sábado, 1 de fevereiro de 2020

ANGRA DOS ANOS TRINTA



Lembrei-me, caros leitores, que era importante recuperar algumas das crónicas escritas por meu pai.


Esta tem um cunho especial: foi feita a meu pedido para que ele recordasse os seus tempos de estudante no Seminário de Angra, precisamente nessa década. Por acaso, não se encontrava neste blog.

NOTAS DO MEU CANTINHO

Até meados do século XX, as ilhas açorianas eram terras quase ignoradas. Poucos eram os contactos que as suas gentes tinham com o exterior e, muitos açorianos nasciam, viviam e morriam sem conhecer a ilha que lhes ficava fronteira.


A navegação era escassa, pois os dois barcos da Empresa Insulana de Navegação que explorava a rota Lisboa – Madeira - Açores só saíam da capital duas vezes no mês. Por cá, inicialmente, eram os vapores de doze e de vinte e oito, dias em que chegavam a esta ilha.


Raramente, um dos barcos da Frabe Line – normalmente o “Sinaia”, passava no porto de Angra, pois a sua rota era Providence, (nos Estados Unidos) – Horta - Ponta Delgada - Lisboa.


Uma vez passou em Angra o “Saturnia” e o jornalista, convidado pela agência a visitar o barco, escrevia, admirado: É uma verdadeira cidade flutuante. Foi tal o assombro que lhe causou o luxo do transatlântico.


Valiam os barcos do Pico que, no verão, percorriam as ilhas do Grupo Central e Oriental. Primeiro a lancha “Calheta” e, depois, o “Ribeirense”, a seguir o “Andorinha”, para terminar no “Terra Alta” – “Terrialta” como vulgarmente era conhecido. E que alegria causava aos picoenses, ou picarotos, residentes em Angra, a chegada de um barco do Pico! Mas muitos dos angrenses também não faltavam, principalmente, para receberem notícias de S. Jorge a que alguns estavam ligados ou somente para assistir ao movimento do porto.


Certa ocasião, o “Andorinha” preparava-se, ao entardecer, para viajar para Ponta Delgada. Estava acostado ao Cais do Porto de Pipas. Terminada a manobra, iniciou muito lentamente a marcha e ia rodando a ponta do Cais, rumo a S. Miguel, quando um cavalheiro, caminha para a beira do molhe e diz: Mestre José Gaspar, pode trazer-me de S. Miguel uma dúzia de laranjas? Sim, Sr. João Baldaia, foi a resposta. Este um caso apenas de entre muitos outros idênticos.


Angra, apesar do isolamento, era uma cidade onde ainda existia e se respeitava certa aristocracia. Ainda conheci algumas senhoras irem à Missa dominical da Sé em coche puxado por dois lindos cavalos e com cocheiro de chapéu de pelo e luva branca.


Mas, mau grado o isolamento com o exterior, Angra tinha uma vida social e cultural intensa. Além de Famílias distintas que conservavam com certo orgulho as tradições do seu passado, tinha um ambiente cultural distinto, mercê das personalidades que por lá existiam.


Não dispunha, ao tempo, de grandes estabelecimentos comerciais mas tinha diversos e de variados ramos. A Loja do Atanásio era o centro de reunião da melhor sociedade angrense. Na Livraria Editora Andrade, à rua Direita, reuniam os intelectuais. E recordo o Tenente Coronel José Agostinho, o Dr. Luís da Silva Ribeiro, o Dr. Henrique Braz, o escritor Gervásio Lima, o Dr. Francisco Lourenço Valadão Jr., Maduro Dias, João Costa Moniz, Raimundo Belo, Dr. Cândido Forjaz, Dr. Manuel de Sousa Menezes, e tantos outros, que ali publicavam seus livros, apreciavam as recentes publicações e analisavam a vida intelectual.


E havia comerciantes de grande prestígio. Recordo Manuel Borges de Ávila, Manuel Magalhães, Basílio Simões, casa de atacados, e moagem de farinação de trigo e o sr. Pereira, da Rua Direita, o Lourenço. E tantos mais.


