segunda-feira, 30 de maio de 2016

O PÃO NOSSO...

NOTAS DO MEU CANTINHO


        ... DE CADA DIA é por isso que o homem luta dia a dia. O seu trabalho tem como finalidade primária o seu sustento e da família a seu cargo.
          Felizmente que, por estes sítios, vamos entrar na semana maior em que, ao menos nesta ilha, a fome não existirá, porque a todos, válidos e inválidos, velhos e novos é distribuído o pão em abundância.
          Refiro-me, naturalmente, aos tradicionais e seculares Impérios do Espírito Santo em que o pão a todos é festivamente distribuído. Pão que pode ser rosquilhas, pão ou vésperas conforme o lugar onde se realiza um “Império”.
          Isso dá-nos alegria e coloca-nos por cima de outras terras onde, mesmo nestes dias festivos, desconhece-se o que seja um Império do Espírito Santo.
          Há anos bastantes, encontrava-me num domingo em Lisboa. À tarde sentei-me num dos bancos da Praça do Marquês, na Avenida da Liberdade. Era já tarde algo adiantada. O amigo que aguardava não chegava. Entretanto aproxima-se da Praça uma empregada de um dos hotéis que ficam nas imediações, com um saco. Sentou-se, abriu o saco, tirou pão (papos secos) e enviava os nacos para o jardim. Imediatamente, caiu um bando de pombas que se acoitavam nos beirais dos prédios vizinhos. E a Senhora explicou: estes papos secos vão às mesas dos comensais e não são utilizados. Quando os empregados os recolhem, são lançados nos recipientes de lixo, pois não voltam mais às mesas. Foi então que me lembrei de os guardar e destinar a estes pombinhos que por aqui andam...
          Os pombos tomavam, assim, parte nas refeições servidas aos hóspedes...
          E, além dos simpáticos bichinhos, quantos serem humanos não andam pelos depósitos de lixo, à procura dos restos das mesas dos ricos e apreciariam também o pão fresco que eles desprezam!
É por isso que a fome ataca tantos pobres e famintos, tantos seres humanos – os sem-abrigo - vivendo nas ruas e dormindo sobre os cartões que vão retirar do lixo, no vão de uma porta ou debaixo dum beiral, como os vi por essas terras por onde andei... Se bem que João de Deus, na sua Cartilha Maternal, já escrevia: : Minha Mãe! Debaixo daquela arcada / Passava-se a noite bem!
No número de Fevereiro do corrente ano a Revista “Além-Mar” informava: Um terço dos alimentos produzidos no mundo perde-se ou é desperdiçado durante os processos de produção e venda. 850 milhões de pessoas passam fome no mundo. 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos são desperdiçadas todos os anos no mundo.
Portugal não está isento de culta. Segundo a citada revista, Portugal perde todos os anos um milhão de toneladas de alimentos. (1)
No período da Guerra de 1939-1945, os géneros  de primeira necessidade eram racionados. As pessoas adquiriam-nos mediante senha fornecida pelos serviços administrativo concelhios. Até mesmo a farinha de trigo. Uma excepção, porém, houve e que teve o aplauso da população: A cada irmão de Império do Espírito Santo foi fornecida a quantidade de farinha necessária para o seu “açafate”, ou seja, para cumprir o seu encargo da sua “conta” de pão, vésperas ou rosquilhas. E todos os “Impérios” foram realizados na ilha e a farinha não faltou!
Actualmente, não estamos, felizmente!, em guerra e os géneros produzidos localmente, praticamente não existem. Todavia os terrenos estão aí, cheios de arbustos, ervas daninhas, abandonados! E, como já referi em anteriores escritos, infelizmente, não há mão de obra,  que os trabalhe ou cultive, como antigamente.  Desapareceram os homens que “davam dias para fora”,ou sejam os trabalhadores rurais. Nem mesmo utilizando a maquinaria moderna eles se encontram, ou muito raramente.
Estamos nas festas ou, “as festas estão em casa”. A maior parte dos Impérios já têm as massas cozidas e nos “açafates”, para serem levadas no dia próprio para o local da distribuição, geralmente junto das pequenas capelas, dedicadas à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
Na ilha do Pico,  ainda são uma dezenas acrescentadas.

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1) Revista  “Além – Mar”, Fev. 2016

Vila das Lajes,
2 de Maio de 2016.
Ermelindo Ávila