segunda-feira, 26 de outubro de 2015

LENHAS E COMBUSTÍVEIS

CRÓNICAS DO MEU CANTINHO


Dou-lhe este título como podia dar-lhe outro, talvez mais apropriado. Mas vai o primeiro que saiu do teclado, pois, neste caso, o título pouco importa.
Até meados, ou pouco antes, do século passado, as donas de casa cozinhavam com lenha colhida nos prédios do alto. Era uma trabalheira para a conseguir. Tinha de ser cortada com antecedência de alguns meses e, depois, trazida em feixes à cabeça das mulheres, aos ombros dos homens, nos burros ou cavalos ou em carros de bois, para as residências e nelas preparada (aturada) para os lares.
Aqui nas Lajes as terras do alto, a Leste do burgo, só produziam lenhas, (faias e incensos) como ainda hoje. A lenha, depois de cortada ficava a secar e, quando própria para ser utilizada, era preparada em pequenos feixes, ou molhos, e atada a uma roldana de ferro, e esta a um fio que ligava o alto ao quintal da habitação. Normalmente era ao entardecer, no fim do trabalho, que os operários faziam os pequenos feixes e os enviavam pelo fio para as residências. O deslizar da roldana no fio produzia uma réstia de fogo durante o percurso. Para a miudagem, era um regalo ver o deslizar precipitado dos pequenos molhos. Com a construção da estrada Lajes - Piedade (1943) os fios que tinham forçosamente de atravessar a estrada, foram retirados.
O fogo para as cozeduras era mantido no “lar” e a grelha, ou trempezinha que nele se colocava, suportava os “caldeirões” e tachos onde eram cozinhados os alimentos. Depois apareceram as achas trazidas em carros tirados por um só animal bovino, pelos carreiros da freguesia de S. João, que abatiam a lenha no interior do Mistério onde ela (faias e incensos) ia crescendo. Geralmente, nos chamados dias úteis, o Manuel de Simas e o Inácio traziam à vila os seus carros tirados, cada um por um animal bovino, com achas, normalmente meio milheiro, para fregueses certos. Todos os dias vinham às Lajes com os seus carretos e, na volta, levavam os géneros que lhes haviam sido encomendados. Um serviço útil e simpático.
As achas, para serem utilizadas nos fogões, tinham de ser cortadas ao meio e desse trabalho se encarregava o Jaime (Jaime Teixeira) que outra coisa não fazia. E que fragoso era !...
As achas, passaram a ser utilizadas, principalmente, nos fogões vindos dos Estados Unidos ou importados do continente, até que os ferreiros locais os foram construindo à semelhança daqueles.
Continuaram, porém, e ainda hoje são utilizados, os fornos a lenha onde são cozidos o pão e o bolo e outros manjares e até assada a carne de vaca.
A meados do século surgiram os fogões a gás e, a partir daí, foram desaparecendo os fogões a lenha. As cozinhas passaram a ser providas de fogões a gás ou eléctricos. As salgadeiras, onde se conservava o peixe e a carne, foram substituídas pelas “arcas frigoríficas” e pelos frigoríficos.
Mas, recuando um pouco, e antes que fossem instaladas as redes eléctricas, ou mesmo existisse à venda o petróleo, as casas eram iluminadas com velas de cebo e, depois, de esteriarina e as cozinhas, normalmente, com candeias de azeite de moleiro, toninha, ou albafar. Raro era utilizarem óleo de baleia. Mesmo nas casas de abegoaria, onde nos serões do Outono decorria a desfolhada, a candeia servia para a ofuscada iluminação. Quando era “espevitada”, havia um dito popular: “O que cai da candeia de cima fica na candeia de baixo.”
O cheiro não era nada agradável e a luz muito ténue, mas os candeeiros a petróleo ainda não tinham cá chegado.
É por isso que, ainda na década de vinte, o Administrador do Concelho fez publicar um Edital determinando que o derretimento das carcaças de toninha ou boto só poderia fazer-se a partir das nove horas da noite. Era a hora do recolher. A partir dessa hora não era permitido andar pelas ruas. A Câmara dava sinal, no sino próprio. E até houve um tempo, ainda no século dezanove, que o sino avariou e o presidente da Câmara oficiou ao vigário da Matriz pedindo para ser utilizado o sino da igreja a fim de anunciar a hora de recolher...
Os tempos eram outros. Hoje seria muito diferente.
Quando o petróleo apareceu, a vila passou a ser iluminada com candeeiros a petróleo, até que um pobre louco, conseguindo fugir do recinto onde se achava detido, encontrou no caminho um carro de bois estacionado junto à moradia do proprietário, retirou de lá um fueiro e passeou pela vila partindo alguns dos candeeiros que já então iluminavam as ruas até à hora de recolher. A partir de então, e até que surgisse a electricidade (1932 ?) andou a vila às escuras...
E por hoje, aqui fico.
Lajes do Pico,
13 de Outubro de 2015.

Ermelindo Ávila

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