Luís Ribeiro, além de advogado, funcionário administrativo e etnógrafo distinto, era um grande violinista e crítico musical. E falando de música, lembro Tomás Borba, Henrique Vieira, com a sua orquestra, o Pe. José de Ávila e o orfeão do Seminário, estabelecimento de ensino de grande prestígio cultural pelos Mestres de que dispunha: Dr. Bernardo Almada, Dr. José Pacheco Bettencourt, Dr. Cardoso do Couto, Dr. António Vasconcelos, Dr. Garcia da Rosa, Cónego Pereira, Pe. Costa Ferreira e outros mais.


Desse prestigiado grupo de intelectuais surgiu mais tarde o Instituto Histórico da Ilha Terceira, presidido pelo Dr. Luís da Silva Ribeiro.


Mas a cidade não se ficava pelos seus habitantes e actividades económicas, sociais ou literárias. Eram notáveis as reuniões do Clube Musical, do Lawn Tennis Club ou da Cozinha Económica, para não referir o Teatro Angrense.


Subir à estrada de S.to António do Monte Brasil, ou à Memória; deixar para trás o histórico burgo e entrar no Jardim Público e acolher-se às suas frondosas árvores ou gozar o perfume deleitante do imenso roseiral que vicejava no relvado viçoso e lindo, além de outras espécies raras, tudo carinhosamente cuidado pelo antigo jardineiro, uma pessoa simpática e acolhedora, e, ao domingo, assistir aos magníficos concertos da Banda Militar; voltar às ruas do histórico burgo e ir até ao Pátio da Alfândega e aí encontrar alguns amigos ou conterrâneos, que os havia, gozar o espectáculo das bonançosas águas da esbelta baía ou tentar assistir à chegada de algum barco do Pico, anunciado pelo “facho”, e portador de alguma notícia familiar; quem não recorda esta cidade que, justamente, é hoje Património Mundial?


Angra do Heroísmo era assim nos anos trinta. Recordo-a com um misto de saudade, embora nem tudo nem todos possa aqui lembrar. São passados tantos anos...





Lajes do Pico,


Julho de 2014.










Ermelindo Ávila

domingo, 3 de junho de 2018

Biobibliografia de Ermelindo Ávila




Ermelindo Ávila (de seu nome completo: Ermelindo dos Santos Machado Ávila), nasceu na vila das Lajes do Pico (Açores), a 18 de Setembro de 1915. Faleceu a 25.05.2018. Filho de Elvira Ermelinda dos Santos Madruga, n. a 31.01.1893 e f. a 25.09.1980, e de Francisco Machado Ávila, n. a 14.08.1895 e f. a 21.05.1968.
Casou nas Lajes do Pico em 15.02.1943, com Olga Lopes Neves, n. a 12.08.1914 e f. a 28.06.1982, filha de Mariano Emílio Lopes Neves e de Maria Soares Ávila, onde reside.
Do casal nasceram nove filhos: Paulo Luís, Helena Maria, Maria da Graça, José Gabriel, António Manuel, Rui Pedro, Carlos Emílio, Maria Angela e Olga Maria.
Ermelindo dos Santos Machado Ávila, fez o curso de Preparatórios e 1º ano de Filosofia no Seminário de Angra (1927-1932).
Entre 1938 e 1954, foi ajundante do Cartório Notarial e dos serviços de Registos e do Notariado.
Em 1940 foi nomeado Administrador do Concelho das Lajes do Pico e Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal.
Em 1941 é nomeado Presidente da Câmara do mesmo concelho de cujas funções foi exonerado por divergências políticas.
Ingressou no quadro administrativo da Câmara Municipal das Lajes do Pico em 1954. Em 1963 foi nomeado chefe de secretaria da Câmara Municipal da Madalena e, em 1967, foi transferido na mesma categoria para a Câmara Municipal das Lajes do Pico.
Ao longo de toda a sua carreira encarou a função administrativa municipal como um serviço devotando às populações da sua terra e da sua ilha o seu maior empenho e entusiasmo na resolução de simples problemas particulares e pugnando pelo progresso e melhoria das condições de vida dos seus conterrâneos junto das instâncias dos poderes distritais, locais e, por último, regionais.
Aposentou-se, em 1984, como assessor autárquico do Município das Lajes do Pico, tendo recebido a medalha de prata do concelho, pelos serviços prestados durante 46 anos.
Nas comemorações do V Centenário do Concelho das Lajes do Pico, foi-lhe entregue a chave número um do Município.
Em simultâneo com as funções administrativas, Ermelindo Ávila, exerceu uma constante presença na imprensa escrita e depois na rádio regional e local.
Entre 1938 e 1954 foi editor do Semanário O DEVER, onde iniciou a sua colaboração jornalística em 1932. Desde então, mantém, uma crónica semanal no jornal fundado e dirigido pelo distinto jornalista Pe Xavier Madruga.
Nesses escritos, Ermelindo Ávila aborda a problemática da sua terra, recorrendo aos dados históricos que ajudam os leitores, não só a conhecer a história local, como também a entenderem a evolução dos acontecimentos em análise.
Com o intuito de dar a conhecer a História das Lajes e do Pico, efectuou ainda conferências nos Açores, Estados Unidos e Canadá, em Congressos, Seminários e celebrações várias.
Ao longo de um século, Ermelindo Ávila foi também correspondente do jornal O SÉCULO e do DIÁRIO DE NOTÍCIAS de Lisboa.
Durante muitos anos foi cronista dos jornais: CORREIO DA HORTA, A UNIÃO, O TELÉGRAFO, CORREIO DOS AÇORES, AÇORES, revista AÇORIANÍSSIMA, RÁDIO CLUBE DE ANGRA e dos programas Canal-Pico e Manhãs de Sábado do EMISSOR REGIONAL DOS AÇORES/RDP-AÇORES. Colabora, regularmente, para além de O DEVER, no JORNAL DO PICO, DIÁRIO DOS AÇORES, no Portal A DIÁSPORA.COM e em algumas rádios locais.
Tem trabalhos dispersos por várias publicações nas áreas da história, etnografia e cultura locais.
Uma tão grande atividade sócio-cultural foi reconhecida publicamente por entidades nacionais, regionais e locais que lhe atribuíram as seguintes insígnias:
Comendador da Ordem de Mérito, (Presidência da República);
Insígnia Autonómica de Reconhecimento (Assembleia Legislativa Regional dos Açores);
Medalha de prata do Concelho das Lajes do Pico e
Chave número 1 do Município das Lajes do Pico (Município das Lajes do Pico).

