sábado, 10 de janeiro de 2015

E AS FESTAS CONTINUAM...(ou a festa da Matança do porco)

NOTAS DO MEU CANTINHO

E AS FESTAS CONTINUAM...
agora, com caris diferente. São as festas das famílias com origem nas “matanças”.
Em tempos passados, eram essas festanças que, todos os anos, depois do Natal e antes do Entrudo, reuniam familiares e amigos para “celebrar” as matanças dos porcos. Quase todas as casas criavam um suíno para abater antes do Entrudo. No entanto, freguesias havia, em que o abate tinha lugar antes do Natal para permitir refeições mais substanciais durante a época festiva. Por aqui dava-se o contrário. No Natal usava-se na “caçoilha” a carne de vaca e, por isso, o abate nos talhos eram avultado. O peru apareceu mais tarde. Tal como no continente acontecia, antes da Páscoa.
O abate dava-se nas semanas que antecediam o Entrudo ou Carnaval, em dias acertados com os vizinhos e familiares, para que cada família tivesse o seu dia e a inter-ajuda fosse facilitada.
Era um dia festivo, principalmente para a miudagem, pois para os adultos exigia preparação e trabalho fora do vulgar serviço doméstico.
Semanas antes colhiam-se nos matos a urze que, ficava a secar junto das paredes dos quintais. (Alguns, poucos, subiam o Castelete e lá colhiam as “vassouras” para o chamusco do animal, ou animais abatidos. Hoje, o Castelete está a tornar-se uma mata vicejante.)
Dois ou três dias antes, apanhavam-se as cebolas para as morcelas. E faziam-se as cozeduras de pão de milho e trigo e de bolo, suficientes para as largas refeições dos dias da matança.
Não havia matadouro industrial, como agora, e os animais eram abatidos nos quintais, e aí chamuscados e depois rapados, trabalhos que exigiam certa habilidade e arte. Era feito de madrugada, para que, ao raiar do dia, já os homens que haviam colaborado, tivessem almoçado. Um repasto abundante e variado. É que, a quase totalidade era baleeira e, ao romper do dia, podia a vigia dar sinal de baleia e eles, almoçados ou não, tinham de partir para a dura faina.
As mulheres, familiares e amigas, encarregavam-se, depois, de todos os trabalhos que se seguiam: lavar as tripas, (quase sempre na costa, em maré corrente) encher nas tripas as morcelas, preparar as carnes ou para a linguiça ou para as salgadeiras, enquanto a dona da casa ia separando os produtos, já no dia seguinte, para os “presentes” a amigos e pessoas a quem se deviam “favores”. Os miúdos aguardavam delirantemente esse dia pelas gorjetas, simples ou avantajadas, raras, que recebiam...
No próprio dia da matança eram feitas as morcelas: com cebolas, quase só os talos brancos, alguma salsa, alhos, pimenta ou malagueta, sal e alguns outros condimentos, como canela moída e jamaica.
Normalmente, as morcelas tinham trinta a quarenta centímetros de comprimento e os dois extremos eram unidos com barbante. Depois, eram cozidas em grandes caldeirões e a seguir penduradas sobre a lareira para secarem. Na refeição da ceia já se podiam “provar” as morcelas.
A carcaça do animal estava cerca de vinte e quatro horas pendurada a secar. Depois era retirada a capa de toucinho e o restante desfeito em pequenas peças que tinham diversos destinos: uma parte destinada à linguiça, a outra era derretida para se extrair a gordura e os “torresmos de sal”, e a ossatura guardada na salgadeira para ser usada durante o ano. A gordura servia e serve para os cozinhados, substituindo o óleo de azeitona.
A feitura da linguiça era trabalhosa e exigente. A carne ficava cerca de quatro a cinco dias num recipiente de barro, em calda de laranja azeda, vinho e alhos e limão, peças de gordura do “véu” do animal, com sal e pimenta e alho q.b., para ficar “curtida”. Findo esse tempo era enchida em tripas do porco e de vaca, previamente adquiridas e preparadas e, depois, colocada no fumeiro durante alguns dias a curtir. Era guardada em recipiente de barro –barça - coberta de banha e abafada durava um ano.
Tudo exigia experiência, pois eram produtos que necessitavam de um bom tratamento para ficarem com qualidade e sabor.
Hoje a maioria das casas deixou de fazer criação de suínos, por razões várias, entre elas a necessidade de retirar dos centros urbanos as pocilgas ou currais de porcos que conspurcavam os ambientes principalmente pelas cheiros nauseabundos que exalavam.
Certo, no entanto, que as linguiças e as morcelas que aparecem nos mercados deixaram de ter, por vezes, a qualidade da chamada “linguiça caseira”.
E por aqui fico, recordando uma época que não volta...

Lajes do Pico,
29-Dezº- 2914

Ermelindo Ávila