ABERTURA DAS COMEMORAÇÕES DO 5º.
CENTENÁRIO DO CONCELHO
DAS LAJES DO PICO
Alegro-me em ter chegado
aqui e poder celebrar o 5º Centenário do nosso Concelho e, simultaneamente, da
nossa Ilha do Pico. É .um acontecimento ímpar que bem merece ser lembrado por
esta geração homenageando aqueles dos nossos Maiores que um dia aqui chegaram,
desbravaram as terras, abriram os caboucos, construíram, ao longo dos tempos,
as moradias, modestas ou mais artísticas, fundaram as vilas e povoações, e aqui
se fixaram heroicamente. Hoje somos
apenas uns escassos dezasseis mil. Todavia, muitos mais fomos, atingindo
cerca de trinta e cinco mil em tempos passados, quando a emigração ainda não
constituía um fenómeno inquietante e
perturbado da nossa estabilidade social. E é pela emigração, que hoje,
espalhados por terras da Diáspora, ontem em Santa Catarina do Brasil, onde até
fundaram um povoado que se denomina cidade LAJES, e também no Uruguai, onde se
fixaram alguns casais idos na época da crise sísmica do século l8, para depois
se encaminharem para a América e
recentemente para o Canadá; somos centenas de milhar e constituímos
Comunidades fortes, cheias de prestígio, respeitadas e consideradas.
Essas gentes estão connosco,
vivendo os nossos problemas sociais e económicos, numa saudade permanente que
as faz transportar muitas das nossas tradições, da nossa religiosidade e da
nossa própria língua, para as terras da Diáspora, onde se radicaram, num culto
exemplar pelos valores da terra mãe
No entanto, para nós que
aqui fi0camos e teimosamente aqui vivemos ,
vale a pena o sacrifício da vida pelas belezas das paisagens verdejantes;
pelo ar ainda puro que respiramos; pelos aromas deliciosos dos pomares e
vinhedos que haurimos; pela imponência da nossa Montanha, envolta em mantos
diáfanos ou embranquecida pela neve que por vezes nela se fixa; pelo sol que
nos ilumina e aquece e que, ao fim do dia, nos poentes multicolores de uma
beleza magnificente, quando se aproxima do horizonte e por detrás dele se some,
oferece, aos que aqui vivem, espectáculos sempre belos e inéditos.
Afinal, quem sou eu para
tentar enaltecer as belezas desta ilha que saindo das entranhas do monstro
marinho, um dia se ergueu, por entre estrondos
e uivos medonhos, em labaredas de fogo, para passar além das nuvens ,
num desafio constante, já lá vão uns milhares de anos!
Mas, vamos ao que importa
aqui trazer nesta ocasião solene.
Valendo-me da expressão
de Ferreira Deusdado, não ficará mal dizer que a nobiliárquica Vila das Lajes do Pico, que outrora foi assinalada
com este evento festivo, celebra cinco
séculos de vida administrativa.
Na realidade, o primeiro documento oficial que a
História regista, foi um Alvará do Capitão-Donatário das Ilhas do Faial e Pico,
datado de l4 de Maio de l501, que conferia poder e autoridade a Fernão Alvares
para dar licenças diversas aos povoadores.
Antes, porém, na
opinião de Lacerda Machado , probo e erudito historiador lajense, a Vila das
Lajes, que havia sido povoada cerca de l460, não possuía alvará, pois os homens
que o Infante para cá enviou, vieram comissionados com os poderes
indispensáveis à governação da Ilha. Só por volta de l500 se há procedido à
eleição da primeira vereação, que não deixou
de prestar ao astuto Capitão-Donatário sua vassalagem.