É Sócio fundador de:
Sociedade da Língua Portuguesa, Núcleo Cultural da Horta, Sociedade de escritores Açores-Madeira, Clube Desportivo Lajense e Associação de Bombeiros Voluntários das Lajes do Pico.

É ainda sócio de: Sociedade Histórica da Independência de Portugal, Instituto Cultural de Ponta Delgada, Sociedade Afonso de Chaves, Instituto Histórico da ilha Terceira, Instituto Açoriano de Cultura, Sociedade Filarmónica Liberdade Lajense, Associação de Bombeiros Voluntários das Lajes do Pico, Clube Desportivo Lajense e irmão da Santa Casa da Misericórdia das Lajes do Pico, da qual foi Provedor e a quem coube a construção do Hospital.

Livros publicados:

. Crónicas e contos de Natal do avô Ermelindo, Edições Letras LAVAdas, 2018
  • A Matriz da Santíssima Trindade das Lajes do Pico, Edições Letras Lavadas, 2017
  • Culto Mariano na Ilha do Pico, 2016
  • Nossa Senhora de Lourdes, 2015
  • A Terra e o Mar. Crónicas do meu sentir, Edição “Companhia das Ilhas”, 2015
  • LAJES DO PICO - Primeira povoação da ilha, Publiçor, 2011
  • Album da Ilha do Pico, Publiçor, 2010
  • Figuras § Factos vol II, 2005
  • Crónicas da minha Ilha, vol II, 2002
  • Sociedade Filarmónica Recreio Ribeirense 1900-2000, 2000
  • Concelho das Lajes do Pico, 1997
  • Emigrados Imigrantes, 1996
  • Crónicas da minha Ilha, 1995
  • Um picoense Imigrante nos Estados Unidos da América - Herói nas Lutas contra os Índios-sep.Rev.Insulana do ICPD
  • Por terras do Oriente, 1993
  • Figuras § Factos - Notas Históricas, 1993
  • Semana dos Baleeiros/1992(conferências) coordenação de E.Avila,1993
  • Comunicações e Transportes-sep. Rev Insulana ICPD,1992
  • As Festas da Vila -Semana dos Baleeiros,1992
  • Um Século de Baleação-Museu dos Baleeiros das Lajes do Pico-sep.Rev.Açoreana,SAC,1992
  • Temática Baleeira na Literatura Açoriana, sep. tev.Insulana ICPD,1991
  • Conventos franciscanos da Ilha do Pico, Notas Históricas, 1990
  • No Centenário do Nascimento do Tenente-Coronel José Agostinho-duas palavras de homenagem, sep.BIHIT,1988
  • Ilha do Pico - suas origens e suas gentes (Notas Históricas),1988
  • A Ilha do Pico - Crises económicas, sep.BIHIT, 1988
  • Centenário de São Francisco de Assis-O franciscanismo na Ilha do Pico-sep BIHIT, 1986
  • Emigrados Imigrantes, 1983
  • Lourdes nas Lajes do Pico:1883-1983, 1983
  • Dr.Luis Ribeiro - (um testemunho simples) Sep.BIHIT,1982
  • John (Portugee) Phillips - Herói português em Terras Americanas, Sep.BNCHorta,1962
  • Ilha do Pico (Roteiro histórico e paisagístico),1979

