NOTAS DO MEU
CANTINHHO
Estava-se
na véspera do Natal. Os miúdos andavam num contínuo desassossego em volta da
Mãe ajudando-a a preparar o Presépio do Menino Jesus.
Nuns anos era armado um altarzinho – trono,
onde se colocava uma pequena imagem do Menino que durante o ano estava
recolhida no oratório, onde outras pequenas imagens da devoção da família – S.
José, Nossa Senhora de Lourdes e de Fátima, Santo António e qualquer outra que
aparecia como oferta a algum dos miúdos.
O altar era constituído por dois ou
três degraus, forrados com uma toalha branca, onde se colocavam alguns
castiçais com velas, por vezes de cor, vasos com flores, pratinhos com o trigo
que havia sido posto e grelar no dia 13 – dia de Santa Luzia – duas ou três
pequenas imagens dos santos de devoção da família, além das de Nossa Senhora e
S. José, colocando-se no topo a antiga imagem do Menino Jesus, herança dos avós
mas ornamentada com um vestidinho de seda braça e adornado com fios de tecido
dourado. No altar eram colocadas laranjas “americanas” trazidas nesse mesmo dia
do pomar.
Arrumada a casa – nos tempos antigos
não havia árvore, a chamada árvore do Natal – os miúdos eram postos a dormir
para acordarem a tempo de ir para a Igreja assistir à Missa do Galo. E isso
acontecia com a concordância de todos os que podiam acordar a tempo. Sucedia,
naturalmente, que os mais pequenos não o podiam fazer e continuavam na cama,
vigiados pelos avós impossibilitados pelos seus achaques de ir tomar parte na
Missa do Galo.
E era assim todos os anos. Mesmo quando
os meninos eram mais crescidos e se tornavam rapazes vivos e homens feitos.
Ninguém esquecia a Noite de Natal da sua infância.
A igreja paroquial, antes de se dar
começo às cerimónias do dia, estava numa quase penumbra. A maioria das pessoas
que iam entrando para a Missa quase nem se conheciam. Uns pequenos candeeiros a
petróleo iluminavam, frouxamente, o secular templo que fora preparado durante o
dia anterior para aquela grande solenidade.
Num dos altares laterais, havia sido
armado um grande presépio, onde não faltavam montes e arruamentos, um pequeno
lago, e, a um lado, o estábulo onde o Menino havia de nascer. Dispersos vários
animais, com realce para as ovelhas nos montes e as vacas na pequena gruta.
Ao alto, um foco eléctrico estava
colocado de maneira a poder ser accionado no momento do Glória, a recordar a
estrela de Belém.
Um minúsculo Menino havia sido deitado
na manjedoura e lá estavam Nossa Senhora e São José para o adorarem.
Entoado o Glória in excelsis Deo, os sinos repicavam, as luzes acendiam-se, o
Presépio ficava iluminado, a Capela, no coro alto, executava uma partitura já
bastante conhecida, mas que era sempre escutada com muito gosto.
Entretanto alguém, normalmente o
sacristão, muito recatadamente, fazia descer dos montículos os animais que lá
pastavam, para os colocar frente à “gruta” para eles também adorarem o Menino Recém-nascido.
Terminada a Missa do Galo, a
assistência cumprimentava-se, enquanto a miudagem corria para o Presépio a ver
o Menino com seus Pais, na pequena cabana, e os cordeiros e as ovelhas com os
pastores ajoelhados junto da gruta a adorar o Menino.
Depois era o regresso a casa. E que
alegria os assoberbava quando descobriam, debaixo do travesseiro, qualquer mimo
e, acreditavam, que o Menino Jesus ali deixara, nem que fossem, somente, alguns
figos passados. Nesses recuados tempos, mais não se esperava, pois a vida das
famílias era muito precária.
Não havia presentes do Natal, nem o Comércio,
quase só, como agora se classifica de comércio tradicional, tinha à venda
brinquedos ou objectos utilitários de qualquer natureza, a não ser aqueles que
se usavam no serviço doméstico. Os de luxo, como se dizia, não existiam ainda.
Uma vida modesta, mas feliz.
No dia Natal não faltava, porém, o
almoço de carne de caçoilha e o pão de trigo. Não se conheciam ainda os “bolos
do Natal”, pois os primeiros vieram mais tarde dos Estados Unidos, enviados por
familiares e amigos.
A tarde do dia de Natal era destinada à
visita aos avós e a outros familiares, principalmente aos velhos e doentes. E o
dia terminava com o serão, junto do Presépio armado na sala ou em outro quarto
principal, escutando “estórias” que os mais velhos contavam aos mais novos.
Mas, em breve, a tradicional Noite e o Dia
de Natal se modificaram. Não muitos anos decorridos, chegou a iluminação eléctrica,
apareceram as “séries”, o comércio não demorou em pôr à venda bibelôs e outros enfeites
para as árvores, além de diversos objectos para oferta.
Então, não faltaram as lâmpadas e as figuras
do Presépio. Uma transformação total que fez esquecer o passado e trouxe uma
maneira modernista de festejar o Nascimento do Menino Jesus. Hoje é tudo tão diferente! Até as zonas
habitadas, embora um simples lugarejo, semanas anteriores ao dia de Natal,
transformam-se em luzeiros multicolores de efeitos surpreendentes.
As habitações, para além das árvores
com intensa e colorida iluminação, decoram as respectivas janelas e salas, porque
é uma época festiva, talvez sem ter a noção exacta de se comemorar o maior
acontecimento da História Universal: o nascimento, há 2016 anos, do Menino que
veio para salvar o Mundo.
Como é tudo tão diferente!
Mas é Natal e é isso que mais importa.
Boas
Festas do Natal param todos!
Lajes
do Pico,
Dezembro
de 2016
Ermelindo
Ávila
Sem comentários:
Enviar um comentário