Crê-se que os primeiros
povoadores vieram da Ilha Terceira, já então
povoada. Segundo Frei Diogo das Chagas, que o primeiro foi a escrever a
história destas ilhas - o
“Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores” -
que só veio a ser publicado há poucos anos, muito embora fosse já conhecido
o Capítulo referente à ilha do Pico, publicado
pelo escritor Ferreira de Serpa, -
-Fernão Alvares Evangelho desembarcou com o seu cão no “Penedo Negro”, no
fundo da pequena enseada do Castelete, ao sul da que viria a ser a Vila das
Lajes.
Não vou repetir o
interessante episódio, já conhecido dos Lajenses. Referirei, porém, que Fernão
Alvares, vendo-se só na ilha, pois os companheiros voltaram meses passados,- procurou um sítio capaz de se
fixar. Encontrou-o junto da Ribeira que
corria ao norte do monte de Santa Catarina. Aí construiu uma minúscula casa
que, segundo a tradição, ainda ali se encontra e cujas ruínas, recente e
plausivelmente, foram adquiridas pelo Município.
E valho-me ainda de Frei
Diogo das Chagas, frade florentino e irmão
do guardião do convento franciscano desta vila, que aqui se demorou
alguns meses, de visita ao irmão e na qualidade de Visitador da Ordem, o que
lhe permitiu recolher muitos documentos dos arquivos oficiais e noticias
da tradição popular.
Diz Diogo das Chagas que “!... muitos annos não
teve esta ilha outra freguesia mais que esta, e de todas as partes aonde
moravam os povoadores vinham a ella, que foi uma pequena Igreja do Apóstolo São
Pedro (que hoje é ermida), sua paróchia, que fica a um cabo da Villa a nordeste
da barra, e porto d’ella, pegado a um braço de mar, que ahi entra, & faz
rio morto, a qual por ser pequena trataram de fazer outra em o meio da Villa,
como de efeito fizeram, no logar em que está, do orago da Santíssima
Trindade,para cujo efeito lançaram finta em todos os moradores da Ilha e nas
fazendas dos Auzentes , conformne cada um tinha de cabedal, a qual taixa por
bem mostrar o que no artigo proponho boto aqui como em seus livros achei
fielmente tresladados.”
Os moradores eram 45 e a
população, segundo os cálculos de Lacerda Machado, devia andar à volta de 250 almas ou pessoas. Estava-se no ano de
l506.
A igreja nova foi
construída no centro da vila, no local onde se ergue a actual Matriz. Na frente
situava-se a Casa da Câmara e, ainda, no
meio da Praça, o Pelourinho. Dedicaram-na os povoadores à Santíssima Trindade,
naturalmente porque Fernão Alvares ou os companheiros, aqui chegaram em dia da
Santíssima Trindade, como aconteceu em Santa Maria, São Miguel e São Jorge.
Ao longo destes cinco
séculos a ilha do Pico tem sofrido diversos revezes, e já não falo na erupção
vulcânica de 1562 no chamado “Pico dos Cavaleiros” e, depois, nas de 1718 e 1720 que deram origem aos “Mistérios” de Santa Luzia , São
João e Silveira.
O mais gravoso,
porém, deve ter sido o facto de Álvaro de Ornelas haver recusado a capitania do
Pico, ficando-se pela Madeira onde residia, o que permitiu ao Donatário do
Faial pedir ao Rei a Capitania da Ilha do Pico, sendo, pois, o primeiro Capitão
do Faial e o segundo da ilha do Pico.
Afinal, uma pecha que, drasticamente, atingiu a ilha durante este meio milénio. E o
Pico nunca mais foi capaz de reabilitar-se de tamanha afronta.
A Câmara era eleita
anualmente, num dos meses de verão e a ela competia velar pelos interesses dos
seus munícipes. Foi assim que em 4 de
Novembro de 1583 acordaram “Os homens bons“ da Câmara (assim se denominavam
os respectivos membros) em que nenhum cristão novo pudesse viver na terra e nela vender suas
mercadorias.
