta descida preocupante de praticantes da Religião Católica, o Autor apresentou diversas causas e recorda as palavras de ordem segundo o Papa: ”É precioso mudar o estilo de organização da comunidade clerical portuguesa e a mentalidade dos seus membros para se ter uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do clero e do laicado, tendo em conta que todos somos um, desde quando fomos baptizados e integrados na família dos filhos de Deus, e todos somos corresponsáveis pelo crescimento da Igreja."
Na realidade, há um desinteresse, uma apatia da parte da família católica que está a concorrer para a desintegração da própria Igreja local.
Fazem-se as festas tradicionais com alguma concorrência mas mais presente nos actos externos...
“Legalizam-se” situações aberrantes dos indivíduos, com reflexos naqueles que se confessam (confessavam) católicos. E julga-se natural certas práticas que antes eram atentatórias da dignidade humana.
Fé e Sentido”, com 266 páginas de texto, é um trabalho exaustivo de estudo e análise da época sócio-religiosa em que vivemos; trabalho bastante documentado com gráficos e dados estatísticos, que termina com esta afirmação do douto Mestre da “Sociologia Católica Açoriana”: “Na sociedade actual, a valorização do hic et nunc, vai dominando cada vez mais a vida fazendo com que a vivência do homem moderno tarda a circunscrever-se em coordenadas humano-temporais, dando origem a uma forma diferente de ser homem, empenhado em outras buscas e entregue a outras esperanças, de preferência intra-mundanas.”
A hora que se vive é de autêntica tribulação. Não se assume a responsabilidade da prática de determinados actos e vive-se num labirinto de incertezas e contrariedades, de consequências bastante funestas.
O Mundo, o mundo que nos fica ao pé da porta, abandonou os seus dogmas essenciais e entregou-se ao desvario, à apatia dos seus próprios valores.
Um materialismo bárbaro transformou-se em pseudo doutrina privilegiada, mas pertinente.
Quando voltará o homem a ocupar o seu lugar numa sociedade honesta, disciplinada, respeitadora dos valores sagrados, que transforme a iniquidade em valores humanos, dignos e capazes de promoverem uma vida de respeitabilidade, seriedade, responsabilidade e amor?
Vila das Lajes,
11 de Outº de 2008
Ermelindo Ávila

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

BOTOS E POMBAS

O Escritor faialense, Ernesto Rebello, nas “Notas Faialenses”, publicadas no “Arquivo dos Açores”(1886) dedica o capitulo XIX do seu notável trabalho, à caça dos “Botos e Pombas”,na Vila das Lajes. E para cá chegar, ao cair da noite, da Madalena às Lajes, levou nada menos de “nove horas de jornada”.
Na alegre perspectiva daquela povoação, maxime para quem vem fatigado e batido de chuvas e ventanias, acrescendo ainda que nessa ocasião estávamos no fim do inverno, que os dias bons eram ainda raros e que uma nortada aguda nos fazia assoprar nos dedos e embrulhar aconchegadamente nuns cobertores de lã, que nos haviam emprestado pelo caminho.
Os nossos companheiros de jornada eram um rapaz da vila, que tinha ido ao Faial, donde regressava, por causa do recrutamento, um homem da Madalena, que tinha a seu cargo os dois péssimos burros que montávamos e um cão rafeiro, de raça ordinaríssima, que durante todo o caminho matara, na serra, dois coelhos, dos quais o arrieiro logo se apoderara, e pela estrada vários ratos de enormes proporções.”
E não continuo a transcrição, para aqui dizer o que Ernesto Rebello nos narra da caça aos botos e pombos.
Botos são o que a moderna Ecologia chama Golfinhos e que era caçados para deles extrair o óleo ou azeite que alimentava as candeias...A sua carne não era utilizada, ao contrário da toninha cuja carne era uma das peças basilares da alimentação dos picoenses. Mas deixemos essas histórias que causam engolios aos actuais ecologistas...
No entanto, só esta afirmação de E.R.:”Os lajenses dão certa solenidade a esta pesca”. E não só.
Quantas pessoas, de diversas origens, se deslocavam à Vila das Lajes para assistir à caçada”!
Não menos interessante a narrativa da caça ao pombo da rocha na qual tomou parte Ernesto Rebello que, referindo o companheiro Francisco e a irmã Maria, que o acompanharam, faz esta afirmação:
Agradeci-lhe muito a bela noite que me havia feito gozar e atrevi-me a oferecer à pequena Maria uma moeda de seis tostões”.
Desapareceram os pombos da costa mas, em suas substituição trouxeram para o pombo trocaz, culturas uma espécie prejudicial às culturas como se tem verificado ultimamente.
Mas, porque não caça ao coelho bravo que prolifera por esses campos, atravessa as estradas com grande desfaçatez e tudo destrói onde entra. E dizem os prejudicados agricultores e vinhateiros que basta um coelho para destroçar uma vinha. Eles por ai andam despreocupadamente nesses campos que vão-se tornando em autênticos matagais.
Há anos houve quem teve a infeliz ideia de trazer para cá os pardais, que acabaram por dar cabo, quase completamente, do antigo canário cujo canto, no campo em manhãs primaveris ou nas casa que os recolhiam, tudo alegravam com seu trinado.
Mas hoje refiro o torcaz, uma espécie que quase não existia e que, para regalo dos caçadores, para cá trazido livremente, sem qualquer protesto ou impedimento legislativo da entidade fiscalizadora, ao que nos consta.
A Ilha do Pico vai-se tornando uma verdadeira coitada onde amanhã somente poderão ocupa-la as aves selvagens, mas não todas, pois até o milhafre, que aqui se alimentava do rato, vai desaparecendo.
As cagarras, com a sua musica rofenta, em noites escuras, vai desaparecendo. O pombo da costa não existe. Mas teima-se em introduzir outras espécies prejudiciais às culturas para que não faltem boas peças aos praticantes da caça.
Vila das Lajes,
1 de Outº de 2008
Ermelindo Ávila

