segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O CULTO DA VIRGEM DE LOURDES


Notas do meu cantinho

O estabelecimento do culto de Nossa Senhora de Lourdes na vila das Lajes era da máxima oportunidade. Apesar dos perseverantes esforço de seus párocos, notava-se há muito, no espírito religioso da população, um marasmo desolador bem patenteado no definhamento das associações de piedade, na pobreza das igrejas, no abandono dumas e desabamento doutros.
Isto escreveu Dom João Paulino no “Peregrino de Lourdes” de 6 de Julho de 1889. Todavia, importa referir que, antes que se desse o acontecimento que Mons. António Maria Ferreira, narra no seu livro “Perfumes de Lourdes”(1892), já os lajenses tinham uma devoção especial pela Virgem aparecida em Lourdes à Vidente, hoje Santa Bernardete.
Em 1882, uma tremenda tempestade se levantou impedindo que os botes baleeiros que haviam partido de manhã para mais uma caçada à baleia, se vissem impedidos de entrar no porto. O povo reunido junto ao porto, vivia momentos de grande aflição. “Nos momentos de maior angústia aparece ali um filho da localidade que era considerado por todos como tendo sido objecto de uma insigne graça de Nossa Senhora de Lourdes (...) que de envolta com os gritos de angústias que continuo irrompiam de todos os peitos eram repetidamente ouvidas de diferentes pontos da multidão as exclamações:- Nossa Senhora de Lourdes livrai-os do perigo – Nossa Senhora de Lourdes salvai-os!”- “O facto é que a tempestade serenou, as embarcações entraram, a salvo no porto e da tripulação ninguém sofreu o menor dano.” (1)
E o Autor , ao iniciar a narração da devoção à Virgem de Lourdes nas Lajes do Pico, diz: “Foi também o primeiro lugar dos Açores onde Nossa Senhora de Lourdes começou a ser publicamente invocada...”(1) Conclui-se, facilmente, que a Devoção à Virgem aparecida em 11 de Fevereiro de 1858 – cerca de vinte e cinco anos haviam decorrido – estava já enraizada na alma dos lajenses, se bem que um quarto de século houvesse decorrido sobre o faustoso acontecimento, que foram as Aparições da Virgem na Gruta de Massabielle. Demais, é o próprio Mons. Ferreira que informa: “A esse tempo (1882) já alguns devotos tinham tido o feliz pensamento de removerem uma subscrição para a aquisição de uma imagem de Nª Senhora de Lourdes, destinada à matriz daquela vila.“(1) A subscrição realizou-se, imediatamente, após os acontecimentos do porto, em 1882. E é D. João Paulino que nos dá a lista dos subscritores: Pe. António Ribeiro Homem da Costa (vigário da Matriz), Pe. Manuel d´Ávila Leal Ferreira, P. João Pereira da Terra, P. Francisco Xavier de Azevedo e Castro (todos curas da Matriz), Pe. João Paulino de Azevedo e Castro (reitor do Seminário de Angra), Manuel Paulino da Silveira Bettencourt, D. Maria Angélica de Azevedo Bettencourt, António Homem da Costa, José de Faria, António Rodrigues, António da Rosa Vieira, Manuel Pereira de Macedo, Manuel Vieira Rodrigues, José de Brum Bettencourt, Francisco Vieira da Rosa, João Filipe, Tomás Garcia, Manuel Silveira Carvão, António Xavier da Silveira Bettencourt, Manuel Joaquim Machado, Manuel Cardoso Machado Bettencourt, D. Laureana de Azevedo Castro Neves, a empresa baleeira de que é director Amaro Adrião de Azevedo e Castro e Dr. João Soares de Lacerda.
A Imagem chegou às Lajes em 4 de Setembro de 1883 e a primeira festa teve lugar no final desse mês, para nos anos seguintes se realizar no último domingo de Agosto, e está enriquecida com indulgências plenária e parciais, concedidas no ano de 1884 pelo Papa Leão XIII.
A festa continua com o mesmo programa de 1883: Novenário solene, Missa de comunhão geral e Missa Solene e Procissão a percorrer as ruas principais da Vila com paragem na Pesqueira, onde os baleeiros postavam as respectivas canoas de velas alçadas e lhe prestavam, e prestam ainda, suas homenagens.
No sábado havia arraial nocturno, com concertos pelas filarmónicas, normalmente vinha uma do Faial, e iluminação chinesa e fogo preso. Actualmente, é um pouco diferente a parte externa que evoluiu com o rodar dos tempos. Mantêm-se as solenidades litúrgicas, com o mesmo esquema de 1883 ( há 130 anos), e nessas nada há a alterar. Os povos, de perto e de longe, que não apenas os paroquianos lajenses, respeitam e vivem, sentidamente, estes dez dias de culto sincero e místico, dedicados à Virgem de Lourdes, padroeira dos lajenses, dos baleeiros e de quantos à Senhora recorrem!