De recordar que a
antiga “Casa da Câmara” já existia em 1503 e media l2 varas de comprimento e 5
de largo. No piso superior, servido por duas
escadarias de pedra com um alpendre ao centro, onde se situava a porta
de entrada, ficava a secretaria e a sala das sessões. O rés-do-chão servia de
arrecadação e de “curral do concelho” onde eram arrecadados os animais vadios.
Ao lado, no canto da rua da “Família Xavier”, vulgo da Cadeia, existia o
edifício da Cadeia.
Os serviços municipais foram transferidos para este
edifício dos franciscanos em 1840, mediante portaria da Rainha, datada de 3 de
Janeiro daquele ano.
Com o
desenvolvimento da população, uma parte fixou-se no lado Norte da Ilha, onde
existiam excelentes terrenos de cultivo.
Ai fundaram importantes núcleos populacionais.
E foi assim que, um
século decorrido após o povoamento, os povos daqueles lados pediram ao Rei a
criação do seu concelho. Não foi fácil a solução, pois duas das principais
povoações reivindicavam a elevação a
cabeça do novo concelho. A Câmara das Lajes, naturalmente pelos laços
familiares existentes entre os dois povos, superiormente consultada, decidiu-se
por São Roque, ficando preterida a Prainha, que só muito tarde perdoou o
agravo.
O concelho das Lajes
é constituído, actualmente pelas
freguesias de:
- São João, que passou a
paróquia independente em 1616 e cuja igreja, então situada no lugar da Arruda,
foi destruída pelas erupções de 1720;
- Santíssima Trindade,
primeira povoação da Ilha;
- Santa Bárbara das
Ribeiras, a segunda mais antiga da Ilha, fundada por Jordão Alvares Carauta,
companheiro de Fernão Alvares Evangelho;
-
Calheta de Nesquim (ou de Morro Cão), já existente em 1506 e cuja primitiva
igreja (uma capela) existia no século XVI.
O edifício actual é já do século XIX.;
- Freguesia de Nossa
Senhora da Piedade, ou da Ponta do Calhau Gordo, como refere Gaspar Frutuoso,
uma das mais ricas em produção agrícola. A primitiva igreja foi destruída pelo
sismo de 1755. Situava-se no lugar do Império. A construção da actual paroquial
foi iniciada em 1758. É tradição que ficou concluída oito anos depois; e,
- a actual freguesia da
Ribeirinha . Uma das localidades mais antigas
do concelho, Gaspar Frutuoso, em crónica do Século XVI a ela se refere. A
actual igreja já existia em 1762. Foi elevada a freguesia por Decreto
Legislativo Regional de 15 de Setembro de 1980.
São estes e outros
factos que, durante o ano, a Câmara Municipal pretende recordar, assinalando,
com eventos diversificados, que hoje se iniciam, os cinco séculos de existência
do concelho que o primeiro foi e, durante um século, o único da Ilha do Pico.
No entanto, não deixou de apoiar a criação dos outros dois: São Roque em 10 de
Novembro de 1542 e a Madalena em 8 de Março de 1723. Sendo este extinto em
1895, representou a Câmara das Lajes ao Governo de Sua Magestade para que o
concelho fosse restaurado, o que veio a acontecer por Decreto de 13 de Janeiro
de 1898.
É meio milénio de
trabalhos e sacrifícios, de lutas e dores, de crises e de fomes, por vezes (a
História regista alguns “anos da fome”), de sismos e vulcões, de ciclones e
enchentes de mar... que o povo suportou heroicamente. Mas, também, de momentos
felizes, de vitórias e alegrias que lhe deram seus varões ilustres, aqueles
que, nas artes e letras, quer no
Ocidente quer no Oriente, na pátria ou em terras da Diáspora se tornaram
notáveis por feitos assinalados.
Gente ilustre “... que por obras valerosas / se vão (ou
foram) - ontem e hoje - da lei da Morte libertando ...” como diria Camões.
Vila das Lajes, Ilha do Pico,
28 de Janeiro de 2001
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