sexta-feira, 16 de março de 2018

NA PÁSCOA ESTAMOS…


NOTAS DO MEU CANTINHO

Vive-se o silêncio da Quaresma.
Por estas bandas não é habitual a realização das romarias como acontece na ilha de São Miguel. No entanto realizavam-se, durante as Domingas Quaresmais, diversas procissões próprias do tempo litúrgico. No primeiro domingo era a procissão da Penitência, com o Senhor Morto e diversos andores com imagens de Santos de Penitência. Até havia um casal, Santa Delfina, se não estou em erro e o marido, Santo Ildefonso, se não estou em erro, e no terceiro domingo a procissão de Passos. À noite os devotos percorriam aos grupos os mesmos passos, fazendo suas preces.
No Domingo de Penitência comemorava-se a crise sísmica que ocorreu nesta Ilha nos anos de 1718 – 1720 (está a decorrer o terceiro centenário) e que tão devastador foi para a Ilha, obrigando a uma emigração precipitada para o Brasil.
A Semana Santa era celebrada com grande esplendor litúrgico, havendo matinas cantadas na Quinta e Sexta Feiras Santas. A população, geralmente católica, acorria a estes actos com recolhimento e devoção.
Uma das razões que levava a igreja a celebrar a Semana Santa com tão grande aparato residia no facto de haver muito clero disponível que auxiliava no canto e na pregação.
Hoje, de facto, isso não acontece levando o povo a tornar-se ausente dos brilhantes actos litúrgicos que terminavam com a grande Procissão da Ressurreição realizada esplendorosamente no Domingo de manhã a encerrar o cerimonial.
Tudo agora é muito diferente. A população, por estes lados, diminuiu, tem além disso outras obrigações e para a realização das cerimónias já não existe o clero suficiente. Outras razões haverá mas julgo que estas são as principais. De referir que até à Semana Santa os paroquianos cumpriam o dever Pascal, subindo à igreja paroquial para esse preceito. Assim, o que praticamente resta da Semana Santa são um ou outro cerimonial litúrgico e uma ou outra procissão.
Sinais dos tempos - dirão. Sinal da indiferença religiosa que o mundo atravessa - direi…
Lajes do Pico, 6 Março de 2018
E. Ávila

segunda-feira, 12 de março de 2018

REGISTOS, A PROPÓSITO


NOTAS DO MEU RETIRO

Volto no ritmo que me é possivel (e o leitor que desculpe a deficiência…) a este meu instrumento de trabalho (quando posso ainda trabalho…), para rabiscar umas notas referentes a assuntos que bailam constantemente no meu pensamento e que desejaria tratá-los com a devida clareza e erudição, o que já não é possível.
Durante muitos anos, as ruas, canadas e veredas tinham o nome que a tradição lhes atribuía: Rua Direita, Rua do Conde, do Conselheiro, etc.
A vila das Lajes, sob o aspecto toponímico, tem a classificação merecida. Estão assinalados os sítios principais com placas que elucidam os transeuntes das zonas onde se encontram. Para além destas, existem monumentos e bustos, e os nomes de ruas passaram a ser utilizados para homenagear certas personalidades ou registar acontecimentos notáveis. É desta forma que aparecem por cá as ruas já referidas e outras como a Rua do P. Xavier Madruga, o Largo General Lacerda Machado e outros mais.
O primeiro monumento a ser erguido data de 1940, um cruzeiro dedicado à Independência e Restauração de Portugal. Trata-se de uma obra, com projecto do desenhador António Garcia, trabalhada em basalto da Terra, por Artistas lajenses, e inaugurada em 1 de Dezembro de 1940. Uma placa que nela existia indicava a razão da sua colocação. O camartelo, como em outros feitos, encarregou-se de a retirar, talvez porque, desde a sua colocação ou aquisição, apresentava umas fendas, sem prejuízo da leitura dos dizeres…
É tempo de voltar a colocar a que lá se encontrava, ou outra, não interessa. O monumento tem de estar assinalado. Assim é um desleixo que não se pode consentir. E não há responsáveis?
Todos devem respeitar os bens públicos.
Em 1960, na Maré, local onde desembarcou o primeiro povoador, foi levantada pela Câmara Municipal uma coluna a lembrar o feito dos portugueses, em 1 de Dezembro de 1640, por cópia da que existe no Monte Brasil, em Angra do Heroismo, da autoria de António Garcia Pedro, lajense radicado naquela cidade.
Mais recentemente, entendeu a autarquia, alterar o monumento, demolindo-o e passando a uma coluna de quatro faces.
Como monumentos nacionais devidamente classificados, conserva-se também a Ermida (antiga paroquial) de S. Pedro e o Castelo (Forte) de Santa Catarina.
No Largo Lacerda Machado presta-se homenagem a dois insignes lajenses, com a ereção dos respectivos bustos: Bispo de Macau, Dom João Paulino de Azevedo e Castro e General Francisco Soares de Lacerda Machado. Da Toponímia lajense, além de outros, fazem parte os nomes de Garcia Gonçalves Madruga e do Vigário Gonçalves Madruga, a quem foram confiscados os bens pela justiça de Castela.
Outras homenagens deviam ser prestadas, se o espaço fosse maior e apropriado… Mesmo assim, trata-se de uma plêiade ilustre de personalidades e acontecimentos que prestigiam e enaltecem a história do pequeno burgo, o primeiro que, na segunda ilha maior e a mais alta de Portugal, foi instalada por gentes do Infante. Um acontecimento relevante da História que não pode ser esquecido, nem ignorado.


