sábado, 28 de setembro de 2013

A escola…

NOTAS DO MEU CANTINHO

Outrora a escola era risonha e franca, como cantava o poeta. Hoje é lugar de frequência obrigatória onde nem se conhece a antiga Cartilha de João de Deus, nem os mais adiantados sabem quais são os rios, as serras e os cabos da costa portuguesa.
O ensino está completamente modificado e já nem todos sabem muitas das coisas que faziam parte dos antigos programas do Ensino Primário. Pois nem se ensinava onde ficavam as ilhas atlânticas…
Diz-se que a D. Maria Mestra – assim era conhecida a professora D. Maria Adelaide da Silva - que lecionou nas Lajes, no princípio do Século XX, tinha um programa vasto de ensino prático e útil às moças que frequentavam a sua escola. E a ela vinham alunas da Silveira, Almagreira e Ribeira do Meio, voluntariamente.
Todas aprendiam a ler e escrever e a fazer as contas de somar, diminuir, multiplicar e dividir e até a resolver problemas de Matemática durante os tempos letivos. De tarde, a Mestra ensinava costura e a fazer rendas e bordados. E muitas aproveitavam. A algumas, de famílias mais abastadas, ensinava piano, ela que era uma grande pianista e a organista da Matriz. O mesmo é dizer: uma senhora com uma cultura pouco vulgar para a época, que a não reservava para si, mas a transmitia com prazer às alunas que o desejassem, pois o ensino não era obrigatório.
Desde meados do século XIX existiu sempre a escola do sexo masculino mas os professores pouco ligavam à profissão. Alguns deles nem iam à escola todos os dias. Tal circunstância obrigou a que, nos finais do século, o Pe. Ouvidor Xavier, ele que já fora professor em S. Jorge, abrisse uma escola na sua casa junto à Maré, e que passou a ser conhecida, pelos anos fora, como a “casa da escola”, e onde mais tarde Mestre António Fonseca teve a sua oficina de construção de botes e outras embarcações e cujo espaço foi ocupado pela actual Escola Secundária.
O P. Xavier ministrava o ensino principalmente a alunos que se destinavam ao ensino secundário: seminário e/ou liceu.
Hoje tudo é diferente, como disse, e repito o poeta.
Há professores. Há edifícios escolares magníficos, há programas abrangentes das ciências e da cultura, e não discuto se bons se maus. Há professores com cursos superiores, embora alguns deles estejam atirados para o desemprego por reformas económicas incompreensíveis. Mas, na verdade, o ensino melhorou?
Deixo a resposta para os mestres da Pedagogia.
Recordo os meus professores primários com simpatia, como alguns, nem todos infelizmente, do Secundário. A alguns destes devo o gosto pela leitura e pela escrita. Se me não tivessem estimulado e obrigado ao estudo seria quase um analfabeto…
Tive um professor de Português que nos exigia a interpretação dos Lusíadas e a decorar alguns dos seus Cantos: D. Inês de Castro, Os doze de Inglaterra e outros mais, além da própria Proposição.
A tantos anos de distância, vale a pena recordar essa juventude distante e trazer à memória tempos que já não voltam, mas que tão diferentes eram. Bons? Maus? Nem vale a pena arranjar resposta.
- Meninos vamos p´rá esquiola! Era assim que, em terra distante, os outros alunos chamavam os colegas. Vamos todos, que ainda temos muito que aprender!...

