segunda-feira, 29 de abril de 2013

OS JOGOS


NOTAS DO MEU CANTINHO


São diversos os significados que os dicionários nos apresentam da palavra jogo. Desde o divertimento à exploração em benefício próprio, o jogo tudo acoberta.
Mas fico-me pela “prática de divertimento, em geral com outrem”. Recordo, assim, os jogos da infância e juventude, que poucos eram mas que bastavam para entreter a mocidade desse tempo distante e que hoje recordo com alguma saudade.
Lembro o jogo da baleia, aqui “inventado” e praticado com grande entusiasmo: duas canas presas nas extremidades e afastadas a meio por um pequeno troço do mesmo material e aí estava uma “canoa”, conduzida por um “marinheiro”ao centro a levar a “embarcação”. Um “oficial” à popa, com o “remo de esparrela” e o “trancador” à frente, com uma pequena cana, presa a um cordel a servir de arpão. As baleias eram várias, quantos os que entravam na brincadeira. Não havia trânsito automóvel e o grupo podia andar pelas ruas da vila, à vontade, em correria, que ninguém o impedia. Na época da Páscoa havia o pião, jogado por miúdos e graúdos. Estes com grande entusiasmo, utilizando piões com cerca de oito a dez centímetros de altura. E para eles, também, os bilros e a “rachinha” ou os jogos de cartas, principalmente, aos serões ou nas tardes invernosas. E qualquer local servia, até mesmo os baixos de uma “casa de atafona”...
Para os miúdos, no Inverno, era o jogo de “apanhar”, a “barra” e o jogo de “esconder”. Para o jogo de esconder e para os mais afoitos, o local preferido era a Matriz em construção e cujas obras estavam suspensas há anos.
Não se conhecia o Futebol que só aqui apareceu em 1922, nem o voleibol, que veio para os Açores alguns anos depois. Do continente chegou à ilha Terceira e desta ilha ao Pico, desenvolvendo-se com certo entusiasmo na Terra do Pão. Um dos jogadores, deslocando-se para o continente a continuar estudos, o Dr. José de Brum, depois de formado, se bem me recordo, foi selecionador nacional.
Hoje não há os jogos de rua... O trânsito intenso não os permite. Prendem a atenção das pessoas os jogos de futebol que a Televisão apresenta e que, em todo o mundo, têm assistência de muitos milhares ou mesmo milhões de adeptos.
Mas eu quero somente recordar, com natural saudade, os jogos da infância, aqueles que eram conhecidos e que se praticavam com grande entusiasmo, principalmente, o jogo do pião. Havia quem vertesse lágrimas quando perdia e o vencedor picava o pião vencido com grandes ferroadas. Um desgosto tremendo pois o pião era, normalmente, uma peça artística, fabricada pelos carpinteiros que tinham torno e os faziam com muito cuidado. Guardavam-se de ano para ano e utilizavam-se, para os movimentar, fios de pesca que alguns emigrantes retornados traziam dos Estados Unidos e que as esposas lá iam fornecendo aos miúdos vizinhos. Eram as chamadas “fieiras”.
Foi também dos Estados Unidos que cá chegou o jogo do bilro. Para isso houve que proceder à limpeza de junco e entulho do largo que fica em frente à Rua Dom João Paulino (Rua Nova).
Aí se iniciou, a seguir, o futebol, utilizando uma bola trazida da Horta, onde esta modalidade de jogo já era praticada há anos, principalmente, pelos funcionários das companhias estrangeiras dos cabos submarinos que estavam instaladas naquela cidade. Dado o grande entusiasmo que o futebol despertou, procedeu-se à limpeza do “Juncal”, e aí ficou o campo de jogos durante umas dezenas de anos.
Já não se praticam, como disse, os jogos de rua. Praticamente, ficou-se pelo futebol. E o Lajense, este ano, está a dar boa conta de si. Folgo com isso pois não esqueço que do velho Clube Desportivo Lajense sou o sócio mais antigo, desde a sua fundação.