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

PROFESSOR DIAS DE MELO

A notícia chegou-me rápida. Não a esperava e por isso enorme foi a surpresa e a mágoa que senti, muito embora o soubesse bastante doente.
A última vez que falámos, ao telefone, já era difícil entender a sua fala. Depois soube que saía a passeio, curto embora, mas que deixara de escrever. Naturalmente, fiquei preocupado pois sabia que tal atitude era sinal de curta existência.
Morreu o escritor, professor José DIAS DE MELO, um homem que levou a sua vida a cultivar a literatura, a escrever prosa e verso e, sobretudo, a utilizar a baleação como tema apaixonado.
Como poucos escreveu muito sobre a saga baleeira. As três dezenas de livros que deixou isso confirma. O último, A MONTANHA COBRIA-SE DE NEGRO é, com certeza, o seu canto do cisne.
Ainda este verão esteve no Pico, para assistir ao Império da Trindade, na sua freguesia, a Calheta de Nesquim. Na freguesia de São Mateus, onde passava semanas, na sua adolescência e juventude, quando a Tia Professora ali leccionava, foi-lhe prestada uma homenagem – a mais bonita que lhe fizeram, no seu próprio dizer.
Quando cá vinha, não se esquecia de passar por esta casa que conhecia desde a juventude. Nem que fossem escassos minutos. “Vou todas as semanas à vila, às Lajes, encontrar-me com os amigos que lá tenho...”, Poeira do Caminho – Reminiscências do Passado, Vivências do Presente” -2004, p. 211. E não falhava.
Dias de Melo escreveu muito. Era a sua grande paixão. Acompanhava-o o gravador e o bloco de notas. Em casa, na Rua de São Gonçalo, ou no Alto da Rocha do Canto da Baía, uma pequena mesa lhe servia para a máquina de escrever e, mais recentemente, para o computador, a que se afeiçoara como bem poucos. Embora de idade octogenária, tinha um espírito lúcido, jovem mesmo, como bem poucos, que sabia analisar os acontecimentos com uma clarividência extraordinária.
Milhas Contadas foi um dos seus livros preferidos. Julgo que a história triste dele e da Esposa, que falecera muito nova. Depois veio Poeira do Caminho, onde ficaram registadas Reminiscências do passado e vivências do presente.
No Poeira do Caminho escreveu: “ Será Milhas Contadas o meu último livro? Não sei.
“De qualquer modo, sem o deixar da mão, comecei e trabalho neste novo livro de alguns dias, poucos, para cá. Caso o chegue a acabar, gostaria de conseguir um livro diferente, escrito com temas vários anteriormente pensados ou, e principalmente, que me surgissem na altura do próprio texto ou, mais importante, da vida vivida no dia-a-dia, ou por mim no meu o próprio passado, ou por outros, vivos ou mortos, no passado deles e a que eu próprio tenha assistido ou que por eles, ou por outros me tenham sido contados.
” (pág. 19).
E não foram os últimos livros. Como disse, há “A Montanha Cobria-se de Negro”, que somente foi distribuído no Pico e, creio que, no Faial. E talvez outros escritos... pois Dias de Melo não parava de escrever. Tinha esse vício, nobre vício!
José de Melo, como era conhecido na sua freguesia natal – a Calheta de Nesquim, deste Pico que ele tanto amava - não teve tempo para mais... Deixou, todavia, uma obra notável e rica de cultura e de saber. Alguns dos originais dos seus livros ofereceu-os a amigos...
Dias de Melo partiu. Tinha as “milhas contadas” . Mas deixou uma obra literária que muito tarde será igualada. Dedicou-a, principalmente, à baleação pois o mar era a sua grande paixão. Como diria o José Garcia Tavares, que Dias de Melo recorda em Poeira do Caminho (pág.123): “Depois de tudo o que tem escrito sobre nós, os homens do mar, em barco de que eu seja mestre, o senhor não compra nenhum peixe, diz o que precisa e leva-o . E não me fale em pagamentos que me ofende.”
É cedo ainda para lembrar a extraordinária, notável e volumosa obra do Escritor e Poeta, Professor José DIAS DE MELO. Como disse, cerca de trinta volumes. Uma autêntica “Biblioteca”.
E mais não posso escrever. Perdi um Amigo. Amigo que, quando na sua Cabana do Pai Tomás, no Alto da Rocha do Canto da Baía, me visitava semanalmente.
Aqui deixo, comovido e sentidamente, este singelo ramalhete de violetas, a José DIAS DE MELO, Amigo de muitos anos, nem eu sei quantos...
Vila Baleeira,
24 de Setembro de 2008
Ermelindo Ávila