sexta-feira, 16 de março de 2018

NA PÁSCOA ESTAMOS…


NOTAS DO MEU CANTINHO

Vive-se o silêncio da Quaresma.
Por estas bandas não é habitual a realização das romarias como acontece na ilha de São Miguel. No entanto realizavam-se, durante as Domingas Quaresmais, diversas procissões próprias do tempo litúrgico. No primeiro domingo era a procissão da Penitência, com o Senhor Morto e diversos andores com imagens de Santos de Penitência. Até havia um casal, Santa Delfina, se não estou em erro e o marido, Santo Ildefonso, se não estou em erro, e no terceiro domingo a procissão de Passos. À noite os devotos percorriam aos grupos os mesmos passos, fazendo suas preces.
No Domingo de Penitência comemorava-se a crise sísmica que ocorreu nesta Ilha nos anos de 1718 – 1720 (está a decorrer o terceiro centenário) e que tão devastador foi para a Ilha, obrigando a uma emigração precipitada para o Brasil.
A Semana Santa era celebrada com grande esplendor litúrgico, havendo matinas cantadas na Quinta e Sexta Feiras Santas. A população, geralmente católica, acorria a estes actos com recolhimento e devoção.
Uma das razões que levava a igreja a celebrar a Semana Santa com tão grande aparato residia no facto de haver muito clero disponível que auxiliava no canto e na pregação.
Hoje, de facto, isso não acontece levando o povo a tornar-se ausente dos brilhantes actos litúrgicos que terminavam com a grande Procissão da Ressurreição realizada esplendorosamente no Domingo de manhã a encerrar o cerimonial.
Tudo agora é muito diferente. A população, por estes lados, diminuiu, tem além disso outras obrigações e para a realização das cerimónias já não existe o clero suficiente. Outras razões haverá mas julgo que estas são as principais. De referir que até à Semana Santa os paroquianos cumpriam o dever Pascal, subindo à igreja paroquial para esse preceito. Assim, o que praticamente resta da Semana Santa são um ou outro cerimonial litúrgico e uma ou outra procissão.
Sinais dos tempos - dirão. Sinal da indiferença religiosa que o mundo atravessa - direi…
Lajes do Pico, 6 Março de 2018
E. Ávila