Lajes do Pico,
12 de Abril de 2013
Ermelindo Ávila

sábado, 20 de abril de 2013

TEMPESTADES MARÍTIMAS


NOTAS DO MEU CANTINHO

E não apenas. Estavam na mente de todos os picoenses as erupções vulcânicas de 1718 e 1720, quando, em 1725, um ciclone marítimo assolou a Vila das Lajes. Assim o descreve Silveira de Macedo: O ano de 1725 foi memorável para os habitantes da villa das Lages do Pico por uma tempestade marítima que lhes inundou a villa causando muitos estragos nos dias 14 a 20 de abril, por cujo motivo fizeram aquelles povos um solene voto ao Bom Jesus das preces (cuja imagem tem em muita devoção) o qual ainda hoje (1871) cumprem no dia 25 de março (deve referir-se a 19 de Abril). (1)
Referenciando a Imagem do Bom Jesus das Preces, diz ainda, em nota de roda-pé: Consta que esta Imagem fora também arrojada pelo mar à praia daquella villa pelo mesmo tempo que fora a outra simelhante à Praia do Almoxarife na ilha do Fayal o que faz julgar terem ambas a mesma procedência. (2)
Segundo a tradição, o mesmo aconteceu com a imagem que se venera na igreja paroquial de Santa Cruz das Ribeiras.
Realmente, a vila das Lajes passou a ser invadida pelo mar, quando tempestuoso, porque lhe foram retirando, ao longo do tempo, os calhaus que circundavam a costa, para as construções urbanas e outras que se foram construindo ao longo dos tempos.
Ficou registado na memória dos picoenses o ciclone de 31 de Agosto de 1893, que provocou grandes estragos e destruíu as culturas da ilha, provocando a fome em muitos lares. Valeu nessa altura a benemerência de muitas pessoas estranhas, entre elas D. Rosa Dabney, residente na Horta, que importou grandes quantidades de milho dos Estados Unidos e o fez distribuir pelas populações famintas.
Já em nossos dias foi bastante violento o ciclone de 9 de Agosto de 1935(?), que destruiu a muralha de defesa que circundava a Lagoa, levando o Governo de então a construir a excelente muralha em basalto trabalhado, o que veio dar maior segurança àquela zona. Mas o resto da Vila ficou aberto às tempestades cíclicas que no Inverno acontecem com frequência, e que causam muitas preocupações e angústias. Os lajenses nunca deixaram de reclamar uma maior segurança para seus bens e haveres, especialmente as habitações fronteiriças ao mar.
De tanto reclamar resultou, a meados do século passado, a construção de quatro “quebra-mares” a meio do chamado Juncal, que, afinal, nenhum efeito deram. O mar, quando bravo, umas das vezes “veio cá acima”, como diz o povo, e andou a “bailar” com os molhes. Valeu a decisiva visão do Ministro Arantes e Oliveira que ordenou o alteamento do muro de defesa que havia sido construído em 1914.
Antes da Câmara Municipal abrir o ramal de saída pelo Sul e, conjuntamente, a muralha que rodeia actualmente a lagoa da Maré, o mar invadia com frequência aquela parte da Vila, chegando, por vezes, quase ao Largo Gen. Lacerda Machado.
Consta mesmo que a antiga igreja Matriz, construída por volta de 1506, e que ocupava o local onde se encontra a actual, ficou muito danificada pelas várias invasões de mar, chegando, não raro, a deixar peixes em cima dos altares. (A minha avó assim m’o dizia).
Agora chegou o embelezamento ou urbanização da zona Oeste da Vila, que deixou de ser utilizada, depois do campo de jogos ter sido transferido para Santa Catarina. Esperamos que o mar não volte a fazer das suas proezas, invadindo de novo a parte baixa da Vila.
Aquando do ciclone de 1935, atrás referido, que destruiu a muralha e algumas casas do Portinho, Ribeira do Meio, a Imagem do Senhor Jesus das Preces, saiu em procissão de penitência pelas ruas da vila, trazida pelo Vigário e Ouvidor de então, Pe. José Vieira Soares, de saudosa memória, a implorar a clemência divina. E durante muitos anos, até cerca de 1960, fazia-se a secular procissão das Preces, no dia 19 de Abril. Acabou quando num certo ano não houve quem conduzisse o andor. Hoje a veneranda Imagem encontra-se no altar principal da Matriz.