Engrade,
19-Setº.2013

Ermelindo Ávila

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O CÉU DE ABRAÃO

Notas do meu cantinho

Assim o denominava o povo, em tempos passados, pela amenidade do clima que aqui se desfrutava. Alguns, ainda hoje, assim se referem a este lugar magnífico da Engrade, na freguesia da Piedade, pequeno recanto, outrora célebre pelo vinho Verdelho que aqui se colhia e que quase desapareceu, com a doença das vinhas ou peste da vinha, como se passou a designar a época de 1852.
O verdelho aqui produzido era de excepcional qualidade. Há, precisamente, setenta anos que por aqui ando, e ainda cheguei a assistir à vindima das poucas parreiras que resistiram ao flagelo e que acabaram por desaparecer com o decorrer dos anos. Mas o terreno ficou. E, hoje, não passa, praticamente, de uma extensa mata de arvoredo selvagem sem qualquer utilidade. A casa onde me encontro possui um balcão ou varanda em toda a sua extensão voltado a nascente e com um belíssimo panorama em frente: o mar imenso e ao fundo, lá longe, a ilha Terceira e mais perto a ilha de S. Jorge. Um regalo para as tardes de verão. Hoje pelo bardo enorme que na frente deixaram crescer, abandonando a vinha, nada se vislumbra a não ser uma pequena nesga de mar, a Norte, na frente da Calheta de São Jorge. E é só...
Todavia a Engrade tem o mérito de ser uma excelente estância de veraneio. Da meia dúzia de adegas que conheci, a Engrade é, hoje, um subúrbio da Piedade, povoado de excelentes vivendas, onde já há quem o habite todo o ano, pois as facilidades de comunicação que existem permitem estar no centro da freguesia em cinco minutos. O transito é imenso e quase todos os habitantes da próspera freguesia possuem transporte automóvel. Desapareceram os tradicionais carros de bois e os cavalos e asininos de serviço. Uma modernização aceitável e assaz louvável.
De registar, plausivelmente, que neste lugar está em adiantada construção uma pequena ermida dedicada ao Beato João Paulo II.
* * *
Há dias, precisamente no dia 8 do corrente, a paróquia celebrou a festa da Padroeira.
Outrora, era uma solenidade para a qual o respectivo pároco convidava diversos sacerdotes da ilha e alguns músicos da capela da Matriz das Lajes, que vinham auxiliar a capela local. Lembro-me de a esta pertencerem o Tomé Freitas, o José Laranjeira e outros mais cujos nomes não recordo agora. A organista era uma senhora de cá que havia estudado piano nas Lajes. Mas o órgão, um dia, desapareceu, por alegado estado de degradação.
Presentemente, a festa não teve sacerdotes estranhos, porque no concelho, ou na antiga ouvidoria não existem. O único que agora reside na zona pastoral - pois já desapareceram as seculares ouvidorias - é o que está em serviço nas paróquias da Ponta, como antigamente era conhecida esta zona da Ilha.
A Festa de Nossa Senhora da Piedade não deixou, porém, de ter larga assistência e brilhantismo.
Uma nota positiva e os parabéns para o respectivo vigário e seus paroquianos. E este merecido registo inclui, de modo especial, todos os que contribuíram com as suas oferendas para as despesas da solenidade.
Contavam-se mais de cinquenta ofertas, a quase totalidade em massa sovada (meninos, cabeças, braços, mãos e pernas...) conforme as promessas feitas e agora cumpridas. Quem não teve promessas levou os produtos da terra... Registo o facto, com agrado, e com louvores merecidos aos paroquianos da Piedade.

Engrade, 13 de Setembro de 2013

Ermelindo Ávila.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

DO MEU SENTIR

CÁ & LÁ


A umas dezenas de anos de distância, recordo, com um misto de saudade, esses tempos distantes em que sair de casa, deixar os pais, irmãos mais novos e outros familiares, para ir para qualquer outra ilha continuar a estudar, era um acto heróico ao qual bem poucos se atreviam.
Se para o Faial a distância era curta, mesmo assim, por lá se ficava o trimestres inteiro sem se vir a casa, muito pior era a deslocação para a Terceira ou São Miguel, as únicas três ilhas do Arquipélago que dispunham de ensinos secundários. No Pico, nas Flores ou em São Jorge não se ia além da Instrução Primária e somente quando se tinha a sorte de, na terra, estar colocado um bom professor, o que nem sempre acontecia, é que se ia até ao exame de quarta classe, que já permitia colocação em serviços públicos.
Os que não tinham essa oportunidade, caminhavam para a terra, ou para alguma oficina: pintor, carpinteiro, ferreiro ou serralheiro, caiador ou pedreiro. E, quando essa aprendizagem não era facilitada, feitos os catorze anos, caminhava-se para a pesca, quando se encontrava um mestre amigo que o incluía na sua tripulação. Muito raramente um ou outro, por ser mais “esperto” conseguia um emprego de marçano numa das mercearias, aqui ou no Faial. E era tudo o que podia acontecer.
Curso superior só para algum privilegiado. Todavia, esses que em Coimbra, e só se falava nessa Universidade, talvez por mais antiga e ser melhor o acolhimento nas “repúblicas”, conseguiam tirar um curso superior, raramente voltavam às terras de origem. Ficavam pelo continente ou fixavam-se nas capitais dos distrito insulares, “encostando-se” a algum médico ou advogado que já tinha escritório conhecido e afreguezado.
Alguns, bem poucos, iam para o Seminário de Angra mas nem todos conseguiam prosseguir o curso, por razões as mais diversas. A disciplina era algo rigorosa e pouco pedagógica. Os companheiros, oriundos das mais diversas classes sociais, nem sempre eram acolhedores e camaradas, o pessoal de serviço, rústico e muito dele mal educado. Tudo isso fazia que a debandada principiasse nas primeiras semanas da chegada e continuasse pelos anos adiante. Uma situação que os dirigentes, talvez porque igualmente deficientemente preparados na mesma escola, jamais compreenderam. E o resultado está agora visível na ausência quase total de vocações, mesmo que o funcionamento daquele estabelecimento presentemente só exista para o curso superior – teológico. E é pena. As nossas ilhas são, na generalidade, de formação católica. Nas freguesias e lugares, onde exista um núcleo habitacional, há uma igreja paroquial ou ermida preparadas com alfaias para os actos do culto, principalmente a Eucaristia ou Missa, mas nem todas têm o privilégio de nelas se celebrar a missa dominical nem em horário fixo. A falta de clero, dizem, justifica a carência. É pena...
Na época que passa, as ilhas são verdadeiras terras de missão. Urge, pois, que a anomalia seja encarada de frente e resolvida com presteza para que amanhã, num amanhã que se afigura bastante próxima, os católicos não vão caindo no indiferentismo e, principalmente aqueles que obtenham cursos superiores, enveredem por outros caminhos. É tempo de se lhes acudir, nem que sejam atraídas para estas ilhas ordens religiosas com sacerdotes professos.
Adiantei-me na apreciação de uma situação que a todos é presente? Talvez não!