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1) Ferreira, António Maria, Perfumes de Lourdes, 1892.

Vila das Lajes,
16 de Agosto de 2012
Ermelindo Ávila
(Escrito de harmonia com o antigo acordo ortográfico.)  

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

BALEIA ! BALEIA !



        Era o grito que mais se ouvia nos meses de Julho e Agosto de há cinquenta anos atrás e muitos mais. Em aparecendo o sinal na vigia, um foguete e uma pequena bandeira, preta ou branca ou preta e branca, sinal de baleia à vista, botes fora, ou botes fora e baleia à vista, um código que toda a gente conhecia, de tão antigo que era, E até o papagaio do Tomé, imitando a voz da mulher, gritava: Baleia, Tomé!

Toda a gente corria para as imediações do porto, mesmo aqueles que se encontravam nas terras altas a trabalhar e que, em vez de aproveitarem os caminhos e canadas, saltavam muros e paredes divisórias, por mais perto, para chegarem a tempo ao seu, que já se encontrava na rampa de varagem, trazido da “casa dos botes” para que não demorasse a arriada.
         Completa a tripulação – oficial, trancador e cinco remadores, todos eles ocupando lugares certos no bote, lá seguiam caneiro fora, alguns deles recebendo aí as sacas ou cestas com a comida que as mulheres ou filhas haviam trazido de casa, também em corrida louca.
Inicialmente, não havia lanchas de reboque. Elas apareceram mais tarde, na década de vinte do século passado. A “Margarida”, destinada a recreio e as “Lourdes” e “Hermínia”, a cabotagem e que passaram a auxiliar na baleação.
Só em 1929 apareceu a “Zélia”. A propósito lê-se em “O Dever” (18-05-1929): No dia 21 de Abril foi lançada à água uma linda lancha com motor de grande força, destinada à pesca da baleia. Foi construída nesta Vila pelos habilíssimos artistas Manuel, Joaquim e António Francisco Machado, filhos do falecido artista Francisco José Machado.”
Mas voltemos à arreada: As lanchas de reboque tinham sido, entretanto, ocupadas pela tripulação respectiva: mestre, maquinista e marinheiro, e já aguardavam, a maioria das vezes, fora da carreira, os seus botes para os levar à zona onde haviam sido vistas as baleias, normalmente para os lados da Ponta da Ilha, guiadas pelos Vigias que, com um pano brando estendido na relva e uma fogueira, lhes davam a direcção certa da baleia ou do cardume, ou mesmo dos botes dos outros portos: Santa Cruz ou Calheta. E refiro-me ao tempo em que ainda não existiam os rádios que passaram a permitir a comunicação entre o Vigia e o Mestre da Lancha de reboque.
Foi a 15 de Agosto de 1948, quando a Silveira celebrava a Festa da Mãe de Deus.
A inauguração das comunicações radiofónicas , uma novidade para a época, levara à vigia da “Terra da Forca” imensas pessoas, interessadas em acompanhar as manobras da baleação.
Foi uma horrível decepção e uma angústia tremenda quando o Mestre da lancha comunicou ao Vigia que o Francisco Pereira Machado desaparecera levado pela linha do arpão que trancara uma baleia.
Mais tarde comunica o Mestre que a baleia acabara de ser trancada por outra canoa e, recolhendo a linha que ela arrastava, no final vinha o corpo do infeliz baleeiro.
Uma tragédia como algumas outras que aconteceram durante a actividade baleeira, que, apesar de se ter deixado de balear nestas ilhas, ainda se recordam com um misto de pesar.
Todavia, a actividade baleeira não parou. Infelizmente, já outros desastres mortais haviam acontecido. Uma actividade arriscada, praticada com certo heroísmo, e que teve um contributo notável na economia desta terra.