Lajes do Pico,
Abril de 2013
Ermelindo Ávila


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  1. Macedo, António L. Silveira de – “História das Quatro Ilhas q. Formam o Distrito da Horta” -1871, pág.219.
  2. Ibidem, 220

segunda-feira, 15 de abril de 2013

A LACTOPICO NÃO PODE DESAPARECER!


Notas do meu cantinho


A Lavoura picoense está em crise. Anunciou-se o encerramento da fábrica de lacticínios da Ilha do Pico e o transporte para a ilha vizinha do leite produzido pela Lavoura picoense. Se assim acontecer é a maior crise que o Pico sofre em todos os seus dias de existência. Uma calamidade pública!...
E fala-se nisso com o maior à-vontade e a maior desfaçatez, sem se averiguar quais as causas próximas e remotas dessa crise, o que se nos afigura uma coisa impossível.
Não se procura saber quem é o, ou os responsáveis da crise financeira de uma das três maiores indústrias picoenses.
Se os lavradores estão em atraso nos pagamentos do leite fornecido à fábrica, se esse leite foi transformado em queijo e manteiga, se esses produtos foram vendidos, dentro da ilha, nas outras ilhas ou no continente. Resta a pergunta: onde pára o dinheiro de todas essas transacções, obrigando assim a que a gerência respectiva não dispusesse de fundos para pagar o leite aos produtores? É a pergunta que se coloca, nesta ocasião de crise. Noticia a imprensa que o leite na Ilha do Pico vai ser transferido para a ilha vizinha. Em que condições? E é no Faial que se vai fabricar o queijo do Pico, conhecido internacionalmente como um dos produtos mais apreciados destas ilhas?
Já em l930 a produção e comércio de lacticínios do distrito da Horta atravessava uma grave crise, circunstância que levou o governo de então a publicar o Decreto nº 18.586, de 30 de Junho daquele ano e mais tarde o Decreto nº 19.669, de 30 de Abril de 1931, no qual se determinava, no artº 4º: “À indústria caseira da Ilha do Pico é permitido o fabrico de queijo completo, dito Pico (S. João).” Nem um nem outro decreto resultaram, dadas as exigências da então criada comissão de fomento de lacticínios. Vieram, depois, as fábricas (pequenas fábricas) para suprir as exigências impostas à industria caseira. Em São João instalaram-se três, que conseguiram sobreviver alguns anos. Depois surgiu a firma continental Martins & Rebello que, adquirindo uma instalação na Silveira, desenvolveu durante alguns anos a indústria de lacticínios em toda a ilha.
Já no regime autónomo surgem as chamadas “queijarias” ou pequenas fábricas individuais – creio que doze – destinadas ao fabrico do queijo tipo Pico (S.João), mas também essas acabaram por encerrar, aparecendo então a LactoPico, associada a uma firma continental que acabou por abandonar, nem sei como, a sua posição, deixando tudo entregue à própria Lavoura. Agora surge o colapso. Quem lhe acode?
Um pouco animador o anúncio do Lavrador Eduardo Alves, informando que a LactoPico resiste à tempestade. Mas, enquanto o sr. Alves é um dos maiores produtores da ilha, anuncia-se, por outro lado que o leite dos produtores picoenses vai atravessar o Canal, tal como as frutas e a lenha, ou o milho que os habitantes da Fronteira retiram dos prédios que possuem na Feteira.
A situação é aflitiva. Está em causa uma das maiores indústrias picoenses. Estão em perigo cerca de trinta postos de trabalho, da empresa. Está mortalmente atingida a economia picoense.
E o Governo Regional, a quem compete velar pelo bem estar dos cidadãos, tem aqui uma palavra a dizer. E com urgência !