segunda-feira, 12 de março de 2018

REGISTOS, A PROPÓSITO


NOTAS DO MEU RETIRO

Volto no ritmo que me é possivel (e o leitor que desculpe a deficiência…) a este meu instrumento de trabalho (quando posso ainda trabalho…), para rabiscar umas notas referentes a assuntos que bailam constantemente no meu pensamento e que desejaria tratá-los com a devida clareza e erudição, o que já não é possível.
Durante muitos anos, as ruas, canadas e veredas tinham o nome que a tradição lhes atribuía: Rua Direita, Rua do Conde, do Conselheiro, etc.
A vila das Lajes, sob o aspecto toponímico, tem a classificação merecida. Estão assinalados os sítios principais com placas que elucidam os transeuntes das zonas onde se encontram. Para além destas, existem monumentos e bustos, e os nomes de ruas passaram a ser utilizados para homenagear certas personalidades ou registar acontecimentos notáveis. É desta forma que aparecem por cá as ruas já referidas e outras como a Rua do P. Xavier Madruga, o Largo General Lacerda Machado e outros mais.
O primeiro monumento a ser erguido data de 1940, um cruzeiro dedicado à Independência e Restauração de Portugal. Trata-se de uma obra, com projecto do desenhador António Garcia, trabalhada em basalto da Terra, por Artistas lajenses, e inaugurada em 1 de Dezembro de 1940. Uma placa que nela existia indicava a razão da sua colocação. O camartelo, como em outros feitos, encarregou-se de a retirar, talvez porque, desde a sua colocação ou aquisição, apresentava umas fendas, sem prejuízo da leitura dos dizeres…
É tempo de voltar a colocar a que lá se encontrava, ou outra, não interessa. O monumento tem de estar assinalado. Assim é um desleixo que não se pode consentir. E não há responsáveis?
Todos devem respeitar os bens públicos.
Em 1960, na Maré, local onde desembarcou o primeiro povoador, foi levantada pela Câmara Municipal uma coluna a lembrar o feito dos portugueses, em 1 de Dezembro de 1640, por cópia da que existe no Monte Brasil, em Angra do Heroismo, da autoria de António Garcia Pedro, lajense radicado naquela cidade.
Mais recentemente, entendeu a autarquia, alterar o monumento, demolindo-o e passando a uma coluna de quatro faces.
Como monumentos nacionais devidamente classificados, conserva-se também a Ermida (antiga paroquial) de S. Pedro e o Castelo (Forte) de Santa Catarina.
No Largo Lacerda Machado presta-se homenagem a dois insignes lajenses, com a ereção dos respectivos bustos: Bispo de Macau, Dom João Paulino de Azevedo e Castro e General Francisco Soares de Lacerda Machado. Da Toponímia lajense, além de outros, fazem parte os nomes de Garcia Gonçalves Madruga e do Vigário Gonçalves Madruga, a quem foram confiscados os bens pela justiça de Castela.
Outras homenagens deviam ser prestadas, se o espaço fosse maior e apropriado… Mesmo assim, trata-se de uma plêiade ilustre de personalidades e acontecimentos que prestigiam e enaltecem a história do pequeno burgo, o primeiro que, na segunda ilha maior e a mais alta de Portugal, foi instalada por gentes do Infante. Um acontecimento relevante da História que não pode ser esquecido, nem ignorado.


Lajes do Pico,
28 Fev.2018
E. Avila

domingo, 4 de março de 2018

DO MEU SENTIR


Crónicas da minha ilha

De vez em quando, sou surpreendido com o título de qualquer outro jornalista ou colaborador, muito embora ao seu e erudito Director, o consagrado jornalista e escritor, Padre Xavier Madruga se fique a dever a criação deste “cantinho” a cujo autor sempre procurei prestar homenagem.
Outro refiro hoje, aqui, para lembrar os notáveis trabalhos que nos deixou o Historiador probo e respeitado e não menos erudito, o Gen. Lacerda Machado. Escreve o distinto Lajense: “À falta de forno, cozeram na laje o pão rudimentar das suas refeições frugais, e mais tarde o bôlo (…); assavam a carne no borralho; o funcho substituiu a hortaliça, que inda não houvera tempo de cultivar, ou de que faltavam sementes, uso que ainda subsiste, pôsto que raramente; inventaram môlhos, gratos ao paladar, para suprir a falta do azeite de oliveira, tardia em frutos, costume que perdura, pois só recentemente se começou a tentar a sua cultura.” (1)
Mais: até tarde, durou o primitivo, principalmente nos quintais, junto das habitações.
A Leste da Vila das Lajes muitos procuram o funcho como hortaliça alimentar. Como hortaliças, outras ervas se iam descobrindo nas hortas e nos terrenos baixos, que entraram no catálogo das plantas preferidas.
Logo se foram construindo os fornos caseiros (para a cozedura do bolo - pão da época). Outros fornos construiram os lavradores, ao lado daquele, muito maiores em área, para a secagem do milho colhido nas terras dos proprietários. (Conheci dois: um grande e o outro pequeno ainda em uso semanal).
Já há muitos anos que deixou de utilizar-se a “Burra” para guardar o milho, com a capa de casca, destinado ao consumo familiar. Passou a ser arquivado em barricas ou “arquibancos” nas próprias residências.
Com a cultura do trigo modificaram-se alguns usos domésticos, passando o trigo a ser utilizado em boa parte da ementa caseira, pois é sabido que o milho cá apareceu depois de descoberto nos Estados Unidos da América e, de lá, para aqui importado.
As atafonas ou instrumentos de triturar o milho até ficar em farinha, devem ter sido trazidos pelos povoadores - refiro a atafona e o moinho de vento. Nas cozinhas existiam as pequenas atafonas para moer a cevada. As atafonas movidas pelo “gado da porta”, serviam para a farinação do trigo e do milho e para acudir à falta de pão.
Além dos géneros de produção local já indicados, usava-se não somente as carnes extraídas dos diversos animais, como ainda o peixe cozinhado de diversas formas.
Nesta zona Pico o peixe é bastante utilizado pela população e faz excelentes “pratos”. Lembro o caldo de peixe fresco, que não só os lajenses, como até os visitantes apreciam.
Aqui há umas dezenas de anos chegou a esta vila um casal com filhos, que aqui se fixou, cujo chefe vinha exercer funções oficiais. Voltando à Metrópole um dos filhos tornou-se jornalista e, numa das suas crónicas, escreveu sobre o caldo de peixe. E usou esta expressão ou outras idênticas – foi há tantos anos!: ”Caldo de peixe como o que se cozinhava na vila das Lajes do Pico, nunca mais encontrei!”.
    1)Lacerda Machado, História do Concelho das Lages, 1991, pag. 78.
Lajes do Pico, 15 Fev. 2018
E. Ávila