Vila das Lajes,
27-07-2012
Ermelindo Ávila

(Escrito de acordo com a ortografia antiga.)

CENTROS DE CULTO DO BOM JESUS


Notas do meu cantinho

As devoções à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, tal como a da Terceira Pessoa – o Divino Espírito Santo – são muito antigas nestas ilhas. Chegou, naturalmente, com os que estas ilhas vieram povoar. E tudo trouxeram: a devoção que alimentavam nas almas crentes, e até o pároco que as dirigia e confortava. Construíram para eles a primeira igreja a que deram o nome do Santo onomástico do seu pároco ou capelão. Todavia deve realçar-se que a primeira paróquia da Ilha foi dedicada à Santíssima Trindade, título que conserva ao longo destes cinco séculos
O Brasil foi descoberto depois de, nestas ilhas, ter sido iniciado o povoamento. Quando isso aconteceu, com certeza, alguns daqui partiram para o novo mundo. Uma sina dos portugueses que, tendo um rectângulo bastante limitado, no extremo oeste da Europa, andou à procura de novos mundos. A Professora Maria Cecília França, do Instituto de culto da Universidade de São Paulo, dedicou a sua tese de doutoramento aos “Pequenos Centros Paulistas de Função Religiosa”. Referindo-se à cidade de Iguape, escreve: “Iguape foi, sem dúvida alguma, o centro original de irradiação desse culto. A imagem do Bom Jesus, que é hoje objecto da devoção dos peregrinos que para ali afluem vindos de tão longe, foi descoberta em 1647. De todas as cidades que no Brasil se constituem em centros de peregrinação religiosa expressivos, Iguape é a que possui a imagem mais antiga. Além disso, Iguape é anterior, mais de um século, à data de descoberta do Santo, e como tal participou de todo o processo povoador difundido a partir de São Vicente e do planalto paulista.” (pág.45) 
Como se verifica a imagem do Bom Jesus, objecto da devoção dos peregrinos, foi descoberta em 1647. E descoberta naquele ano, naturalmente, porque já existira, anteriormente. 
O culto do Bom Jesus de Iguape irradiou por todo o Estado de S. Paulo e chegou ao Estado de Santa Catarina onde se veio a fixar o grupo de quarenta casais picoenses, depois dos sismos ocorridos na Ilha do Pico em 1718 e 1720. 
Curiosamente, a festa anual tem lugar, nos diversos Centros do Brasil, como na Ilha do Pico, no dia 6 de Agosto.
A devoção ao Bom Jesus de Braga é também bastante antiga. No entanto, a Doutora França diz: ”Não temos conhecimento do culto à imagem do Ecce Homo em Portugal mas sabemos que é essa a representação mais difundida do Bom Jesus no arquipélago dos Açores e que a sua introdução foi ali feita na ilha de S. Miguel. É verdade que a imagem do Ecce Homo nos Açores não é exactamente a imagem do Brasil, com excepção daquela que é cultuada na Freguesia de S. Mateus, na ilha do Pico. O Ecce Homo açoriano é mais comummente representado pelo tronco, daí derivando a cognominação que lhe é dada em Santa Catarina. (…) No Brasil a imagem é de corpo inteiro. Frequentemente o Cristo possui uma cana entre as mãos, o que justifica a denominação de Bom Jesus da Cana Verde (…)”(pág.67)