Lajes do Pico,
Abril de 2013
Ermelindo Ávila

terça-feira, 2 de abril de 2013

A ÁGUA


NOTAS DO MEU CANTINHO


Durante séculos constituiu um problema grave para as pessoas que habitavam na ilha do Pico, o abastecimento de água potável.
Não havia fontes. Apenas, que se saiba, a Fonte do Lendroal nos matos das Lajes. Os tanque ou cisternas não existiam e valiam somente as águas que se recolhiam das chuvas, em talhões de barro, e que apenas servia para fazer algum chá para doentes. Lembro-me de uma das minhas bisavôs dizer que, quando alguém adoecia, iam a casa do sr. Joaquim Maria pedir um pouco de água doce, pois só alguns possuíam os citados talhões – um recipiente de barro de cerca de cinquenta litros.
Mais tarde, já no século dezanove, começaram a construir junto das habitações as cisternas para onde era canalizada a água das chuvas que caía nos telhados. Ainda hoje existem algumas.
Valiam os chamados poços de maré. Quase todas as casas da vila os possuíam e era essa água salobra que se utilizava nos variados serviços domésticos. Até se usava a água salgada na confecção das comidas e massas, pois dispensava o sal.
Era também a água retida nos poços das ribeiras que as populações do Sul consumiam para abastecimento dos gados e lavagem de roupa. Mas isso já vinha da época dos descobrimentos. Jós d´Utra, capitão donatário do Faial e Pico, por Alvará de 24 de Março de 1502, determinou “ que nenhuma pessoa de qualquer estado e condição que seja não lave da ponta de Fernando Alvarez para cima para o salto, não lave da passagem do mar para cima, até a de cima aonde passa o Caminho do Suro, que vai ter à Almagreira sob pena cada vez que for achado pague duzentos reis para o Concelho.(1)
Lacerda Machado, por seu lado, informa: Como a ilha é falha de água nativa, colhiam-na das árvores, praticando um sulco em volta do tronco, com certa obliquidade relativamente ao eixo e no ponto mais baixo, com uma folha de árvore, improvisavam uma bica por onde a água da chuva corria em cabaças e tinas. (2)
As roupas eram lavadas, geralmente, na “Mouraria”, um canto da Lagoa, onde, com a maré vazia, saía da rocha água, um pouco salitrada. O mesmo acontecia na Maré, onde, com a baixa-mar, brotava água salobra do areal. Isso dava a percepção de que a vila assentava sobre um lençol de água doce, que levou a que se fizesse na “Mouraria” um túnel para ir descobrir onde nascia a água que saía abaixo do monte de S. Catarina, mas não deu resultado. Chegou-se à conclusão de que era a água do mar que, se infiltrando na terra, dela saía algo filtrada, perdendo assim uma parte do sal.
Na Ribeira do Meio, existia e ainda lá está um poço de maré, como dizem, desviado da beira mar talvez uns trinta metros, cuja água recolhida com a maré vazia, era perfeitamente bebível. No verão, muitas pessoas da vila iam àquele poço colher água para beber e utilizar na cozinha.
A Silveira é mais beneficiada, pois tem a fonte do calhau cuja água é considerada mineral e possui algumas qualidades terapêuticas. O mesmo acontece com o poço do Rego, construído nos princípios do século passado e com o poço conhecido pelo “poço do Beleza”.
A água da Fonte da Silveira era trazida, diariamente, em potes de madeira de cedro, de cerca de 20 litros, para diversos habitantes da Vila, por mulheres daquele lugar, entre elas uma senhora cega e de certa idade, que não errava em encontrar as casas dos fregueses.
Quando a Câmara Municipal resolveu construir a rede de abastecimento de água, nos anos sessenta do século XX, contratou uma firma continental para a abertura de um furo artesiano, pois a fonte do Lendroal que então adquiriu, não tinha caudal suficiente. E a propósito do Lendroal é de recordar que se trata de um monte com pastagem que pertencia ao Município, e que foi posto em arrematação em meados do século XIX, sendo arrematado por pouco mais de um conto de reis, em segunda praça pois a primeira havia sido anulada por sentença judicial. Mas isso é assunto para outra ocasião.
Praticamente, são os furos artesianos que abastecem a população. Depois do furo da Silveira, um outro foi aberto na Ribeira do Meio, embora a água dele extraída não seja da mesma qualidade. São, porém, estes dois furos que fornecem o precioso líquido às Lajes e à freguesia de São João. Outros foram abertos na ilha e hoje ela está totalmente servida com uma rede de abastecimento, sem necessidade de utilizar a água das cisternas, dos poços de maré ou das ribeiras, deixando de se verificar a carestia de água que se sentia em anos passados.

