Notas do
meu cantinho
Não são de ontem nem de hoje.
Celebram-se poucos anos após o grandioso acontecimento das Aparições da Virgem
na Gruta de Massabielle, em França, no dia 11 de Fevereiro de 1858.
As festas iniciaram-se aqui, junto ao
porto da vila, quando os baleeiros, regressando de uma arriada, se viram
impedidos de atravessar a entrada por ciclónicas vagas do mar alteroso. O povo,
que não somente os familiares dos baleeiros, porque nesses momentos de angústia
há uma solidariedade entre as gentes do Mar que a todos une em preces
fervorosas, clamando alto, invocou a Virgem aparecida alguns anos antes à
Vidente (hoje canonizada) Bernardete. Isso nos narra o lajense, ao tempo
Vice-Reitor do Seminário, Dr. João Paulino de Azevedo e Castro que viria a ser
mais tarde Bispo de Macau.
Decorridos alguns instantes, o tempo
melhorou, o mar acalmou e os botes puderam entrar calmamente no porto sem
qualquer dado.
Mais do que o autêntico
“milagre”, estava instituída a devoção pública a Nossa Senhora e, por assim
dizer, inauguradas as festas anuais em honra de Nossa Senhora de Lourdes. Isto que toda a gente sabe, convém aqui
repetir, para que os novos, se este arrazoado lerem, se apercebam que a Festa
de Lourdes, integrada na Semana dos Baleeiros, não nasceu nos últimos anos, com a chamada Semana dos Baleeiros, mas já conta 134 anos de celebração, dentro
do autêntico espírito cristão que a anima, muito embora os festejos externos,
uma verdadeira homenagem de filial respeito tributado pelo baleeiros à sua padroeira,
venham do início das solenidades promovidas em 1883.
A primeira festa teve
lugar na Igreja de S. Francisco, “por esta, em consequência da sua situação,
forma arquitectónica e estado de conservação, poder dar maior realce aos
simpáticos festejos.” [i]
“Festa de tamanho
luzimento jamais fora vista dentro dos muros daquele templo desde que ressurgiu
dentre os escombros a que o reduziu um pavoroso incêndio, aí por 1830”.
“A ornamentação do
templo dirigida por um hábil armador expressamente chamado da ilha Terceira, -
a música executada pela capela da Matriz e por alguns músicos de fora,
acompanhada a instrumental (…) – tudo dava aos actos religiosos uma grandeza e
magestade nunca dantes ali presenciada pelos filhos da actual geração! “
A festa tem lugar na 4.ª
Dominga de Agosto, “dia em que a igreja reza do Imaculado Coração de Maria”.
“Durante o dia da festa
e na véspera, as proximidades da igreja acham-se vistosamente embandeiras, e na
noite dum destes dias, conforme o tempo permite, tem lugar uma bonita iluminação
chinesa que atrai concurso imenso de espectadores.” (…) “O espectáculo que
oferece a iluminação – sempre de bonito efeito de qualquer parte que seja
observada.”
(A iluminação chinesa ou
veneziana, era feita com balões em armações de folha de Flandres forradas de
papel transparente de multicores, onde era colocada uma vela de estearina.
Hilariante era, por vezes, quando o vento inclinava os balões e o fogo consumia
a cobertura.
A partir do surgimento
da electricidade desapareceu a iluminação à veneziana e passou-se a fazer
artísticas iluminações, sendo para o efeito contratado um artista terceirense,
o que agora deixou de acontecer…)
Com a celebração do centenário, os festejos
externos tomaram grande desenvolvimento, estendendo-se por uma semana a que se
denominou “Semana dos Baleeiros”. Apesar da actividade baleeira ter
desaparecido, a denominação da Semana festiva continua com o mesmo entusiasmo e
brilhantismo. Aliás, como vem acontecendo por estas ilhas açorianas. Pena que
dos programas tivessem desaparecido as conferências proferidas durante a
“Semana” por ilustres literatos e cientistas, alguns deles Professores
Universitários, que aqui se deslocavam com muito agrado, tendo sempre a
escutá-los uma larga assistência que muito os apreciava. Nunca é tarde para
recomeçar, pois os encargos eram diminutos.
Estamos chegados, uma
vez mais, às tradicionais festas de Nossa Senhora de Lourdes, as maiores que
por estas ilhas se realizam em honra e louvor da Senhora Aparecida em Lourdes.
A procissão pára na
Pesqueira (Porto), tem sermão votivo, colocando-se o Orador na proa de um
antigo bote baleeiro; depois, a Veneranda Imagem percorre todos os outros botes
de velas enfunadas, onde os velhos baleeiros,
aqueles que ainda existem, se postam em gesto de homenagem à sua Padroeira,
enquanto estrugem dúzias de foguetes, não tantos como outrora, quando as
baleias eram o sustento e o amparo de
muitas famílias picoenses.
As festas continuam.
Hoje é a Semana dos Baleeiros. E continuará, embora algo diferente, mas sempre
em louvor da Virgem que há 135 anos (1882) aqui foi invocada publicamente, pela
primeira vez, em terras açorianas.
Lajes
do Pico,13-Agosto-2017
Ermelindo Ávila
[i]
Estas e as restantes citações são de crónicas de Dom João Paulino de Azevedo e
Castro publicadas no jornal “Peregrino de Lourdes”, Julho, 1889.
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