Lajes do Pico,
28 Fev.2018
E. Avila

domingo, 4 de março de 2018

DO MEU SENTIR


Crónicas da minha ilha

De vez em quando, sou surpreendido com o título de qualquer outro jornalista ou colaborador, muito embora ao seu e erudito Director, o consagrado jornalista e escritor, Padre Xavier Madruga se fique a dever a criação deste “cantinho” a cujo autor sempre procurei prestar homenagem.
Outro refiro hoje, aqui, para lembrar os notáveis trabalhos que nos deixou o Historiador probo e respeitado e não menos erudito, o Gen. Lacerda Machado. Escreve o distinto Lajense: “À falta de forno, cozeram na laje o pão rudimentar das suas refeições frugais, e mais tarde o bôlo (…); assavam a carne no borralho; o funcho substituiu a hortaliça, que inda não houvera tempo de cultivar, ou de que faltavam sementes, uso que ainda subsiste, pôsto que raramente; inventaram môlhos, gratos ao paladar, para suprir a falta do azeite de oliveira, tardia em frutos, costume que perdura, pois só recentemente se começou a tentar a sua cultura.” (1)
Mais: até tarde, durou o primitivo, principalmente nos quintais, junto das habitações.
A Leste da Vila das Lajes muitos procuram o funcho como hortaliça alimentar. Como hortaliças, outras ervas se iam descobrindo nas hortas e nos terrenos baixos, que entraram no catálogo das plantas preferidas.
Logo se foram construindo os fornos caseiros (para a cozedura do bolo - pão da época). Outros fornos construiram os lavradores, ao lado daquele, muito maiores em área, para a secagem do milho colhido nas terras dos proprietários. (Conheci dois: um grande e o outro pequeno ainda em uso semanal).
Já há muitos anos que deixou de utilizar-se a “Burra” para guardar o milho, com a capa de casca, destinado ao consumo familiar. Passou a ser arquivado em barricas ou “arquibancos” nas próprias residências.
Com a cultura do trigo modificaram-se alguns usos domésticos, passando o trigo a ser utilizado em boa parte da ementa caseira, pois é sabido que o milho cá apareceu depois de descoberto nos Estados Unidos da América e, de lá, para aqui importado.
As atafonas ou instrumentos de triturar o milho até ficar em farinha, devem ter sido trazidos pelos povoadores - refiro a atafona e o moinho de vento. Nas cozinhas existiam as pequenas atafonas para moer a cevada. As atafonas movidas pelo “gado da porta”, serviam para a farinação do trigo e do milho e para acudir à falta de pão.
Além dos géneros de produção local já indicados, usava-se não somente as carnes extraídas dos diversos animais, como ainda o peixe cozinhado de diversas formas.
Nesta zona Pico o peixe é bastante utilizado pela população e faz excelentes “pratos”. Lembro o caldo de peixe fresco, que não só os lajenses, como até os visitantes apreciam.
Aqui há umas dezenas de anos chegou a esta vila um casal com filhos, que aqui se fixou, cujo chefe vinha exercer funções oficiais. Voltando à Metrópole um dos filhos tornou-se jornalista e, numa das suas crónicas, escreveu sobre o caldo de peixe. E usou esta expressão ou outras idênticas – foi há tantos anos!: ”Caldo de peixe como o que se cozinhava na vila das Lajes do Pico, nunca mais encontrei!”.
    1)Lacerda Machado, História do Concelho das Lages, 1991, pag. 78.
Lajes do Pico, 15 Fev. 2018
E. Ávila