Lajes do Pico,
Março de 2013.
Ermelindo Ávila
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1-Frei Diogo das Chagas, “Espelho Cristalino”, 1989, pág.509
2-Lacerda Machado, “História do Concelho das Lages”, 1936, pág.79
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PESCADOS E LOTA


NOTAS DO MEU CANTINHO


Os lajenses vivem uma grave crise de alimentação com a falta de peixe. Outrora, abundava no “limpo” o chicharro e, em certas “marcas”, as cavalas e os bonitos. Outras espécie apanhavam-se todo o ano, com mais ou menos abundância, pois havia certos pescadores que só a elas se dedicavam: o Mestre Bento, o Mestre João Luís, os Garcias, o Luís Sabina, o Henrique Ávila, o Manuel Caiador, o João Maurício, o João Brão, o Manuel da Silva... o Manuel Machadinho e tantos outros, que os havia, mestres de verdade, e que à pesca iam quando não aparecia baleia, pois esta caça estava em primeiro lugar. Pescava-se a garoupa, a veja, o sargo, e outras espécies mais. Durante a noite, iam, geralmente à pesca de fundo, principalmente as abróteas e os gorazes. Hoje tudo é diferente.
Se ainda há barcos de pesca, e não são poucos os que estão amarrados no porto interior das Lajes, e bons marítimos que sabem da sua profissão como os melhores, o pescado quase desapareceu porque uma instituição denominada Lota se fixou na Vila da Madalena, onde todo o pescado deve ser apresentado. Resultado: só cá aparece aquele restolho que não tem qualidade para ser exportado para o continente.
Recordar as pescas antigas do bonito, da cavala e do chicharro (no continente chamam-lhe carapau), é trazer à memória de muitos uma época de abundância em que o peixe aparecia por aí, ora fresco, ora o salgado ou seco. E seco porque as grandes quantidades de chicharro, apanhado durante a noite, eram preparadas para secar ao sol e, durante os meses de inverno, vendidas nas freguesias rurais ou trocadas por milho e outros produto agrícolas, quer aqui no Sul do Pico quer na ilha do Faial para onde os pescadores iam transaccioná-lo por milho e outros produtos agrícolas.
O peixe constituía a base principal da alimentação das populações destas ilhas. Hoje é negócio que não se faz. O “Limpo” está limpo. Os cardumes de chicharro desapareceram dali. Há quem diga que a baleia ou o cachalote dele se alimentam e de outras espécies; de tudo o que lhes chega à grande “bocarra” e onde são absorvidos às toneladas. Se esta não for a explicação, para onde caminhou o peixe que tanto abundava nestas costas? Não será motivo de estudo para os cientistas interessados, que muitos há?
Presentemente passamos a viver, quase só, de congelados, com a saúde por eles um tanto agravada.
Ainda há quem se lembre do caldo de peixe cozinhado com pescado fresco, acabado de chegar do mar e que era uma verdadeira delícia.
Até os marinheiros dos antigos iates – os inesquecíveis “barcos do Pico” - o sabiam cozinhar e, quando conseguiam adquirir bons peixes nos portos de São Jorge, a caminho da Terceira, faziam uma jantarada excelente para si e para alguns passageiros convidados, pois nem todos podiam suportar o cheiro e as baforadas do caldo a ferver em grandes tachos. Esse tempo passou, deixou saudades, mas não vale recordá-lo....
Hoje, poucos dele se lembram. Todavia há quem recorde ainda o ”caldo de peixe à moda do Pico.”
O que venho de recordar não é assunto novo nestes crónicas. Há meses (17-10-2011) falei dele, neste mesmo “Cantinho”. Que eu saiba, ninguém lhe “ligou”. E continuamos a ter um espaço para a venda de peixe da Lota (congelado?), instalado num antigo contentor quando, antes das obras do porto, tínhamos uma casa - pesqueira, construída pela Câmara Municipal, que foi demolida por motivo das obras e não foi substituída.
Está-se a fazer obras na zona do antigo campo de jogos, que vão passar pela Lagoa, mas nada se vê que seja para dar um melhor arranjo à venda de peixe ao público. O pescado chega do mar e desaparece. Um carro da Lota leva-o para a Madalena a trinta e cinco quilómetros de distância, para voltar, depois de ali arrematado pelos próprios pescadores, nem sei quando, para o contentor que serve de Peixaria local, embrulhado em gelo que lhe dá o aspecto de fresco... É o que nos fornecem. Assim acontece em toda a ilha. Não se compreende que, uma ilha tão longa e com habitações dispersas, só haja de consumir o peixe concentrado numa localidade para, depois, voltar aos portos de origem.
E as baleias continuam a aproximar-se da costa, fazendo desaparecer o chicharro, a cavala outras espécies mais...Não será? Estarei enganado?
Continua a proibição da apanha de lapas. Os polvos desapareceram. As redes e os tresmalhos que eram deitados, principalmente no Inverno, nas lagoas da Maré e do Caneiro, e que faziam boas colheitas, estão proibidos, bem como as tarrafas.
Quase tudo se proíbe e assim vão sendo prejudicados os nossos direitos de cidadãos livres...
É tempo de se rever a situação. O pescado do porto das Lajes deve ficar nas Lajes. A reconstrução do porto permite, nas imediações, a reconstrução da antiga Pesqueira. Admito que o pescado excedente do consumo local seja adquirido pela Lota que lhe dará o destino que tiver por conveniente. Tal como se processa o negócio do pescado é intolerável, por lesivo dos interesses das gentes desta banda Sul, onde, afinal, existem os mais importantes portos de pesca: S. João, Lajes, Santa Cruz, Calheta, Manhenha e Calhau. Quem o ignora?