LAJES DO PICO,
3 de Setembro de 2013.

Ermelindo Ávila 

RECORDANDO...

A MINHA NOTA

Até meados do século passado os hábitos e costumes das nossas gentes eram totalmente diferentes daqueles que hoje nos é dado viver.
O conflito internacional que assolou a Europa e, por acréscimo, o Mundo, modificou totalmente a vivência das pessoas, transformando a própria e ancestral civilização.
É certo que não podemos voltar atrás. A evolução social não o aconselha nem permite. Mas importa que se tomem medidas acertadas para que os povos possam, novamente, usufruir de bem estar e paz, indispensáveis ao seu desenvolvimento e ao progresso das suas iniciativas e actividades.
Hoje, os processos de trabalho são diferentes. A máquina substitui, em muitos casos, o braço humano. E daí resulta, inevitavelmente, o desemprego, o maior flagelo da actualidade, agudizado com o aumento de braços, de ambos os sexos, quando antigamente eram apenas os homens que trabalhavam fora de portas em profissões várias, pois às mulheres só era permitido desempenharem as funções de professoras e além das funções de doméstica que praticamente quase se extinguiram... Algumas delas, depois dos trabalhos domésticos, - cozinha, lavagem de roupas, costura e outras mais – acompanhavam nos campos os familiares, ajudando-os no amanho das terras. Hoje, isso não acontece. Bem?... Mal?...
***
Raro era o verão em que os pescadores locais não demandavam outros ilhas, em cujos mares existiam “marcas” ou “bancos” de peixe. No verão acontecia por vezes os barcos de pesca, aos quais se acrescentavam “bordas falsas” para melhor arrumo das bagagens, irem para os portos de S. Jorge e por vezes para os Biscoitos da Terceira, à pesca de fundo.
Acontecia também navegarem até aos bancos Princesa Alice e/ou D. João de Castro, levados por um barco motorizado, pois em qualquer deles faziam grandes pescas de “peixe de fundo”.
Um ano houve em que os pescadores locais resolveram ir até ao “Princesa Alice”, no iate “São João Baptista”, rebocado pela canhoneira “Açor”, que estacionava, normalmente, no porto da Horta. A viagem fez-se regular e quando se encontravam no auge da pescaria, um dos presentes chamou a atenção dos companheiros para abandonarem a faina e regressarem a terra, imediatamente. Os outros, apesar de serem marinheiros experimentados, não aceitaram a recomendação e continuaram a pesca. Mas eis que, senão quando, o mar principiou a agitar-se e quando saíram do banco já a tempestade se aproximava. Conseguiram, porém, chegar à costa do Faial e aí abrigar-se até ao dia seguinte, em que, com o mar mais calmo, regressaram ao porto. Da tripulação faziam parte, entre outros, António Vieira Soares (Boga), Manuel Vieira Soares, António Joaquim Madruga, todos eles, além de pescadores, hábeis baleeiros e António d´Ávila, meu avô paterno, dono e mestre dum batel de pesca.
Mesmo assim evitou-se mais uma tragédia marítima, de tantas que hão acontecido.

Lajes do Pico,
1 de Setembro de 2013.

Ermelindo Ávila