sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

INVERNO E PRIMAVERA


CRÓNICAS DO MEU SENTIR


Vamos a meio do Inverno. As colheitas já se fizeram e, nas casas da lavoura, principalmente, prepara-se o ano novo. Toda a gente está voltada para a grande tarefa de preparar e arrumar os cereais, principalmente o milho, que vai constituir a grande parte da alimentação das famílias agrícolas. Uma tarefa exaustiva que ocupa a maior parte da estação outonal. Já ficou para trás, mas é saboroso lembrá-la nestes últimos meses do ano, pois nem todos se apercebem do valor económico que representa, para a família agrícola, o colher e armazenar esse precioso cereal que bem recente é na mesa da família agrícola (repete-se).
Não é intenção referir a idade do milho que aqui apareceu já depois destas ilhas do Atlântico andarem povoadas. Deixo isso para o grande escritor português, Júlio Dinis que tão bem soube descrever, no seu excelente livro de crónicas – A Esfolhada – os trabalhos de recolha e desfolha do milho em casa do lavrador. Aliás, este sistema de recolha, esfolhada ou desfolhada e armazenamento é muito semelhante, ou quase, ao que por estas ilhas, na generalidade, se pratica. Mas vale a pena recordar.
Para o dia da apanha do milho são convidados os familiares, os antigos lavradores e alguns amigos.
O dia da “apanha” era, na realidade um dia festivo, com refeições melhoradas, por vezes confeccionadas na própria propriedade, se nela havia casa de recolha. De contrário tudo acontecia na residência do proprietário.
Cada acto da desfolhada era um motivo de festa. No prédio produtor, arrumam-se as maçarocas para os carros de bois, depois de devidamente empilhadas e enfeitadas com arcos de verdura em sinal de festa. Os carros, em cortejo, se são dois ou mais, caminham (caminhavam) em fila, ao som do “guinchar” dos eixos. Hoje já isso não acontece. O chiar dos carros deixou de ser permitido, quando um surto de febres assolou a vila nos anos Vinte. Então, o administrador do concelho obrigou-se a publicar editais proibindo o chiar dos carros. Para o evitar, passaram a usar sabão azul em substituição do cebo, como era usual.
À chegada a casa havia sempre recepção festiva. Os acompanhantes eram normalmente “brindados” com aguardente e licores e figos passados e doces. Nas noites seguintes, tinham lugar as “esfolhadas”, já relatadas em notas anteriores.
Hoje, praticamente, não há desfolhadas. Passando por esses campos encontram-se relvados transformados, somente, em campos de silagem. Os gados desapareceram e os poucos que existem parece que estão destinados à exportação. Daí que a indústria de lacticínios esteja, praticamente, a desaparecer. Até quando? Não estará aí a crise da lavoura, que muitos anunciam?
Vila das Lajes,
Fev-2018
E. Ávila

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