Lajes do Pico,
25-01-2013
Ermelindo Ávila

AS FESTAS TRADICIONAIS


A MINHA NOTA


Mesmo que ocorressem na época invernosa, as festas religiosas tinham sempre quem a elas assistisse, idas das freguesias vizinhas.
Outrora, talvez pelo prestígio e força política de que gozava o respectivo pároco, a festa do orago, Santa Bárbara era um verdadeiro “dia santo” para os lajenses que acorriam àquela paróquia em grande número. E, tal como às outras festas, não havia transportes. Caminhava-se de madrugada para chegar a tempo da Missa Solene.
Para os lados da Ponta – e esta denominação não é nada desprimorosa, pois desde o começo a freguesia da Piedade sempre foi designada pela freguesia da Ponta (ou Ponta da Ilha) - o mesmo se verificava, chegando a nossos dias, pois a estrada Lajes-Piedade e, depois, Piedade-Prainha, só chegou em 1943, precisamente há setenta anos.
Além da Festa de Nossa Senhora da Piedade, - realizava-se, como actualmente, no fim do verão, e não faltavam pessoas idas de toda a ilha e até mesmo da Terceira, onde sempre existiu uma comunidade numerosa oriunda da Piedade, - havia no inverno – Janeiro – as festas dos oragos: Santo Amaro, Santo Antão e São Sebastião. E daí o adágio popular: Se fores a Santo Amaro, vem por Santo Antão e não te esqueças de São Sebastião. E os forasteiros não faltavam. E não havia filarmónicas para abrilhantar os arraiais. Os encontros, o convívio, as visitas aos amigos e conhecidos constituíam o complemento quase principal das festividades.
Normalmente, as viagens era a pé e aos ranchos. Mesmo que fosse distante a solenidade.
A festa de São Mateus, é muito antiga. Anterior à do Bom Jesus. Naturalmente, porque tinha um cunho especial: distribuíam-se vésperas em cumprimento do voto feito por ocasião das crises vulcânicas de 1718 e 1720, não faltavam forasteiros que, como disse, em ranchos, partiam de casa com dias de antecedência, percorrendo assim a ilha. Caminhava-se, habutualmente, pelo Norte para regressar a casa pelo Sul, ou vice-versa. Para o transporte de farnéis e roupas um dos forasteiros levava o seu carro de bois, que também servia para alojar algum que “acajoava” (adoecia) pelo longo caminhar.
Sem ofensa para ninguém, de lugares a lugares, parava o rancho o tocador de viola, que sempre os havia, dava início à “chama-rita”. E lá surgia a primeira cantiga: Romeiros de São Mateus / Descansai, tomar alento / Que a Virgem Nossa Senhora / Nos vai dar bom tempo.
E outras se seguiam conforme o estro inventivo do cantador ou cantadores.
Após a festa, o regresso a casa fazia-se com o mesmo entusiasmo, muito embora alguns gozassem com aqueles que aparentavam cansaço: Ó José, donde vens? O outro respondia muito pausadamente; Da... fes...ta...
Bons e saudosos tempos para aqueles que deles ainda se recordam. Poucos, porém...