A imagem do Bom Jesus de S. Mateus, como é sabido, para ali trazida em 1862, pelo emigrante retornado Francisco Ferreira Goulart é, precisamente, a do Bom Jesus da Cana Verde, cópia fiel daquelas que se veneram no Brasil.
Veio de Iguape, onde idêntica Imagem do Bom Jesus da Cana Verde havia sido descoberta em 1647, como acima se refere. Aqui passou a ser venerada como Bom Jesus Milagroso, mercê das inúmeras graças alcançadas do Senhor.
Iguape é uma pequena cidade fundada em 1538. Foi elevada a vila entre 1600 e 1614. A Igreja Matriz foi iniciada nesse último ano. Porque era um centro importante do culto ao Bom Jesus, quando foi elevada a cidade em 1848 tomou o nome de Bom Jesus da Ribeira.
As imagens do Ecce Homo existentes na ilha do Pico (S. Mateus, em 1862, Calheta de Nesquim, em 1906, Criação Velha, em 1914) são cópia fiel da existente em Iguape, ao passo que as outras que se veneram nas diversas igrejas açorianas, a principiar pelo Santo Cristo de Ponta Delgada, são em busto. 
Num folheto publicado pela Paroquial de S. Mateus, de que era pároco o falecido Pe. António Filipe Madruga, pode ler-se na “Nota de Abertura”: “Em Agosto de 1962 o saudoso Sr. Pe. Joaquim Vieira da Rosa, o 1º Reitor deste Santuário do Senhor Bom Jesus Milagroso do Pico e pároco durante várias décadas na paróquia de São Mateus, quis assinalar de forma singular o 1º centenário deste extraordinário “Caminho de Luz” aberto às almas pela devoção a Cristo através da Imagem do Ecce Homo. E entre o muito mais que, longo seria enumerar, deixou como padrão imorredouro a elevação da paroquial de São Mateus a Santuário diocesano.“
Anteriormente, porém, existiam Imagens do Bom Jesus que eram e são a representação de Jesus Crucificado. 
Em 1731, o doutor Luís Homem da Costa entregou à confraria do Bom Jesus das Preces, erecta na Matriz das Lajes, uma relíquia do santo Lenho numa custódia de prata com um cristal lapidado, oferta da condessa do Rio Grande. Na Vila das Lajes, pelo mesmo tempo da que existe na Praia do Almoxarife, Faial, já se encontrava a Imagem do Bom Jesus das Preces. Segundo Silveira de Macedo, (História das quatro Ilhas, vol. I, pág 220), “consta que esta imagem foi arrojada pelo mar à Praia, o que faz crer terem (as duas) a mesma proveniência, ou seja que foram imagens lançadas ao rio na Inglaterra por ocasião da reforma protestante.” São imagens de grande devoção, invocadas principalmente em ocasiões de ciclones ou tempestades marítimas.
A Santa Cruz das Ribeiras também foi arrojada uma imagem idêntica, ali venerada hoje por Senhor Jesus. É o Padroeiro da Paróquia. Diz-se que foi encontrada sobre uma pedra – a Pedra do Senhor Jesus - que se encontrava no meio do porto e que, há anos, dali foi retirada e transferida para o jardim do passal.
Devemos referir que uma identidade de devoção se apresenta entre o Bom Jesus de Iguape e o Bom Jesus venerado em S. Mateus, cuja imagem, afinal, dali veio. Não menos de assinalar que a festividade do Ecce Homo, quer no Brasil quer no Pico tenha lugar a 6 de Agosto, dia em que a Igreja celebra  a Transfiguração do Senhor.
Vila das Lajes,
1º dia do Novenário de 2012
Ermelindo Ávila