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

INVERNO E PRIMAVERA


CRÓNICAS DO MEU SENTIR


Vamos a meio do Inverno. As colheitas já se fizeram e, nas casas da lavoura, principalmente, prepara-se o ano novo. Toda a gente está voltada para a grande tarefa de preparar e arrumar os cereais, principalmente o milho, que vai constituir a grande parte da alimentação das famílias agrícolas. Uma tarefa exaustiva que ocupa a maior parte da estação outonal. Já ficou para trás, mas é saboroso lembrá-la nestes últimos meses do ano, pois nem todos se apercebem do valor económico que representa, para a família agrícola, o colher e armazenar esse precioso cereal que bem recente é na mesa da família agrícola (repete-se).
Não é intenção referir a idade do milho que aqui apareceu já depois destas ilhas do Atlântico andarem povoadas. Deixo isso para o grande escritor português, Júlio Dinis que tão bem soube descrever, no seu excelente livro de crónicas – A Esfolhada – os trabalhos de recolha e desfolha do milho em casa do lavrador. Aliás, este sistema de recolha, esfolhada ou desfolhada e armazenamento é muito semelhante, ou quase, ao que por estas ilhas, na generalidade, se pratica. Mas vale a pena recordar.
Para o dia da apanha do milho são convidados os familiares, os antigos lavradores e alguns amigos.
O dia da “apanha” era, na realidade um dia festivo, com refeições melhoradas, por vezes confeccionadas na própria propriedade, se nela havia casa de recolha. De contrário tudo acontecia na residência do proprietário.
Cada acto da desfolhada era um motivo de festa. No prédio produtor, arrumam-se as maçarocas para os carros de bois, depois de devidamente empilhadas e enfeitadas com arcos de verdura em sinal de festa. Os carros, em cortejo, se são dois ou mais, caminham (caminhavam) em fila, ao som do “guinchar” dos eixos. Hoje já isso não acontece. O chiar dos carros deixou de ser permitido, quando um surto de febres assolou a vila nos anos Vinte. Então, o administrador do concelho obrigou-se a publicar editais proibindo o chiar dos carros. Para o evitar, passaram a usar sabão azul em substituição do cebo, como era usual.
À chegada a casa havia sempre recepção festiva. Os acompanhantes eram normalmente “brindados” com aguardente e licores e figos passados e doces. Nas noites seguintes, tinham lugar as “esfolhadas”, já relatadas em notas anteriores.
Hoje, praticamente, não há desfolhadas. Passando por esses campos encontram-se relvados transformados, somente, em campos de silagem. Os gados desapareceram e os poucos que existem parece que estão destinados à exportação. Daí que a indústria de lacticínios esteja, praticamente, a desaparecer. Até quando? Não estará aí a crise da lavoura, que muitos anunciam?
Vila das Lajes,
Fev-2018
E. Ávila

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

REGRESSO…

                                   REGRESSO….