Vila das Lajes do Pico,
Dia de Santo Antão, de 2013-01-15
Ermelindo Ávila

AS DANÇAS...


A MINHA NOTA


Passou Carnaval e está-se já a meio da Quaresma. Outrora era um tempo especial para os católicos, ou seja para a quase totalidade dos picoenses. Hoje é diferente, porque um indiferentismo próprio da época que se atravessa, domina a quase totalidade das pessoas. Isso está bem patente no cumprimento dos deveres dos cristãos.
Mas eu não venho “pregar” aos meus possíveis leitores, se bem que não ficasse mal. Os nossos irmãos separados (conhecidos por protestantes) não têm nenhuma relutância em aproveitar todas as ocasiões que se lhes oferecem, para espalhar a sua “doutrina”. Mas deixemos o caso para outros e, naturalmente, para outra ocasião. Hoje venho apenas recordar tradições que se perderam com os novos sistemas de vida e descoberta de meios de comunicação social: rádio, televisão, internet...
Até meados do século XX era tradição respeitarem-se os Domingos de Quaresma, praticando certos actos religiosos, como seja a Via-Sacra. No entanto, em certos centros urbanos, a meio da Quaresma, por vezes acontecia fazer-se um baile, o “Mi-Caréme”. Que me lembre, houve um aqui nas Lajes, promovido por menina da Horta, que cá estava de passagem em casas de amigas, mas com as janelas da rua tapadas...
Todavia, não deixava de se preparar a Páscoa, normalmente “celebrada” com “danças” que saíam à rua e percorriam as diversas localidades da Ilha. Havia a dança dos Pedreiros, dos Cardaços, e outras mais, sempre presenciadas com gosto e aplauso, por numerosa assistência. E era uma Quaresma inteira que se levava nos ensaios.
Nestas danças não entrava o elemento feminino. Quando necessário, alguns homens trajavam de mulher, passando algumas vezes pelo sexo contrário... E acontecia o equívoco provocar cenas hilariantes... O elemento “feminino” trajava a rigor o que mais contribuía para a confusão...
As danças eram acompanhadas, geralmente, dos familiares dos personagens intervenientes. E não faltavam os “velhos” ou as “velhas” que faziam a recolha dos donativos.
As danças que por aqui apareciam eram, geralmente, vindas de São Mateus ou da Prainha do Norte. Os “enredos” eram bem arquitectados e executados com certa arte, o que mais atraía a assistência. Normalmente, o tema era inspirado dum drama ou comédia coniforme melhor se ajeitava aos “actores”.
Que me lembre, nesta vila apenas se fez uma dança, rebuscada de uma outra muito antiga e conhecida pela “dança dos picões”. Já nem me lembro do que se tratava.
No tempo não existiam os bailes nas sociedades, como depois aconteceu. Bailava-se nas casas que tinham salas mais amplas e apenas lá iam os convidados, restos de uma aristocracia que desapareceu.
Nas zonas rurais, aqui e ali, faziam-se as chamadas “folgas”, onde todos os conhecidos e amigos podiam bailar a chama-rita, os bailes de rodas, por exemplo a sapateia, e outros antigos e que já hoje ninguém conhece.
Vila das Lajes do Pico.
21 de Fev. De 2013.
Ermelindo Ávila