Há muitos anos que não dava notícias. A mãe, a esposa e sua filhinha que acabara de nascer após o casamento, não o conheciam. Partira numa noite esplendorosa da Primavera, num dos primeiros navios a motor que por aqui passaram, com viagem paga aos Furtados, em moeda nacional.
Fora para não mais dar noticia suas…
A filha foi crescendo naquele tugúrio que nenhum conforto tinha. Uma casa antiga, com tecto de telha corrida, por onde o vento entrava desalmadamente nas noites de Inverno, e nem havia água canalizada, nem electricidade. Na cozinha continuava a candeia alimentada a azeite de toninha. No quarto de dormir, única sala existente, uma vela de cebo e, por vezes de estearina. Tudo muito pobre e rude.
Ao canto deste pequeno cubículo, uma mesinha, em cima, uma estampa de Nossa Senhora de Fátima e no centro uma pequena Imagem do Menino Jesus, mal enroladinho.
No inverno o frio era terrível e as três tinham de deitar-se cedo, envoltas num cobertor de lã de ovelha, tecido nos anos em que a avó era ainda moça. Normalmente, dormiam vestidas pois não suportavam o frio da noite.
O outro filhinho do casal morrera de desinteria, há algum tempo, após o embarque do pai.
Os emigrantes que regressavam à terra não sabiam dar notícias do João das Grotas, pois nunca se encontraram com ele nas terras de Imigração. É que o João chegara a Montevideu e metera-se por terra dentro – para o interior – e deixara de contactar com os conterrâneos. O mesmo com a mulher e mãe. Um silêncio tenebroso que obrigou-as a andarem trajadas de preto, como as viúvas.
A mãe trabalhava nas casas vizinhas para angariar sustento. A mulher empregara-se como mulher a dias e, nos intervalos, trabalhava na fábrica do peixe. A filha, já crescida, frequentava a escola primária, e nos intervalos fazia mandaletes às famílias vizinhas….
Todavia, nos domingos e dias santificados não deixavam nunca de cumprir os seus deveres religiosos e a filha, com vestes emprestadas, fizera a Comunhão Solene. Todos tinham pena das três mulheres, mas mais não lhe podiam fazer porque a terra também era habitada por gente pobre.
Mas, um dia, aconteceu o imprevisto…
+++
Chovia torrencialmente há dias. As pessoas mal podiam sair de casa. Nem à novena…Era já noite de Natal. A Igreja, como acontecia habitualmente todos os anos, estava iluminada. Os sinos da torre da velha igreja da paróquia, tocavam festivamente e aproximava-se a meia noite - a Meia Noite de Natal, quando a Igreja Católica celebra o Nascimento do Menino Jesus, em Belém, há mais de dois mil anos. À igreja iam chegando somente aqueles que tinham meios de condução. Os outros ficavam por casa esperando que o tempo abrandasse para irem à Missa do Galo.
As mulherzinhas, entretanto, recolhidas num canto junto ao lar a saborear umas sopas mal cozidas e pior temperadas, ouvem bater à porta, apressadamente e ficam muito preocupadas. O bater insiste e uma voz do exterior chama apressadamente: - Ó Izabel, abre a porta, está aqui teu marido!... Era a voz do vizinho e compadre que a chamava. O marido chegara na última camioneta da carreira e estava ali, junto dele.  Ela lá foi, e atrás, a mãe e a filha, até à porta do tugúrio. Na sua frente um homem bem-falante, rodeado de malas de viagem. Chegara há poucas horas e imediatamente procurara a casa, mas nem se lembrava onde ficava ela. Há tantos anos que dali partira…
Na sua frente estava um homem bem-posto, inquieto por abraçar as três. Não é possível descrever o resto.
Depois de explicações e respostas, parece que não estavam separados há tantos anos… Era quase dia de Natal quando a conversa acabou e se deitaram para descansar um pouco das emoções e fadigas.
Mas o dia seguinte, o dia de Natal, foi o grande dia. Para trás ficava um tempo horrível de sofrimento e miséria. Na frente de todos uma nova época de fartura e de esperança.
Um milagre autêntico do Menino Jesus!
Pico, Dezº 2017
E. Ávila